Lolita Perdida no Bairro

Por Ediana Rodrigues Parnow | 20/03/2016 | Literatura

LOLITA PERDIDA NO BAIRRO: ESTUDO COMPARATIVO MÚSICO-LITERÁRIO

Ediana Parnow

Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

 

RESUMO

O presente artigo apresenta uma análise comparativa entre música e literatura contidas nas obras musicais da artista Lana Del Rey e na obra literária Lolita do escritor Vladimir Nabokov. Este trabalho tem como objetivo analisar a personalidade e características da personagem Lolita e assim, apontar as diferenças e semelhanças entre a personagem originalmente criada por Vladimir Nabokov e a personagem descrita nas músicas de Del Rey. Percebemos que a intertextualidade está presente nas músicas, há uma migração do conceito da personagem descrita no livro para a personagem retratada nas músicas, e quando chega nestas ocorre uma inevitável transformação desta para uma personagem bem mais contemporânea, mas que ainda mantém algumas características notáveis da outra retratada na literatura de Nobokov.

Palavras-chave: Intertextualidade; Lolita; Literatura Comparada; Vladimir Nabokov; Lana Del Rey.

  1. 1.      INTRODUÇÃO

A obra de Nabokov, Lolita, foi escrita em um período de pós Segunda Guerra Mundial, onde os jovens começam a ganhar voz na sociedade que antes os via como mini-adultos. Não havia uma definição muito clara do que representava ser adolescente, mas isto sofre uma mudança drástica por volta dos anos cinquenta e início dos anos sessenta, com a contracultura jovem que se opunha a sociedade de consumo vigente. A partir disto, começa a se dar maior foco aos jovens, e as empresas passam a criar produtos destinados a esse público. Surgem filmes e livros que relatam toda aquela liberdade adolescente. Mas, por outro lado, o conservadorismo das décadas passadas ainda se fazia presente.

A contracultura foi um movimento importante da década de sessenta, em que os jovens começaram a confrontar as próprias famílias e as escolas que frequentavam usando roupas coloridas, dançando rock’n’roll, questionando a sociedade patriarcal, os valores conservadores e a educação rígida aplicada até então. Surgem nesta época, também como forma de contracultura, os movimentos hippie, que pregava a paz e o amor através do poder da flor. Estes acontecimentos desencadearam transformações sociais que se concretizaram a partir do final da década de sessenta em todo o mundo, como, por exemplo, mudanças políticas, comportamentais, éticas e sexuais.

Então, no ano de 1955, um escritor Russo-Americano chamado Vladimir Nabokov publica na França a sua obra sobre uma adolescente muito à frente de seu tempo, sem saber que tal narrativa geraria tanta polêmica até os dias de hoje. Nabokov apresentou a revolução dos costumes muito antes deles aparecerem de fato para a sociedade, e a personagem Lolita acaba por se tornar um símbolo desta revolução.

A história é contada em primeira pessoa, tendo como seu personagem principal o personagem Humbert Humbert, possuindo por volta de 37 para 38 anos. Ao ler sua narração entramos no mundo de Humbert, ele revela seus pensamentos e opiniões mais pessoais, uma das mais controvérsias e polêmicas é o fato de apenas ter interesse por meninas pré púberes. Apaixonando-se pela jovem Dolores Haze, menina filha da dona da casa onde acaba morando quando vai para New Hampshire. Embora eu não acredite que Humbert é um pedófilo, como muitos críticos e teóricos dizem, acredito que ele tenha outros problemas psicológicos por causa de seu trauma infância, tais como obsessão por um tipo de pessoa específica com uma certa idade, sendo estas como ele mesmo denomina ninfetas.

Apesar de conter tal discussão, não é nisto que focarei aqui neste trabalho, estarei focando na personagem Lolita e sua personalidade. O que me levou a fazer este trabalho é que ao ler este livro pela primeira vez me interessei mais pela personagem do que pela história. Lolita é uma pré-adolescente diferente, uma mistura de mulher com criança, em alguns momentos ela demonstra atitudes muitas maduras para a sua idade, e em outros ela se comporta como uma adolescente comum. Estudar a personalidade de Lolita é algo desafiador, já que não temos a visão dela no livro e então terei que confiar na descrição do personagem Humbert.

Escutando algumas músicas da artista contemporânea Elizabeth Woolridge Grant, mais conhecida pelo seu nome artístico Lana Del Rey, percebi grandes referências de Lolita, e ao ler a sua entrevista com a revista Rolling Stone, em 2012 percebi que Del Rey era uma grande admiradora de Nabokov. Porque ela mesma se descreve a persona criada para o álbum Born to Die como uma mistura de um gangster Nancy Sinatra" e "Lolita perdida no bairro". O álbum contém de referências claras ao livro, sendo uma destas músicas nomeadas de Lolita. Além do álbum de 2012, temos algumas referências do livro em músicas que não foram lançadas por gravadoras. Outro detalhe importante é que a cantora possui uma tatuagem em seu braço “Nabokov Whitman”, a tatuagem é uma homenagem aos escritores Vladimir Nabokov e Walt Whitman.

É interessante como a cantora faz esta migração de conceito da personagem para as suas músicas. A Lolita dos anos sessenta é transformada em uma nova personagem contemporânea, mesmo assim algumas características ainda são as mesmas. As músicas que estarei alisando são: Lolita, Off the Races e Carmem.

  1. 2.      LITERATURA COMPARADA E O DIÁLOGO LITERÁRIO-MUSICAL

Antes de compararmos as músicas e a obra literária, é importante realçar que a literatura comparada é uma área dentro da teoria literária que permite alisar textos de uma maneira mais abrangente. A literatura comparada surgiu como disciplina no séc. XIX na Europa, visando estabelecer influencia entre os autores de diferentes países. Naquela época costumava-se dizer que determinado autor era influenciado por outro, dando a ideia de hierarquização. Mais tarde, foi se expandindo pelo mundo, e o conceito tradicional de influência foi modificado, porque os comparatistas entenderam que não há hierarquização nos textos, o texto de fonte não é melhor do que o texto que seria uma “cópia” deste.

No âmbito da literatura comparada há uma grande multidisciplinariedade que nos permite abordar outras áreas do conhecimento, assim como outras formas artísticas além da literatura, tais como a filosofia, psicanalise música, sociologia, cinema, história e artes plásticas. E assim, estuda as grandes trocas entre estas áreas com a literatura. Antes a literatura comparada tentava buscar pelo texto fonte de influência dos autores, assim fazendo com que tivéssemos uma ideia de hierárquica entre os textos, tendo o texto original e a “cópia”. Atualmente este conceito tornou-se obsoleto, pois os comparatistas começaram a entender que um texto faz um diálogo com outros textos, não sofre “influência” do texto “fonte”, é preferível dizer que entre os textos há uma migração de conceitos. Como Carvalhal (2006) explica em seu texto:

“A contribuição do conceito para os estudos de literatura comparada é visível e essencial, pois modificou as leituras dos modos de apropriação, de absorções e de transformações textuais, alterou o entendimento da “migração” de elementos literários, revertendo as tradicionais noções de “fontes” e “influências”. A alteração é substantiva: se a noção de influência tendia a individualizar a obra, sobrepondo o biográfico ao textual e impondo uma causalidade determinista na produção literária, a de intertextualidade, ao designar os sistemas impessoais de interação textual, coletiviza a obra.”(Carvalhal, 2006, pg. 129)

Os textos são compostos de absorções de conceitos propostos em outros textos, e depois transformados em textos novos. Sendo assim, a literatura precisa de outras literaturas, ou outras áreas do conhecimento, para ser criada. Vemos que a literatura não é um campo isolado dos demais, precisa também se relacionar com outros campos para ser criada. Como a autora Perrone-Moisés (1990) explicita em seu texto:

“Estudando relações entre diferentes literaturas nacionais, atures e obras, a literatura comparada não só admite, mas comprova que a literatura se produz num constante diálogo de textos, por retomadas, empréstimos e trocas. A literatura nasce da literatura: cada obra nova é uma continuação, por consentimento ou contestação, das obras anteriores, dos gêneros e temas já existentes. Escrever é, pois, dialogar com a literatura anterior e com a contemporânea. ” (Perrone-Moisés, 1990, pg.94)

Sendo assim, estarei aqui estudando o diálogo entre literatura e letra de música. A música sempre desempenhou um grande papel na nossa sociedade, além do cinema e da televisão, ela faz textos serem mostrados em forma de canção atingindo um público maior do que os livros. As artes como meio de manifestação de sentimentos humanos sempre estiveram relacionadas entre si, como por exemplo a poesia lírica e o teatro que por meio de uma linguagem subjetiva expressam ideias e sensações. A visão da relação entre a música e a literatura possui um olhar limitado, onde a única forma desta é a poesia lírica. A relação entre música e literatura vai além disto, atualmente, a música contemporânea tem uma relação muito forte com a literatura, uma intertextualidade de grandes obras literárias, por meio de artistas que através de suas músicas propõem narrar estas obras, tanto nas letras quanto na melodia.

Esta intertextualidade contida nas obras musicais é feita a partir de álbuns conceituais. Olveira (2010), explica melhor o que são estes álbuns conceituais e como os artistas transpõem as obras literárias para as suas músicas. É importante também enfatizar que cada pessoa tem a sua leitura da obra, sendo assim, ao transmitir a obra em suas músicas, o artista não vai copiar as mesmas palavras da obra, ele irá transmitir os sentimentos e as sensações diversas que a leitura daquele livro trouxe a ele. Como Oliveira evidencia em seu artigo:

“Toda forma de expressão artística é exclusiva e sendo assim, não se pode esperar que um álbum conceitual faça uso das mesmas palavras e expressões contidas no livro e muito menos esperar que uma música consiga transmitir as mesmas sensações da obra, pois embora trata-se de um contexto em comum música e literatura por mais análogos que possam ser, tem sua principal distinção no que no refere ao intuito artístico, ambos usam de fórmulas distintas para exprimir as mesmas ideias, com o mesmo contexto, despertam ainda sensações diferentes em cada leitor ou ouvinte, algo que proporciona mais coerência a esse paralelo artístico.” (Oliveira, 2010, pg. 664)

Ademais, o autor diz que as representações literárias nas músicas geram uma diferente exposição das mesmas concepções. Quando uma música expõe uma narrativa, transmite além dos sentimentos contidos na obra, expõe uma nova série de sensações experiências pelo músico, e ainda tem o poder de despertar no ouvinte novas experiências sentimentais ao tocar a consciência íntima do indivíduo que ouve a música e percebe a carga de sensações trazidas da obra literária. Tendo em mente estes conceitos sobre literatura comparada e o diálogo entre música e literatura, alisaremos de forma comparativa a obra de Nabokov e as músicas de Del Rey.

  1. 3.      LOLITA PERDIDA NO BAIRRO

A análise de um livro tão polêmico e de tamanha profundidade demanda tempo e dedicação, visto que para se encontrar os verdadeiros intuitos do autor se mostra necessário mergulhar na mente deste, e dela retirar as consequentes conclusões. A história narrada pelo personagem Humbert Humbert, se passa entre os anos de 1947 e 1952.  No prefácio há uma explicação de que o manuscrito do livro fora encontrado na cela de Humbert pelo o Doutor em Filosofia John Ray Jr., ele diz que Humbert foi encontrado morto em sua cela. Também há a informação de que Dolores Richard F. Schiller morreu em 1952, com 17 anos, ao dar à luz a um bebe natimorto.

Humbert sofreu um trauma de infância com a morte de sua namorada Annabel Leigh, e após isto tornou-se, como ele mesmo se considera, um monstro por sentir-se atraído por meninas pré-adolescentes. Em 1947 ele passa a morar na casa dos Haze, e lá conhece a filha de Charlotte Haze, Dolores, que acaba apelidando carinhosamente de Lolita. A partir disto, Charlotte morre em um acidente ao descobrir que Humbert estava apaixonado por sua filha e Lolita passa a viver aos cuidados de Humbert sem saber direito a causa da morte de sua mãe. Os dois começam a viajar pelo América do Norte, Humbert amava Lolita de uma forma ciumenta e obsessiva, logo Lolita se cansa da vida junto a ele e começa a planejar seu plano de fuga.

A personagem mostra ser bem inteligente a ponto de enganar e manipular Humbert sem que ele perceba. Ela notou que se fizesse o que Humbert queria, ele acabaria cedendo e lhe dando dinheiro, em momentos chega a fingir que ainda gosta dele só para ganhar o que quer, seja suas moedas, roupas ou comida. Lolita começa a esconder seu dinheiro, objetivando planejar uma fuga do seu amante aprisionador. Por vezes Lolita parece ser ingênua, as suas professas inclusive falaram isto a Humbert, mas na verdade ela era uma menina diferente para a sua idade, já despertada para o sexo desde muito cedo e tendo que aprender a se cuidar sozinha no mundo dos adultos, sendo assim privada de uma infância normal. Embora ela pareça feliz, percebe-se que a personagem no fundo se sentia triste por ter perdido a mãe e estar vivendo daquela maneira, no final do livro ela diz que nunca voltaria para Humbert, preferia voltar para Quilty, o homem mais velho que a ajudou a fugir e só queria que ela participasse de filmes pornográficos, do que para ele.

Focarei na personalidade da personagem para assim, poder comparar com a personagem descrita nas músicas de Del Rey. Terei que confiar na descrição da personagem que é feita pelo narrador Humbert, há também cenas em que professoras da escola de Beardsley conversam com o personagem sobre a personalidade de Lolita. Acredito que o narrador não tenha mentido sobre como Lolita era. Ela já tinha interesse pelo outro sexo, gostava de provocar os meninos de sua idade, usar maquiagem da mãe e pintar as unhas. E assim também brincou com o narrador, respondia as suas caricias e chega a beija-lo, para ela Humbert era mais um de seus brinquedos.

Lolita não tinha um bom relacionamento com mãe, era uma garota respondona e rebelde, mostrava a língua e gritava com a mãe quando estava braba. O mesmo fazia com Humbert, o chamava de grosso, e por vezes o chamava de assassino. Quando queria algo de Humbert falava de um jeito doce com ele, obedecia e chegava a falar em francês porque sabia que ele gostava. Passava a maior parte do seu tempo lendo revistas para adolescente, gostava de usar roupas da moda, tais como saias rodadas, meias soquetes brancas e compridas, macacões e roupas com estampas axadrezadas. É relatado que gostava de comer doces, como bolos, milk-shakes, sorvetes, balas, pirulitos e chicletes, Humbert diz não entender como ela comia tanto e conseguia manter o seu peso.

Ao entrar na escola de Beardsley se interessa por teatro. Lolita já era fã dos filmes de Hollywood, e depois de participar do grupo de teatro começou a se interessar por atuação, queria virar uma estrela de Hollywood. Foi por esta razão que fugiu com Clare Quilty, autor da peça na qual ela participou na escola. Quilty prometeu que a faria uma estrela, mas ele queria, na verdade, que ela fosse a estrela de seus filmes pornográficos, Lolita acabou fugindo dele também, e depois passou a trabalhar como garçonete em diversos lugares até encontrar seu marido Dick. Percebemos que era uma moça independente e de muita coragem.

A Lolita descrita nas músicas da Lana Del Rey é parecida com a de Nabokov. Ela é a rainha da Coney Island, Brooklyn, tendo em torno de 16-18 anos. É uma Lolita mais velha, mas ainda gosta de brincar com garotos, se interessa por homens mais velhos do que ela e também se mostra manipuladora e inteligente. Na música com o nome Lolita, vemos um pouco disto, é a descrição da personalidade da personagem, ela pensa que o que ela faz é o certo e nunca aceitará a opinião alheia. Nas músicas de Del Rey temos uma Lolita mais apaixona do que a de Vladimir, enquanto no livro ela parece ter gostado de Humbert apenas no início e depois ter notado que aquela vida com ele não estava certa. Como a seguir vemos em alguns trechos de Lolita por Lana Del Rey:

“It's you that I adore, / Though I make the boys fall like dominoes”

“É você que eu adoro/ Mesmo que eu faça os garotos caírem como dominós”

“Hey Lolita, hey/ I know what the boys want, I'm not gonna play/ Hey Lolita, hey/ Listen all you want but I'm not gonna stay”

“Hey Lolita, hey/ Eu sei o que os garotos querem, eu não vou brincar/ Hey Lolita, hey/ Ouço tudo que você quiser, mas eu não vou ficar”

“Look at what I bought, not a second thought, oh Romeo”

“Olhe o que eu comprei, não pense duas vezes, oh,  Romeu”

 “I want my cake and I want to eat it too/ I want to have fun and be in love with you/ I know that I'm a mess with my long hair/ And my suntan short dress, bare feet/ I don't care what they say about me/ What they say about me/ Because I know that it's l.o.v.e./ You make me happy, you make me happy/ And I never listen to anyone.”

“Eu quero o meu bolo, e quero comê-lo também/ Eu quero me divertir, e estar apaixonada por você/ Eu sei que causo problemas com o meu cabelo longo/ E meu bronzeado, vestido curto, pés descalços, eu não me importo/ Com o que eles dizem sobre mim, com o que eles dizem sobe mim/ Porque eu sei o que é o a.m.o.r / Você pode me fazer feliz, você pode me fazer feliz/ E eu nunca escuto ninguém” (DEL REY, 2012, Lolita) (Tradução minha)

Na música, ela diz que o ama mesmo brincando com os sentimentos dos outros garotos do bairro. Há também o trecho onde ela diz que sabe muito bem o que os meninos da sua idade querem, mas ela não os quer, sendo assim ela só quer o seu amante mais velho. No livro Lolita não tem muita proximidade com garotos do seu bairro, já que Humbert não a deixava, sendo assim quando Lana fala de brincar está se referindo as “brincadeiras” que Lolita fez no acampamento com um menino quando perdeu sua virgindade. Há uma descrição de que ela tem cabelos compridos, bronzeado e usa shorts curtos, uma Lolita mais moderna do que a de Nabokov que só usava seus vestidos rodados e tinha a pele pálida. Del Rey chama o amante da Lolita de Romeu, comparando a sua história de amor com o grande clássico Romeu e Julieta, para esta Lolita este relacionamento no qual ela está é algo totalmente certo para ela e também algo muito romântico. Na segunda música de Del Rey, temos a descrição das viagens de Lolita com Humbert, vemos claramente que ela está se referindo ao livro porque chega a cita-lo em sua música. Aqui temos alguns trechos da música Off the races:

“My old man is a bad man/ But I can't deny the way he holds my hand/ And he grabs me, he has me by my heart/ He doesn't mind I have/ A Las Vegas past/ He loves with every beat of his cocaine heart”

“Meu velho é um homem mau, mas / Não posso negar a forma como ele segura a minha mão/ Ele me agarra, ele me prende pelo coração/ Ele não se importa de eu ter/ Um passado de Las Vegas/ Ele me ama a cada batida de seu coração de cocaína”

“Light of my life, fire of my loins/ Be a good baby, do what I want/ Light of my life, fire of my loins/ Give me them gold coins/ Gimme them coins”

“Luz da minha vida, fogo da minha virilidade/ Seja bom comigo, faça o que eu quero/ Luz da minha vida, fogo da minha virilidade/ Me dê as moedas de ouro, me dê as moedas”

“My old man is a tough man/ But he got a soul as sweet as blood red jam/ And he shows me, he knows me/ Every inch of my tall black soul/ He doesn't mind I have a flat broke down life/ In fact he says he thinks/ it's what he might like about me/ Admires me”

“ Meu velho é um homem durão/ Mas ele tem uma alma tão doce quanto geleia/ E ele me mostra que conhece/ Cada polegada da minha longa e negra alma/ Ele não se importa que eu não tenha um tostão/ Na verdade, ele diz que acha/ É que talvez seja isso que gosta em mim/ E me admire”

 “Because I'm crazy, baby/ I need you to come here and save me”

“Porque eu sou louca, baby/ Eu preciso que você venha aqui e me salve”

“God I'm so crazy, baby/ I'm sorry that I'm misbehaving/ I'm your little harlot, starlet/ Queen of Coney Island/ Raising hell all over town”

“Deus, eu sou tão louca, baby/ Me desculpe se sou malcriada/ Eu sou sua pequena meretriz, sua estrelinha/ Rainha de Coney Island/ Fazendo de toda a cidade um inferno”

“My old man is a thief/ And I'm gonna stay and pray with him 'til the end/ But I trust in the decision of the lord to watch over us/ Take him when he may, if he may/ I'm not afraid to say/ That I'd die without him/ Who else is gonna put up with me this way?/ I need you, I breathe you, I'll never leave you/ They would rue the day I was alone without you”

“Meu velho é um ladrão/ E eu vou ficar e rezar com ele até o final/ Mas confio na decisão do Senhor De olhar por nós/ E levá-lo quando chegar a hora, se ela chegar / Não tenho medo de dizer/ Que eu morreria sem ele/ Quem mais vai me aguentar dessa forma? / Preciso de você, respiro você, nunca te abandonarei/ Eles lamentariam o dia em que estivesse sozinha sem você”

“Boy you're so crazy, baby/ I love you forever/ Not maybe/ You are my one true love ”

“Garoto você é tão louco, baby/ Eu te amo para sempre/ Não talvez/ Você é o meu único verdadeiro amor”(DEL REY, 2012, Off the Races) (Tradução minha)

Sendo a música mais longa do álbum e a que mais contém referências do livro,  temos a citação direta do trecho inicial do livro, que no original está assim: “Lolita, light of my life, fire of my loins. My sin, my soul”[2]. A música é dividida em partes, aquelas que Del Rey canta com uma voz mais grave, geralmente é quando ela fala coisas mais sérias e mais adultas, mostrando o lado maduro da Lolita, estas partes são aquelas que ela fala do seu parceiro se dirigindo a ele como “meu velho” (my old man). As outras partes são quando ela canta com uma voz mais aguda para representar a infantilidade da Lolita, estas partes são os refrãos e nas partes que ela diz que precisa dele, mostra o amor da personagem da Lana que é quase uma obsessão, porque por mais que ele seja ruim ela morreria sem ele.

Como a personagem descrita na música é mais velha, tem um passado e ele a aceita desta forma. Ela pede para ele ser bom com ela e lhe dar o que ela quer, neste caso é o dinheiro. No livro o dinheiro que Lolita pedia era para planejar a sua fuga, na música já que ela parece não conseguir viver sem ele, o dinheiro deve ser para comprar coisas para si, também pelo motivo de ser pobre e precisar do dinheiro dele. Ela precisa dele desesperadamente e o amará para sempre, como já foi dito, e também cita que talvez seja porque ela tenha uma vida ruim que ele gosta dela, para assim poder seu salvador. O seu amante conhece tudo sobre ela, e ele a ama mesmo assim, mesmo ela sendo pobre ou sendo malcriada com ele as vezes, ele se parece muito com o Humbert neste sentido. Há uma referência a Coney Island, vemos essa referência em outras músicas da Lana sobre Lolita, Del Rey muda o lugar onde Lolita vive, um lugar mais conhecido mundialmente. Outra música que contem referência a Coney Island é Carmen, como vemos a seguir em alguns trechos:

“It's alarming honestly how charming she can be/ Fooling everyone, telling them she's having fun”

“Honestamente, é perigoso o quanto ela pode ser charmosa/ Enganando a todos, falando a eles que está se divertindo”

“The boys, the girls, they all like Carmen/ She gives them butterflies,bats her cartoon eyes/ She laughs like god, her mind's like a diamond”

“Os garotos, as garotas, todos eles gostam da Carmen/ Ela dá a eles borboletas, bate seus olhos de desenho/ Ela ri como um Deus, sua mente é como um diamante”

“Carmen, Carmen, staying up til morning/ Only seventeen, but she walks the streets so mean/ It's alarming truly how disarming you can be/ Eating soft ice cream, Coney Island queen”

“Carmen, Carmen, ficando acordada até de manhã/ Apenas tem dezessete anos, mas anda pelas ruas tão má/ É alarmente, de verdade, o quão desarmante você pode ser/ Tomando sorvete, rainha de Coney Island”

“She says you don't want to be like me/ Looking for fun, get me high for free/ I'm dying, I'm dying/ She says you don't want to get this way/ Street walking at night, and a star by day/ It's tiring, tiring”

“Ela diz, você não quer ser igual a mim/ Procurando diversão, ficando chapada de graça/Estou morrendo, estou morrendo/ Ela diz, você não quer ficar assim/ Andando nas ruas à noite, e sendo uma estrela durante o dia/ É cansativo, cansativo”

 “Baby's all dressed up, with nowhere to go/ That's the little story of the girl you know/ Relying on the kindness of strangers/ Tying cherry knots while doing party favours/ Put your red dress on, put your lipstick on/ Sing your song, song, now, the camera's on/ And you're alive again”

“A garota está vestida, sem lugar pra ir/ É a pequena história da garota que você conhece/ Confiando na bondade de estranhos/ Dando nós em cabos de cereja enquanto faz favores em festas/ Coloque seu vestido vermelho, passe seu batom/ Cante sua canção, canção, agora, a câmera está ligada/ E você está viva outra vez”

 “Mon amour, je sais que tu m'aimes aussi/ Tu as besoin de moi/ Tu as besoin de moi dans ta vie/ Tu ne peux plus vivre sans moi/ Et je mourrais sans toi/ Je tuerais pour toi”

“Meu amor, eu sei que você me ama também/ Você precisa de mim/ Você precisa de mim em sua vida/ Você não pode viver sem mim/ E eu morreria sem você” (DEL REY, 2012, Carmen) (Tradução minha)

No livro, Humbert apelida Lolita de Carmen, era uma música famosa da época. Porém, a personagem descrita nesta música é a que mais se difere da Lolita do livro, alguns tem dificuldade para notar as referências e até dizem que não tem nada a ver com o livro, mas na minha leitura Carmen é uma referência. Apesar de ser sobre uma Lolita que é famosa, uma estrela, ela tem as mesmas características da personagem. Ela é charmosa e engana os outros dizendo que está feliz, mas na verdade sua vida não é como ela queria. A Lolita do livro também aparenta ser feliz, mas há vários momentos em que ela aparece chorando e se sentindo infeliz com a vida que tem. Há também o fato de que no livro ela quer ser famosa, ela até foge por causa disso, essa música também se refere à quando Lolita está com Quilty dependendo dele e da bondade de estranhos, como diz na música.

Todos gostam da Carmen, todos gostam de Lolita também no livro, ela é uma pessoa muito sociável e possui muitas amigas no colégio, Humbert tinha ciúmes disto porque ela costumava ser bastante sociável até com estranhos. A Lolita da Lana tem 17 anos, toma sorvete em Coney Island, isso mostra que apesar dela ter que ser adulta para enfrentar a sua vida dura ela ainda é uma criança por dentro. Está claro na música que ela usa drogas, e diz que não quer essa vida de famosa, isso seria uma consequência das escolhas dela. Na música as consequências são diferentes, mas próximas de uma realidade atual e real, no livro Lolita poderia ter encontrado este destino mais cruel, porém conseguiu se livrar dele trabalhando e encontrando um marido, mesmo que tenha morrido do final, sua vida já não era tão ruim comparando com o tempo em que estava com Humbert. Na música ela não tem escolha, é esse o mundo dela, ela não tem para onde ir.

No fim da música há um trecho em francês, Lana causou o mesmo estranhamento que Nabokov. Ao ler o livro temos partes em francês sem tradução alguma, eles não são tão importantes para a obra, é possível entende-la sem entender as partes em francês, mas acredito que estavam lá por este motivo do estranhamento, e para mostrar também que Humbert era um homem culto. Na música este trecho é importante, porque até então não é citado um amante, e ali ela diz que ele precisa dela em sua vida e que morreria sem ele, mais uma vez, como já vimos em outras músicas, este amor obsessivo aprece novamente.

 

  1. 4.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através desta minuciosa análise e comparação do livro Lolita de Vladimir Nabokov com as músicas do álbum Born to Die de Lana Del Rey, pude clarear duvidas até então obscuras em meus pensamentos, bem como concluir que tanto na música quanto na literatura há um intenso diálogo que os interliga. A literatura tem papel importante na sociedade, sendo comum servir como inspiração para artistas de outras áreas, como no caso de Lana. Aprendi que um artista não “pega inspiração” de uma obra literária. Ele pega os conceitos da obra, e a partir da leitura que teve desta transforma a sua visão e seus sentimentos sobre a obra, transmitindo assim para a música. Algo “inspirado” não precisa ser igual a “inspiração”, Lana mudou muito do conceito da obra, e isto é algo que acontece toda hora nas adaptações de livros, esta é a intertextualidade, nada precisa ser fiel a nada, também como nada é inferior a nada. Com o intuito de passar estas informações ao leitor, acabei por compreender de forma mais profunda os conceitos de literatura comparada e intertextualidade, contribuindo assim para o meu desenvolvimento acadêmico.

Nas músicas, Lana não está fazendo apologia à pedofilia em suas músicas, seu amante não substitui a figura paterna, ele é seu protetor. No livro Humbert quer tomar o lugar de pai de Lolita, mas acredito que ele é mais seu protetor e amante do que pai, apesar dele querer ser a figura paterna para ela, acredito que Lolita não o vê assim, logo Lana também incorporou isto em suas músicas. Há também nas músicas uma inversão: no livro Humbert é obcecado e louco por Lolita e nós sabemos que isto não é reciproco, enquanto que nas músicas a Lolita de Lana não consegue viver sem o seu protetor, e ela sabe que seria horrível viver sem ele. Ela está perdida em seu bairro - talvez em Coney Island - e por isso precisa de alguém para salva-la e levá-la pelo caminho certo. São Lolitas diferentes em tempos diferentes. Acabei por concluir que o livro Lolita tem total relação com as músicas da artista Lana Del Rey, como bem descrito no artigo em voga. A base de ambos os meios foi, em sua amplitude, a mesma.

  1. 5.      BIBLIOGRAFIA

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DEL REY, Lana. Born to Die. Estados Unidos: Interscope Records: 2012. dois discos compactos (93 + min.): digital, estéreo.

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