Livre cambismo e protecionismo.
Por Angelo Tripicchio | 07/03/2009 | EconomiaA Revolução Industrial do século XVIII promoveu dois fenômenos muito importantes: ao primeiro, atribui-se a imigração e ao segundo, o afluxo de matérias primas. Então, de pessoas para fora e de mercadorias para dentro é o que se entende por Revolução Industrial, haja vista ter sido este o processo de capitalização inicial que alimentou o desenvolvimento industrial do que hoje conhecemos como países ricos. Incluiu-se também, em alguns casos, a mão-de-obra escrava. Liverpool, na Inglaterra, foi um grande pólo de comércio de negros escravos.
O mais importante aí é perceber como o desenvolvimento econômico dos países ricos foi se desenhando. Se, inicialmente, o processo de capitalização – a pilhagem de recursos amplamente defendida pelos mercantilistas desde o século XVI, foi o que elevou aos poucos os padrões de produção e de consumo das nações ricas, é bem verdade que, de outro lado, o processo de descapitalização material e humana foi se desenvolvendo também nas regiões de onde esses recursos saíam.
A fase inicial do desenvolvimento industrial em qualquer país sempre foi traumática. Há sempre um quadro de certa forma equilibrado entre demanda e oferta e também a qualidade do que se produz está, em grande parte, diretamente ligada ao artesanato. Com o advento de máquinas e equipamentos em substituição ao trabalho manual, as condições mudaram drasticamente, porque o crescimento se deu muito além das disponibilidades locais. Matérias-primas e alimentos tiveram de ser trazidos em quantidades cada vez maiores de outras regiões a fim de alimentar a continuidade do processo de capitalização em que esses países ricos foram se inserindo.
Na Inglaterra, principalmente, os camponeses foram sendo forçados a abandonar a terra para dar lugar à criação de carneiros para a produção de lã e, ao mesmo tempo, oferecer sua mão-de-obra a qualquer preço para a indústria para sobreviverem. Esse quadro evoluiu até chegar ao caos conhecido: homens, mulheres e crianças trabalhando penosamente em condições amplamente desfavoráveis, somado a uma legião de desempregados e miseráveis. A "expulsão" de pessoas na fase seguinte ao processo de capitalização dos países ricos é o que chama a atenção, sobretudo pelo fato de que esses camponeses vão integrar uma poderosa mão-de-obra que inevitavelmente irá progredir, porque irão trabalhar para si mesmos nas novas regiões ocupadas. Ocorre então, o conhecido processo de colonização de povoamento. Vivenciamos em parte, uma colonização de povoamento no Brasil.
No início do século passado, observam-se navios abarrotados de pessoas vindas principalmente do Japão, da Alemanha e da Itália, países que atravessavam à época o mesmo processo penoso de industrialização que em sua fase inicial sempre expulsa o excedente de mão-de-obra. Essas colônias vão se instalar e progredir, porque vão trabalhar para si próprias e não para o mercado e sendo assim, o processo de capitalização é contínuo.
Assim, deve-se enfatizar que um processo inicial de industrialização só pode nascer e se desenvolver, desde que a renda esteja concentrada. O padrão de trocas, antes equilibrado, passa a se concentrar na atividade industrial e em torno dela própria, em primeiro lugar porque o lucro só pode advir com controle rígido dos custos operacionais, a começar pelos salários pagos e, em segundo lugar, porque o consumo se dará sempre entre os estratos de renda mais alta. Os operários não consomem os automóveis que produzem, nem adquirem os apartamentos que ajudam a construir, nem, muito menos, entregam-se aos bens de consumo duráveis. Para haver produção e consumo, a renda precisa estar concentrada em torno da atividade.
Os graves problemas de ordem social porque passa o Brasil ou qualquer outro país pobre só poderão ser resolvidos a partir do momento em que se considerar uma nova ordem para o comércio internacional, bem como, para a atividade industrial.
O processo brasileiro de industrialização teve a mesma característica do que ocorreu na Europa ou em qualquer outra parte da Terra, mas com um agravante: o contingente populacional que migra de outras regiões internas do país, somado à massa de desempregados que surgem a partir desse mesmo processo lembram o quadro inicial da Inglaterra do século XVIII, mas o problema é que esse contingente não tem para onde ir.
Essa população de braços cruzados, portanto, vai crescendo e com ela cresce a marginalidade, a violência, o desemprego e tudo o mais. Mais que isso, o desenvolvimento industrial que ocorreu no Terceiro Mundo foi realizado a partir da ação das empresas dos países ricos, o que ajudou a agravar o problema. O mesmo processo que se deu nesses países com todos os problemas sociais colossais, também se deu aqui, com a diferença de que o Brasil não está, nem nunca esteve, favorecido pelo comércio internacional o que quer dizer que os países ricos transferiram também os seus problemas sociais para o Terceiro Mundo.
É verdade que houve o chamado “milagre econômico” no Brasil, mas a fase embrionária se deu forçosamente. No período de 1930 a 1945, o Brasil criou condições para dar um salto ao desenvolvimento. Em primeiro lugar, deve-se ressaltar a queda da bolsa nova-iorquina em 1929 e em segundo, a eclosão da Segunda Guerra Mundial em 1939. Nesse período de quinze anos, não havia compradores no estrangeiro, uma vez que estavam em recessão econômico-financeira, além de envolvidos na guerra que se deu logo em seguida. Conseqüentemente, com a falta de compradores, o Brasil também não possuía receitas de exportação. Com a iniciativa interna de empresários e do Estado, conhecemos um pouco do que seria o verdadeiro desenvolvimento sem intervenção externa. Os salários reais subiam e o país ganhava um impulso fortíssimo para, já na década de 50 no governo de Juscelino Kubitschek, ganhar um status desenvolvimentista nunca antes – nem depois – atingido. Com a tomada do poder pelos militares, o Brasil
retoma sua velha rotina de desenvolvimento “para fora”, que mantém até hoje.
Associada ao mesmo tema, a industrialização dos países ricos só foi possível porque a importação de alimentos e matérias-primas se dava a preços suficientemente baixos, até mesmo para não elevar os custos de produção, o que teria dificultado enormemente a capitalização inicial. Mais importante que tudo isso, é entender que mantidas as mesmas condições, os países pobres jamais alcançarão os padrões de produção e de consumo das nações ricas, notadamente porque a exportação de recursos naturais e de alimentos obedece ao padrão de preços regidos pelas transnacionais, isto é, baixos, o que submete o Brasil à condição eterna de país emergente ou pobre, ou seja lá o que for. Nunca houve capitalização em nosso histórico econômico. Hoje, ainda, o Brasil está submetido ao franco processo de descapitalização material e humana e muito mais que isso, cabe afirmar, enfaticamente, que os padrões de produção e consumo das nações ricas jamais foram generalizáveis, isto é, nunca puderam ser levados a todas as regiões da Terra.
A idéia de que esses padrões sejam generalizáveis está equivocada. O interesse industrial, esse sim, sempre foi o ponto de desequilíbrio entre os níveis de demanda e oferta, porque só podem funcionar, como explicado, com a concentração da renda.
Especialmente nos Estados Unidos, modelo de economia seguida pelo Brasil, há um fator interessante. Como o processo inicial de industrialização também promoveu a expulsão dos camponeses, a indústria foi se expandindo naturalmente a partir da condição de extrema vantagem mantida até a época atual no comércio internacional. Ocorre que a massa de desempregados resultante desse processo foi aos poucos sendo absorvida pelo setor de serviços, que é improdutivo. Esse setor, nos Estados Unidos é responsável atualmente por cerca de 70% do PIB norte-americano. Entretanto, só foi possível que o setor de serviços se desenvolvesse por causa da enorme geração de renda obtida pela vantagem auferida da participação do comércio internacional, como é assim para qualquer país rico – todos eles, inequivocadamente, possuem amplo setor de serviços. Dessa forma, o desemprego nos Estados Unidos, absorvido pelo setor de serviços, obscurece a visão do problema. Mesmo assim, o desemprego norte americano já chegou ao patamar dos 7% da população economicamente ativa, o que leva a se imaginar o tamanho do desequilíbrio sob o ponto de vista da ordem econômica existente naquele país. Da mesma forma, o desemprego na antiga União Soviética ainda é absorvido pelas empresas estatais. Desemprego de mão-de-obra, pois, é problema que começa juntamente com a industrialização, seja aparente ou não.
No Brasil, por exemplo, o setor de serviços não tem condição de se expandir exatamente porque o país nunca esteve em posição de vantagem no comércio internacional. Assim, com pouca receita de exportação embora exportando quantidade incomensurável de minérios e de alimentos e conseguintemente, com pouca condição de investimentos a não ser com o auxílio de empréstimos internacionais, só se pode observar o agravamento dos problemas sociais especialmente aqueles ocorridos nos centros urbanos do Terceiro Mundo.
O mais grave é que, ao se considerar que os preços a que estão submetidos os países pobres no comércio internacional são baixos, as conseqüências internas para esses países são devastadoras.
Os investimentos estatais, desde a estratificação do minério até o costado do navio para a exportação, são gigantescos. São investimentos que vão desde a modernização dos portos, a pavimentação e duplicação de estradas a fim de melhorar o transporte rodoviário, também os investimentos feitos na malha ferroviária e na produção de energia somam, ao todo, uma despesa que jamais é coberta com as receitas de exportações, o que equivale dizer que o Brasil exporta com prejuízo, assim como os países pobres no geral. Além desses pesados investimentos, há pesados subsídios orçamentários lançados pelo
governo federal em todo o setor produtivo, como também nos transportes. Se assim não fosse, as condições financeiras desses países já teriam melhorado desde há muito. Estudo promovido na década de setenta pela Comissão Econômica para a América Latina – a CEPAL, órgão da ONU, com sede em Santiago, Chile, intitulado “A deterioração dos termos de troca”, mostrou que num período de quinze anos, a perda nos preços da relação de comércio entre a América Latina e os países ricos foi tão marcante que superou o total do capital que entrou na região, na forma de empréstimos e de investimentos de empresas de qualquer tipo no mesmo período.
O que se afirma aqui é que o Brasil sempre foi submetido a rigoroso controle, porque não dizer, espoliativo, das nações ricas, através do comércio internacional. Tantas são as oportunidades do país progredir; tantos são os recursos disponíveis, tanta é a criatividade e labor do povo brasileiro que resulta muito difícil aceitar que o país não engrene de vez em um crescimento sólido e apoiado em recursos próprios. É mais aceitável atribuir este impedimento aos problemas relativos à ordem administrativa do que demonstrar a realidade dos fatos.
Como demonstrado, os investimentos internos com vistas a promover a atividade exportadora ou, ainda, o esforço exportador, nunca são cobertos com as receitas de exportação, uma vez que o país recorre freqüentemente a empréstimos ou depende constantemente de investimentos, confundidos com capital especulativo. Isso provoca imediatamente a dívida pública de municípios e estados que, por sua vez, vão integrar o corpo das dívidas de curto, médio e longo prazos do governo federal. A dívida externa brasileira, que já beira os US$600 bilhões, não deixa o Brasil em situação muito confortável. A fim de financiar os serviços da dívida, o país se empenha em exportar mais, para angariar mais receitas a ter com que pagar esses serviços. Além disso, há de se pensar em recursos para prover os programas sociais,
como saúde, educação e infra-estrutura, principalmente. O metrô de São Paulo, por exemplo, inaugurado em 1974, e construído inicialmente com recursos do BIRD, tinha como devedora a Prefeitura de São Paulo. A dívida, entretanto, foi logo passada ao governo do estado de São Paulo e, mais tarde, foi integrar a dívida externa nacional. A federalização de dívidas contraídas por estados e municípios tornou-se prática comum.
Nos últimos 50 anos de atividade industrial, já se consumiu mais que o dobro de minerais metálicos que em toda a história anterior da humanidade. Ainda que reconhecida a industrialização com níveis de produção se elevando e consumindo recursos naturais a passos largos, é inegável que, por outro lado, provoca-se o desmantelamento do equilíbrio econômico e a degradação do meio ambiente.Então, a preservação do meio ambiente deveria seguir não com aumento de investimentos no setor, mas pela via política, no sentido de aumentar gradativamente os preços das mercadorias no mercado internacional. Somente com o aumento de preços é que se pode considerar que esses recursos sejam mais poupados, uma vez que do outro lado os padrões de desperdício das nações ricas devem forçosamente baixar, já que o preço do produto final também deve aumentar. O Brasil deixaria, por exemplo, de atribuir valor zero aos recursos naturais. O movimento dos países não alinhados já pugnava por isso. Inicialmente criado pelos presidentes Gamal Abdel Nasser (Egito), Marechal Josip Broz Tito (Iugoslávia) e Jawaharlal Nehru (Índia), esse movimento pleiteava o aumento gradativo de preços dos produtos primários exportados pelo Terceiro Mundo. Essa iniciativa deveria impor uma nova ordem de comércio mundial, uma vez que, em poucos anos de existência, quase uma centena de países já integravam referido movimento. Desafortunadamente, perdeu força política até cair no ostracismo. O ciclo é sempre assim: exportam-se recursos naturais e com essa atividade a dívida pública cresce e cresce mais, porque há gastos efetuados com infra-estrutura; na medida em que esses gastos são
efetuados, incorre-se no déficit público que, por sua vez, precisa ser financiado. Esse financiamento, geralmente, ocorre por duas fontes: a primeira, os empréstimos internacionais e a segunda, pela tributação – há, ainda, também a vigorosa especulação em torno dos títulos públicos. Não há o que se falar em reforma tributária sob nenhum aspecto, porque, afirma-se, a tributação é absolutamente indispensável para o governo. À época do regime militar, o Brasil possuía cerca de 30 impostos, mas agora já contamos com 61, incluindo-se oficialmente a CPMF, que é provisória, assim como o Imposto Sobre a Renda também o era . . .
Mantidas as condições para exportação, os países pobres seguem piorando seus níveis sociais para mais fome e miséria. Não há no mundo país pobre que não seja abundante em recursos naturais. Não há no mundo país rico que não seja pobre em recursos naturais, especialmente em se tratando de níveis de produção que excedem em muito a capacidade de oferta de recursos naturais desses países. Os Estados Unidos são a única exceção à regra, por motivos de estratégia econômica. Não há no mundo país pobre com altos salários. Não há no mundo país rico com baixos salários. Certa vez alguém disse que o Brasil não poderia ter salários altos porque isso seria inflacionário; seria um suicídio.
Salários jamais foram causa de inflação! A considerar que os países ricos, sem exceção, possuem salários altos, então resta claro que todos eles teriam necessariamente de possuir altos índices de inflação. Os salários são baixos no Brasil, assim como em qualquer país pobre, porque somente pagando salários baixos é que se pode exportar a baixos preços. Agora sim há coerência, não? Os preços das exportações, como os preços dos produtos acabados na economia de um país qualquer, só podem ser baixos desde que o custo principal – o mais caro – que é a mão-de-obra, seja baixamente remunerada. Internamente, se os preços dos produtos na economia brasileira são altos por causa da tributação, então novamente o Estado está arrecadando exorbitantemente para financiar o déficit público mormente causado pela atividade exportadora. Para a indústria, não há diferença se o preço do produto final seja alto – esse preço será repassado, também porque o público que consome o produto final pertence a estratos de renda mais alta e, ainda assim, as empresas recebem muito mais favores estatais do que aqueles gastos oriundos de tributação excessiva.
Isto não deve ser confundido com os preços baixos praticados pelas transnacionais, que operam em condição de extrema capitalização, favorecidas pela aquisição de matéria-prima a baixos preços, como também a mão-de-obra sub-remunerada, uma vez que agora estão devida e completamente instalados no Terceiro Mundo. Somado ainda à remessa de lucros para o exterior, para suas matrizes de origem, resulta impossível competir em preços com tais gigantes. É o mesmo que uma grande rede de supermercados se instalar em um bairro antes suprido de suas necessidades básicas pelo comércio local. Referido comércio será fatalmente destruído, porque não é capitalizado o bastante para praticar preços mais baixos, às vezes até mesmo abaixo dos custos operacionais.
Os grandes centros urbanos, de acordo com as economias a que estão vinculados, crescem. Crescem em tudo. Vão se apossando de recursos de cidades vizinhas, vão recebendo mais pessoas por fluxo migratório interno e externo, o que vai desencadeando a extrema necessidade de investimentos que ficam mais e mais além das possibilidades dos governos. São Paulo agora vai buscar água no Vale do Ribeira com mais de mil metros de desnível, impondo novamente pesados investimentos do governo estadual para não resolver o problema e para incomodar a população local. Tudo então, vai se deteriorando. A exceção se marca nos países ricos que possuem vultosas receitas pela participação no comércio externo. Os recursos sobram para tudo: desde a prática especulativa nos países pobres, chamados de investimentos, até para mandar homens ao espaço cujos experimentos realizados não traduzem benefício prático voltado à coletividade mundial.
O Risco Brasil, por exemplo, seria considerado, nessa linha de pensamento, o máximo do cinismo. Medido em Nova Iorque pelo banco norte americano JP Morgan Chase, obedece a critério arbitrário de cálculo que irá demonstrar o nível de “confiabilidade” da economia brasileira.
Deve-se entender a seguinte diferença conceitual: investidor é aquele que adquire máquinas, equipamentos ou ainda mão-de-obra a fim de incrementar a produção, desenvolvê-la. A atividade especulativa é aquela, bem definida, como o ato de ganhar dinheiro com dinheiro – o que é improdutivo. Aí não há desenvolvimento, não há crescimento econômico, não há nada. Portanto, esclarecida a diferença, fica claro que o capital estrangeiro que ingressa no país não é investimento e sim produto de especulação, vez que este é atraído porque mantidas altas taxas de juros, o que também contribui para divulgar a imagem de “país seguro” à frente da especulação internacional.
À margem de conhecer realmente do que padece nossa economia, os meios de informação descarregam sistematicamente à nação brasileira informações sobre o tal Risco Brasil, como se isso fosse realmente importante para questões como o desemprego, por exemplo. Muito embora os dois aspectos mencionados tenham íntima relação, parece que o desemprego não tem muito lugar nos noticiários, especialmente os dados mais específicos, como o desemprego por idade, por família ou ainda por sexo e que, certamente, retratariam com mais exatidão a real situação que envolve o assunto, sobretudo se a pesquisa apurasse especificamente as regiões metropolitanas do país. Pouco importa saber quantas vagas de emprego foram criadas pelo atual governo ou quantas carteiras de trabalho foram devidamente registradas ou assinadas – o que interessa realmente saber é quanto o desemprego cresceu em termos percentuais. No período de 2000 a 2005, o número de desempregados no país oscilou entre cinco e oito milhões de pessoas. Somente em São Paulo e região metropolitana, variou entre um milhão e duzentos e dois milhões.
A análise, do ponto de vista da vulnerabilidade externa apresentada pela economia brasileira, outrossim, resumiu-se aos juros praticados no país, quer dizer: juros baixos, economia vulnerável; juros altos, economia segura. Não há qualquer lógica nisso, especialmente em se tratando de um país em que, até a edição deste artigo, chegou a produzir cerca de cento e vinte milhões de toneladas de grãos, estabelecendo sempre novos recordes de produção ano a ano. O quê, então, é necessário fazer em uma economia a fim de que seja considerada segura ??
Em verdade, considerados os parâmetros apresentados, é difícil imaginar o termo confiabilidade a fim de justificar a elaboração do Risco Brasil. A economia brasileira jamais foi construída à base de papéis (ações), nem muito menos, ao que nos consta, construída à base de importações de recursos naturais a baixos preços, como o foram os países ricos. A potente economia brasileira nem deveria, a nosso ver, ocupar o famigerado ranking de confiabilidade. São, portanto, aspectos que não se coadunam.
O indutor básico da indústria é o recurso natural e, portanto, o indutor básico de toda uma economia. O setor de serviços – improdutivo – só pode se constituir a partir de transferências cuja riqueza é produzida somente a partir do setor primário e da atividade industrial. Sendo o Brasil possuidor de vasto recurso natural e hídrico, é inaceitável que sob qualquer aspecto seja considerado “país não confiável”.
O Emerging Markets Bond Index – Índice de Títulos da Dívida de Mercados Emergentes, criado em 1992 pelo banco norte americano JP Morgan, divulga o que se conhece como Risco Brasil, Risco País ou qualquer coisa que o valha. Então, resta lógico entender que o Risco Brasil é, na verdade, o reflexo do mercado de títulos da dívida nacional,
ou ainda, a capacidade do país em honrar seus compromissos, ou ainda, a capacidade do país em pagar sua dívida externa.
É, portanto, de inteira lucidez afirmar que é impossível promover o desenvolvimento como os governantes pretendem. O discurso político observado atualmente desencadeia certa onda falseada de esperança, porque insiste em apresentar investimentos, investimentos, investimentos . . .
Veja-se que se o problema fosse apenas de investimentos nas áreas prioritárias, então o problema já deveria se encontrar próximo à solução. A questão é que juntamente com esses investimentos, as causas dos problemas não cessam. Ao mesmo tempo em que o Estado Federal gasta aproximadamente 6 bilhões de reais em média ao ano em investimentos diversos, o fluxo imigratório para a região sudeste até o ano 2000 chegou perto de 1.600.000 pessoas. A demanda por bens e serviços na cidade de São Paulo, como em qualquer outra região metropolitana, cresce vertiginosamente e muito além da capacidade de investimento do Estado. Então, não é difícil entender porque os problemas vão sempre se agravando, somados ainda às causas apontadas. Deve-se notar que o mesmo fenômeno se dá nos países ricos, mas os investimentos são bem possíveis de se realizar, pelas razões já expostas sendo a principal a extrema vantagem auferida na participação do comércio internacional.
O déficit público aumenta sempre. As economias dos países ricos estão baseadas na importação de matérias-primas e alimentos a baixos preços do Terceiro Mundo. Os pobres, por sua vez, esforçam-se em participar do mercado internacional, exportando a preços baixos e, em muitos casos, com prejuízos incomensuráveis nas contas públicas. Certamente, nessa dinâmica, os países pobres recorrem a empréstimos internacionais e a investimentos estrangeiros de toda monta, o que vai “engordando” o déficit público que precisa ser financiado. Para este financiamento, o governo recorre aos bancos comerciais, bem como ao
aumento da arrecadação. Não pode haver, em momento algum, qualquer reforma tributária ou administrativa justamente porque tudo está amplamente comprometido na engrenagem do esforço exportador.
A dívida externa, que funciona como uma espécie de “imposto internacional”, serve exatamente para manter a continuidade do fluxo de exportações do Terceiro Mundo, exatamente porque estes necessitam das receitas oriundas dessas exportações para terem com o que honrar parte dos juros de seus compromissos junto às entidades financeiras internacionais. Estima-se que o total da dívida externa brasileira deverá chegar perto de 1 trilhão de dólares norte americanos em seu montante bruto (dívidas de curto, médio e longo prazos), em um prazo não superior a quinze anos, desde que mantidas as condições às quais o Brasil encontra-se submetido ao comércio internacional. É importante entender que a retórica desenvolvimentista do Terceiro Mundo jamais mudou – é exatamente igual desde a época do início de sua colonização ou intervenção externa. Algumas nuances de ordem administrativa mudaram, é claro, mas a base fundamental de formação de sua economia é exatamente a mesma.
Com a redução progressiva dos subsídios, certamente irá ocorrer um saneamento direto e crescente das finanças públicas. Estas, por sua vez, devem dar condição a todo o resto, uma vez que através das finanças gozando de saúde plena o país poderá alçar vagarosa, mas seguramente a condição de desenvolvimento interno baseado em sustentáculo seguro. Os recursos financeiros agora são próprios e, portanto, o país começa a entrar no reinvestimento; na capitalização contínua. Toda a inutilidade e desperdício que permeiam os equipamentos produzidos nos países ricos e já importados pelos pobres, podem aos poucos ser aproveitados, bem como a terra e a mão-de-obra ociosa.
Os recursos ociosos então, só podem ser aproveitados a partir do momento em que há condição de reinvestimento. O Brasil jamais tratou
de aproveitar esses recursos, porque depende do investimento estrangeiro, que só encontra lugar para a construção de rodovias, ferrovias, metrô e outras coisas que favoreçam direta ou indiretamente as exportações. Não é demais lembrar que num país de fome, o Brasil possui um dos portos mais modernos do mundo, o de Paranaguá. O investimento estrangeiro, aliás, só pode servir para isso, porque é necessária a garantia de retorno do país que toma o recurso emprestado. Assim, é mais fácil conseguir empréstimo externo para duplicar a rodovia Anchieta e facilitar o acesso de banhistas ao litoral paulista do que para a construção de escolas em periferias ou para o assentamento de famílias em terras aptas à produção. Sobre esse último ponto, é bom lembrar que as principais e melhores porções de terras no Brasil estão ocupadas com monoculturas de exportação ou para a produção de cana-de-açúcar. Com o retorno do pró-álcool, mais terras ainda foram ocupadas pelo governo a fim de cumprir as metas desse programa.
É bom lembrar que para produzir e exportar alimentos da forma como o Brasil faz, remonta-se à época da colonização.
Para produzir muito, há que se ocupar grande extensão de terra. As monoculturas de exportação destroem a terra, deixando-a pobre e quase inutilizada para uso em curto espaço de tempo. Fertilizantes e aditivos químicos já são utilizados em quantidades muito maiores para dar seqüência ao esforço exportador. A policultura, prática dos países ricos, jamais foi prática no Brasil. Com a fixação do homem à terra, tem-se as benesses de um país em estado de “ebulição” a um pleno desenvolvimento, tanto econômico quanto social. Foi assim no Japão, no Paraguai, nos Estados Unidos. A questão, entretanto, é dar espaço a isso porque o acesso a terra impõe policultura e, aos poucos, o país deixaria de produzir para o mercado internacional. Em um primeiro momento, o país produziria para suas necessidades internas. Atualmente, o mercado interno é suprido pelo pequeno e médio produtor, que são, no geral, desassistidos e enfrentam todo tipo de dificuldades. Ao contrário, as monoculturas de exportação, com o apoio do governo federal, a começar pelo baixo custo de aquisição da terra e pelos juros amplamente reduzidos, ocupam grandes áreas territoriais e trabalham firmemente para a exportação. Jamais haverá progresso num quadro assim.
Com a fixação do homem à terra, vamos acompanhar primeiramente a produção em pequena escala, o que gerará renda. Essa renda tenderá a ser crescente, primeiramente porque não há empréstimos a pagar e, em conseqüência, o comércio estará fomentado. No geral, a tendência é de aumento da renda real, rural. Com esse aumento, certamente haverá uma gradativa elevação no preço dos alimentos, o que deverá diminuir o consumo de bens industriais nos centros urbanos, mas deverá aumentá-lo sobremaneira no campo, onde a renda estará aumentando. Haverá, inequivocadamente, um equilíbrio gradativo na distribuição de renda no país, diminuição do crescimento urbano e também dos problemas já consolidados, como da marginalidade, da pressão localizada da demanda por bens e serviços, do desemprego, entre outros. O saneamento dos problemas urbanos como um todo, deverá certamente diminuir na mesma medida em que o acesso à terra for sendo facilitado, além de diminuir também, os enormes gastos a cargo do Estado, como a limpeza urbana, o tratamento de água e saneamento básico, além da energia que pode ir aos poucos sendo distribuída de forma mais equânime pela região metropolitana e nas regiões mais afastadas dos centros urbanos.
As transnacionais não ficarão sem espaço para atuar, mas entrarão em certo processo de nacionalização e de independência econômica e também tecnológica em relação a seus países de origem: a necessidade de continuar importando os dispendiosos bens produzidos nos países ricos deverá diminuir gradativamente, porque em paralelo, será preciso acompanhar aumento da renda como um todo no país. Ora, o aumento da renda real dá condição imediata a consumo que deverá também se intensificar, mas também dispara a iniciativa local porque é ilógico admitir que, com recursos naturais próprios e criatividade exacerbados no caso brasileiro, recorra-se à importação. O reinvestimento geral vai dando condição de progresso próprio, ainda mais se difundidos os problemas decorrentes do desperdício que passaram a ser a mola mestra do desenvolvimento econômico do ocidente; desenvolvimento esse baseado na mentira.
A produção de automóveis, máquinas e equipamentos, tão sufocada no passado, tenderá aos poucos a retomar sua trajetória normal, com iniciativa própria.
É natural que essa iniciativa tome proporções mais amplas: os países ricos deverão se ressentir das mudanças, tão logo comece a haver aumento da renda local. Com esse aumento, certamente o preço das exportações deverá também, aos poucos, aumentar, e não haverá espaço para o governo continuar a promoção dos subsídios, porque estes tenderão a chegar num ponto insustentável. Será mais fácil promover o aumento da renda local porque, assim, o país como um todo deverá participar do mercado internacional na condição de vantagem, o que historicamente nunca ocorreu. A questão, entretanto, está centrada nos países ricos, cuja adaptação deverá ganhar espaço imediato: os padrões de desperdício deverão cair e esses países terão de tomar a retórica desenvolvimentista sob outro prisma. À primeira vista, parece que isso é impossível e então se pode refletir assim: se os países ricos precisam dos pobres em recursos e mercados, que já estão ambos em fase de esgotamento, então é preciso assumir uma dinâmica diferente e que seja equilibrada social e ambientalmente, pois da forma como está, será impossível até para os países ricos manter suas posições de domínio atuais. Portanto, estamos entrando em um beco quase sem saída.
O aumento dos preços das exportações das matérias-primas exportadas pelo Terceiro Mundo não é apenas uma condição de melhora da renda mundial, mas também de preservação do meio ambiente. Recursos mais caros tendem a ser consumidos em menor escala.
Atualmente, com a voracidade desse inútil desenvolvimento industrial, o homem já está buscando recursos em regiões mais longínquas, com custos muito mais elevados e com graus de pureza muito mais baixos. Os Estados Unidos e boa parte dos países ricos já montaram bases de pesquisa para exploração de minérios até na Antártida !. O importante é sempre pensar que esse modelo de desenvolvimento não possui limite razoável para o que se concebe por crescimento e logicamente para a preservação das espécies e da qualidade de vida para as gerações futuras.
Nos centros urbanos, os índices de inflação são altos, justamente porque os preços dos bens e serviços são escassos, dado o crescente e desmesurado aumento da demanda. Ora, sabe-se que as pesquisas e o levantamento de preços para apuração dos índices inflacionários é realizada exatamente nos principais centros urbanos do país e isso acaba ditando uma inflação que não é real para todas as regiões do Brasil. Todavia, com o aumento gradativo de parte da população urbana convergindo ao retorno para a terra, deve-se verificar uma diminuição da pressão de demanda por esses bens e serviços, que não deverão ganhar alterações profundas, colaborando com o aumento da inflação. Ocorrerá, sim, sua queda, até atingir um nível satisfatório de equilíbrio entre demanda e oferta. Além disso, o Estado poderá se retirar aos poucos dos pesados investimentos nos setores estratégicos já mencionados, evitando o aumento do déficit público que, aliás, sempre se converte em aumento de custo de vida com a subida dos preços em geral e mais tributação. Os centros urbanos devem ir se “desafogando”. . .
O mercado interno começa a se recuperar em termos reais e não à base de transferências, o que provoca sempre amplos desequilíbrios de um lado, para promover o “progresso” do outro. O consumo moderno no Terceiro Mundo só é possível porque os governos preocupam-se em levar os bens e serviços necessários aos centros urbanos, sempre à base de pesados subsídios e transferências, o que poupa a renda do consumidor por um lado, mas favorece o consumo de bens industriais, por outro.
Assim, o “progresso” dos países pobres tem se resumido sempre a concentrar mais a renda, promover uma legião de miseráveis produzindo nas fábricas, sem nunca consumir o que produzem; produzindo a renda, mas sem ficar com ela. Só assim há espaço para o consumo industrial que fomenta a inevitável formação de monopólios e oligopólios. O perfil de desenvolvimento que se observa atualmente tem de ser revisto, mas em direção equilibrada. A não ser assim, caminha-se diretamente ao abismo, e aí sem qualquer chance de processo reverso. Já se está muito próximo disso, sobretudo por causa da fusão de gigantes líderes do mercado internacional e da presença arrasadora da China nos próximos anos que, em obediência ao Plano Qüinqüenal lançado pelo governo, determina que cerca de 250 milhões de chineses deverão somar-se ao setor produtivo da economia – isso é quase duas vezes e meia a população do Brasil, o que provocará violenta demanda por recursos naturais em todo o mundo, de maneira muito mais devastadora do que tem sido até agora.
Se a humanidade e os governos sérios pretendem realmente promover desenvolvimento equilibrado, que seja logo. Da maneira como está, aproxima-se um colapso sem precedentes. Não se pretende aqui esgotar o assunto, mas sim, apresentá-lo de forma sucinta, que faça o leitor refletir. A tecnologia não serve, como nunca serviu, para dirimir o problema abordado. Por exemplo, o Chile, primeiro produtor e exportador mundial de cobre, dá lugar aos poucos para a fibra ótica, que transmite energia com menos perdas e com custos de fabricação mais reduzidos. Entretanto, para produzir a fibra ótica, o Brasil exporta a sílica – matéria-prima essencial-, já em condições ruinosas. Não houve aí contribuição tecnológica para dirimir o problema – este segue sempre se agravando.
Considerações finais
Nenhum país pobre, em tempo algum, chegou a praticar os padrões de produção e consumo comparável a qualquer país rico, porque esses padrões não são generalizáveis, isto é, não podem ser levados a todas as regiões da Terra.
A tecnologia, que deveria servir principalmente para auxiliar o processo de reordenamento global em termos de comércio internacional, certamente está funcionando no sentido de agravá-lo. Tecnologia, produtividade e custos estão diretamente associados ao problema proposto e o surgimento de novas técnicas têm servido para acelerar o ritmo da exploração dos recursos naturais.
Não há que se falar em preservação do meio ambiente ou ecologia. O comércio internacional, ao longo de muitos séculos de existência, vem se desenvolvendo de maneira a alimentar os padrões de produção e de consumo das nações ricas. Esses padrões, que não são generalizáveis, sempre estiveram apoiados nos preços baixos – a condição precípua de funcionamento dessas economias ricas. Para exportar a preços baixos, então, os países pobres esforçam-se para compensar as perdas monetárias resultantes da própria atividade, comprimindo salários, contraindo empréstimos, tributando muito, como também, em boa medida, para adquirir receitas e ter com o que pagar os compromissos internacionais. A razão pela qual a economia dos países ricos depende fundamentalmente da importação de matérias-primas do Terceiro Mundo a baixos preços está diretamente associada ao grau de desenvolvimento que se iniciou muito além das disponibilidades locais de recursos. Isso sempre foi um grave erro.
Supor que não é possível haver desenvolvimento sem transferências é um grande erro. Promover as transferências para alimentar o desenvolvimento é um erro mais grave ainda, porque para que isso ocorra haverá sempre a depauperação, a descapitalização contínua de um lado, para alimentar e capitalizar o outro. Nesse ínterim,
supor que a tecnologia transferida dos países ricos para o Terceiro Mundo possa um dia auxiliá-los em algo, é o mesmo que crer que o Brasil possa um dia alçar padrões sóbrios social e ambientalmente ou ainda copiar os mesmos padrões do Primeiro Mundo. O tempo passa e se vê a inevitável queda do padrão sócio-econômico nacional e de todo o Terceiro Mundo.
Padronizar tecnologia nunca foi o adequado. A tecnologia, sendo o passo seguinte da técnica, surge para atender as necessidades locais e assim é. Ao se importar tecnologia, assina-se o atestado de eterna dependência e submissão aos países ricos. Em primeiro lugar, porque geralmente se necessita de técnicos especializados para promover a manutenção desses equipamentos; em segundo, porque também geralmente financiados, custam muito ao erário. As importações são feitas quase sempre sem terminar de saldar as dívidas adquiridas decorrentes da aquisição dos equipamentos anteriores. Além disso, esses equipamentos, como são dimensionados para os amplos mercados dos países ricos, são completamente inadequados para o Brasil, sobretudo porque utilizam pouca mão-de-obra e também porque são grandes consumidores de matérias-primas. Pelo fato de ser o Brasil, um país com enorme desemprego de mão de obra e exportador de matérias-primas, não custa entender que a quase totalidade dos equipamentos tecnológicos importados trabalham com ociosidade; jamais funcionam com cem por cento de suas capacidades. Nos países ricos, como exposto, o desemprego formal causado pela tecnologia é praticamente todo absorvido pelo setor de serviços, o que não pode se copiar aqui. O desemprego no Brasil é aparente porque jamais o Estado pôde dispor de verbas necessárias para inchar o setor de serviços, principalmente para absorver toda a massa de desempregados oriundos da importação tecnológica e também do movimento migratório interno e externo.
Ou os preços das matérias primas e alimentos no mercado internacional mudam, no sentido de preservar os recursos e a terra fértil
que ainda restam, ou acompanharemos o aumento gradativo de dificuldades inerentes a essa dinâmica. Para ricos e pobres.
Referências bibliográficas
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