LITERATURA FANTÁSTICA

Por MANOEL NILSON DE LIMA | 13/01/2011 | Educação

LITERATURA FANTÁSTICA



Manoel Nilson de Lima
Graduado em Letras com Habilitação em Língua Inglesa e Respectivas Literaturas. Especialista em Lingüística Aplicada, ambos pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte ? UERN. E-mail: larryrct@hotmail.com.



RESUMO
Neste trabalho discutiremos o fantástico, ou seja, buscaremos compreender a Literatura Fantástica, e pensar nesse gênero como algo que é criado pela imaginação do leitor unido ao mundo da personagem, criando dessa forma uma hesitação diante da ambiguidade entre o que seja real ou imaginário no mundo das personagens.

PALAVRAS-CHAVES: literatura fantástica, leitor, personagem.


ABSTRACT
In this paper we discuss the fantastic, as well as to understand the great literature, and think this genre as something that is created by the imagination of the reader attached to the world of the character, thus creating a hesitation in the face of ambiguity between what is real or imaginary in world of the characters.

KEY WORDS: fantasy literature, reader, character.



LITERATURA FANTÁSTICA



O próprio universo nos deixa lacunas a serem preenchidas no que diz respeito ao seu surgimento, e os seres que nele habitam. Nessa perspectiva, há quem defenda que o tempo é um eterno retorno, e por isso não se pode afirmar que este mundo é real, e sim, um simulacro, uma máscara. Na tentativa de entendermos o mundo fantástico, também encontramos diversas lacunas a serem preenchidas, afinal o que é o real ou o imaginário? Será que estamos fadados a essa dicotomia?

E nessa busca pela compreensão da Literatura Fantástica, podemos pensar nesse gênero como algo que é criado pela imaginação, o que não existe na realidade, o imaginário, o fabuloso, e essa talvez não seja uma definição, nem tão pouco a mais completa, pois, para alguns críticos literários, essa tentativa do senso comum em definir a literatura fantástica é muito ampla e pode ser aplicada a toda literatura em geral, por considerarem o universo ficcional oriundo de imaginação e composto por uma realidade virtual. Para tanto, é que buscamos as definições da literatura fantástica pelos mais celebres escritores e teóricos desse gênero. Gravina contribui significativamente, pois para ele:

O fantástico seria, então, segundo a conclusão de Poe, um efeito final de ruptura com a realidade, refletindo em uma inquietação por parte do leitor na medida em que sai do cotidiano, inquietação essa que ocasiona experiência de medo. (GRAVINA, 2009, p. 28).

Com base na citação acima, podemos constatar a partir de nossas experiências que tudo que foge de nossa realidade, nos ocasiona inquietação e medo, e proporciona de fato uma ruptura com a realidade, e essa ruptura causa um desequilíbrio da noção do que seja real ou imaginário. Bossi (apud GRAVINA) considera a interpretação do fantástico como algo que:

É possível interpretar ...., como a quebra do "ritmo do cotidiano", do "realismo verbal sóbrio" e do "sistema narrativo bastante veraz", que estariam ligados a uma construção narrativa ou "estrutura profunda" montada para causar surpresa e estranhamento ao leitor. (GRAVINA, 2009, p. 17).

Sobre esse assunto Tolkien (2006, p. 62) diz que:

A Fantasia é uma atividade humana natural. Certamente ela não destrói, muito menos insulta a razão; e não abrande o apetite pela verdade científica nem obscurece a percepção dela. Ao contrário. Quanto mais aguçada e clara for à razão, melhor fantasia produzirá. (TOLKIEN, 2006, P. 62).

Essa definição de Tolkien também não deve ser caracterizada como a melhor representação da Literatura Fantástica, uma vez que Todorov (1979, p. 148) considera que "o fantástico é a hesitação experimentada por um ser que não conhece as leis naturais, diante de um acontecimento aparentemente sobrenatural". Nessa perspectiva entramos no mundo do fantástico através da hesitação do natural e do sobrenatural, e não apenas através de uma simples atividade humana.

A definição de Tolkien não considera o sobrenatural, porém, fica evidente a co-responsabilidade do homem na criação do sobrenatural, o que caracteriza indiretamente a produção de ilusão a partir das vontades e propósitos independentes da mente dos homens, que:

Muitas vezes dize-se que as fadas (em verdade ou mentira, não sei) produzem ilusões, que enganam os homens com "fantasia", mas é um assunto bem diferente. É problemas delas. Seja como for, tais trapaças acontecem no interior de narrativas em que as próprias fadas não são ilusões. Por trás da fantasia existem vontade e poderes reais, independentes da mente e dos propósitos dos homens. (TOLKIEN, 2006, p. 20).

Assim é no interior das narrativas que surgem à hesitação, e tal hesitação inerente ao Fantástico corresponde ao diálogo inconcluso entre o racional e o não racional, a ambiguidade entre o natural e o sobrenatural, levando o leitor de fato a se envolver no mundo da fantasia, ou seja, ele interage com o mundo das personagens, pois, segundo Todorov (1979) há uma interação do leitor com as personagens que é definida pela percepção ambígua que o leitor tem dos acontecimentos narrados e assim, somos conduzidos a um outro mundo, e que não pode ser explicado pelas leis deste mundo familiar, nem pelas leis da natureza. Ao sair do mundo das personagens, o leitor volta ao seu lugar natural. É o que Todorov (1979, p. 151) chama de "ameaça ao fantástico", pois o leitor se situa no nível da interpretação do texto e pode não mais se sentir como parte desse mundo de fantasia.

O Fantástico em discussão: é ou não um gênero da literatura?

Há na verdade uma discussão entre os críticos das teorias literárias acerca do Fantástico enquanto um gênero e, Frye (apud GRAVINA, 2009) pensando nisso, monta quatro ensaios que contêm estruturas capazes de classificar um texto literário, esses ensaios servirão para demonstrar o quão é possível o fantástico na literatura.

O primeiro ensaio, a Teoria dos Modos, é dividido em dois tipos: modos ficcionais e modos temáticos. Os chamados "modos ficcionais" constituem as narrativas, que se dividem nas "narrativas trágicas", na qual o herói termina a historia isolado da sociedade, e nas cômicas, em que o herói é incorporado em uma sociedade ou tem um final feliz. Os modos temáticos, Frey considera como os não narrativos, e incluiria a poesia lírica, o ensaio, a sátira etc.
O segundo ensaio, a Teoria dos Símbolos, divide as metáforas e símbolos em cinco fases: a anagógica, que é dotada de identidade e o símbolo se torna sentido universal; a arquetípica, o símbolo se torna arquétipo e o individual se torna representação de uma classe; a formal, aqui o símbolo passa a corresponder a uma imagem de mesma relação entre si; a descritiva, o símbolo é semelhante a algo ou análogo; a literal, nessa última fase, o símbolo é justaposto, sendo o símbolo um sinal de algo.

O terceiro ensaio, a Teoria dos Mitos, caracteriza na literatura duas formas ideais e unitárias sem movimento: a forma apocalíptica e a forma demoníaca. Sendo esta a realidade contraria ao desejo humano, com imagens infernais, desejo cobiçoso, dos pesadelos ou do trabalho inútil. E aquela, está relacionada diretamente às imagens paradisíacas e unitárias construídas pela imaginação do homem.

E o quarto ensaio, a Teoria dos Gêneros, divide a Literatura em quatro tipos principais, a escolha de uma escrita pessoal ou intelectual, e introvertida ou extrovertida. Os Gêneros pessoais são: o romance, introvertido; e a novel, extrovertido; os intelectuais seriam as Autobiografias, introvertida; e a Sátira Manipéia, extrovertida.

Afinal o que é Gênero? A resposta mais plausível é a definição de Aristóteles segundo a interpretação de Gravina ao dizer que:

Aristóteles define gênero como aquilo que abarca diferenças e depois reforça essa definição na idéia de que as diferenças máximas se encontram entre uma dupla de contrários. Um gênero, portanto, seria algo que abarca dois contrários e todos os seus elementos, escalas ou espécies intermediarias, de maneira a permitir compreensão e organização de todas as diferentes qualidades de natureza semelhante dentro de uma só ordem de contrariedade. (GRAVINA, p. 35, 2009).

E dentro desse gênero literário, Todorov (1979) diz que para o fantástico se completar, é necessário que três condições sejam preenchidas, quais sejam: em primeiro lugar, é necessário que o texto leve o leitor a considerar o mundo das personagens como um mundo de pessoas vivas e a hesitar entre o natural e o sobrenatural da narrativa. Em segundo lugar, essa hesitação deve ser igualmente sentida também por uma personagem, ou seja, aqui há uma interação de hesitação entre a personagem e o leitor; e por último, é relevante que o leitor adote certa atitude com relação ao texto, no que diz respeito a sua interpretação, seja alegórica ou poética, ou seja, os fatos devem e não devem ser interpretados como são, pois, de acordo com Todorov (1979) o Gênero Fantástico dura apenas o tempo de uma hesitação. Essa hesitação, segundo os críticos, é comum ao leitor e a personagem, porém tem sua duração restrita ao momento da narração do fato. A hesitação não só da personagem, como também do leitor é a condição primeira do fantástico.

Todorov (1979) apresenta como variedade do fantástico a hesitação que se situa entre o real e o imaginário. Na hesitação do real, duvida-se não dos acontecimentos, mas que nossa percepção tenha sido exata. E na hesitação do imaginário, duvidamos se o que acreditávamos ver não era de fato um fruto da imaginação, pois:

O que acontece de fato é que o criador da narrativa demonstra ser um "subcriador" bem sucedido. Ele concebe um Mundo secundário no qual nossa mente pode entrar. Dentro dele, o que ele relata é "verdade": está de acordo com as leis daquele mundo. Portanto, acreditamos enquanto estamos, por assim dizer, do lado de dentro. No momento em que surge a incredulidade, o encanto se rompe; a magia, ou melhor a arte, fracassou. Então estamos outra vez no Mundo Primário, olhando de fora o pequeno Mundo Secundário malsucedido. (Tolkien, 2006, p. 44).

Podemos fazer aqui um paralelo da hesitação do real e do imaginário argumentado por Todorov com o Mundo Secundário e o Mundo Primário apresentado por Tolkien. No curto tempo de hesitação há duvidas sobre os fatos ali narrados e, nos Mundos Secundários e Primários, questionamos a verdade dos fatos, confirmando assim o entrelace das ideologias desses autores sobre o fantástico/fantasia.

Como forma de melhor compreender o Fantástico, Todorov subdivide a reação ao fantástico diante do sobrenatural em "função literária" e "função social". A função social está diretamente ligada a temas sobrenaturais, como por exemplo, o incesto, o amor homossexual, necrofilia, dentre outros. Desse modo, temos a impressão de que a função social está voltada para temas proibidos e para tanto, fica mais fácil livrar-se dessa responsabilidade atribuindo esses tabus ao diabo. Além disso, a função social ainda está envolvida com aparições sobrenaturais ligadas ao mundo da psicose e da droga, e como forma de evitar à condenação daqueles que a sociedade lança sobre a loucura, há um estreitamento entre o encarcerado (usuário de drogas) e aquele que cumpre sua prisão em uma casa de saúde.
A função literária liga os autores que cultivam o sobrenatural aos que, na obra, se preocupam particularmente com o desenvolvimento da ação, ou seja, os que contam histórias. Por exemplo, os contos de fadas, a Odisséia, Decameron, dentre outros.

Como forma de melhor situar o fantástico, Todorov (1979, p. 156) analisa os dois vizinhos desse gênero, o estranho e o maravilhoso, a partir do seguinte diagrama:

Estranho
puro Fantástico
estanho Fantástico ?maravilhoso Maravilhoso
puro

Na verdade o que nos interessa é apenas os retângulos centrais do diagrama acima (fantástico estanho e fantástico maravilhoso), pois são eles que mantêm por mais tempo a hesitação fantástica, e os vizinhos são apenas os domínios entre as fronteiras que servirão para o exame feito por Todorov para explicar a transição subgêneros entre o fantástico e o estranho e entre o fantástico e o maravilhoso. De forma mais clara poderíamos reduzir o diagramara da seguinte forma:


Estranho
puro Fantástico
(fantástico-estranho / fantástico-maravilhoso)
Maravilhoso
puro

No fantástico estranho, os acontecimentos que parecem sobrenaturais durante a história recebem ao final uma explicação racional, ou seja, o fantástico estranho se realiza plenamente apenas no fantástico, apesar de beber um pouco do estranho puro, mas é exatamente isso o que define como tal.

Já o fantástico maravilhoso, é denominado "fantasia", e suas narrativas se apresentam como fantásticas e terminam no sobrenatural, o que de certa forma o aproxima muito do fantástico puro. O estranho puro se caracteriza pela explicação do sobrenatural através das leis da razão, e aqui não cabe o insólito, pois o mesmo causaria um desequilíbrio entre a realidade e o sobrenatural.

O maravilhoso, por incrível que pareça se caracteriza por não apresentar qualquer reação no leitor e na personagem que os levem a duvidar do real e do imaginário, ou seja, os elementos insólitos estão inseridos em um universo em que tudo é possível.

Contudo, para Todorov (1979, p. 166) a literatura fantástica nos deixa em mãos duas noções, a da realidade e a da literatura, tão insatisfatórias uma como a outra. Ao passo que o campo literário é tão vasto quanto complexo e a realidade é algo subjetivo para uns e concreto pra outros, ou seja, o que é real para um pode não ser para o outro.


REFERÊNCIAS

1. José Borges e a narrativa fantástica. Disponível em <http://www.hispanista.com.br/revista/Borges%20%20fant%C3%A1stico.pdf.> Acesso em 12 de agosto de 2009.

2. IN BONNICI, Thomas. ZOLINI, lúcia Osana. (Org.). Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. Maringá: Eduem, 2003.
3. RANDAL, Jhnson. Literatura e cinema. Macunaíma: do modernismo na literatura ao cinema novo. Queiroz editora. São Paulo, 1982.
4. RIBEIRO, E. M. A relação cinema-literatura na construção da simbologia do anel na obra o senhor dos anéis: uma análise intersemiótica. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Lingüística Aplicada do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, 2007.

5. TODOROV, Tzvetan. As estruturas narrativas. Ed. Perspectiva. São Paulo. 1979.

6. TOLKIEN, J.R.R. Sobre historias de fadas. Trad. Ronald Kymse. São Paulo: Conrad Editora do Brail, 2006.