LITERATURA DE CORDEL INTERDISCIPLINAR MODERNO - Wallas Cabral de Souza
Por wallas cabral de souza | 13/03/2017 | Educação
LITERATURA DE CORDEL INTERDISCIPLINAR MODERNO
AUTOR – Wallas Cabral
13.3.2017
INTRODUÇÃO
Ao longo do tempo, a comunicação humana tem utilizado formas diferenciadas para compreensão, interpretação, historiografia e descrição da sua tradição. Hjelmslev já no seu “Prolegômenos para uma teoria da linguagem” inicia mostrando a importância e abrangência da linguagem. E quando ela é exposta no uso da fala, signos são considerados, assim como mais um processo: a enunciação. Fatores linguístico-semiótico-pragmático, porém, vem à tona quando consideramos os gêneros textuais, os quais se destaca aqui o gênero de literatura de cordel, mas numa óptica pontuada no seu aspecto mais interativo às tendências multimidiáticas e interdisciplinar, criando assim, mais uma proposta de gênero: literatura de cordel interdisciplinar moderno.
DEFINIÇÃO
DE ACORDO COM O DICIONÁRIO ON-LINE, “Literatura de cordel também conhecida no Brasil como folheto, é um gênero literário popular escrito frequentemente na forma rimada, originado em relatos orais e depois impresso em folhetos.”. Essa definição, por si só, não elucida, claro, com a abrangência científica o que infere-se a parte do tema proposto neste artigo, mas dá algumas chaves no ponto de vista prático e didático para esclarecer o início de uma proposta de mais um gênero textual: “CORDEL INTERDISCIPLINAR MODERNO” que é uma forma de literatura de cordel, pelo âmbito do conteúdo e linguístico, mais a musicalidade sem padrões de métricas definidos.
PROCESSO INTERDISCIPLINAR
De forma genérica pontua-se como “Inter” = entre, “disciplina” = conjunto de conteúdo de uma área de conhecimento. Cada universo conteudista de uma área, assim, deve estar não só alinhado como integrado com outras. Entende-se aqui a integração não como sinônimo de inclusão. São coisas absolutamente distintas, mas não simples de compreender. Com a licença do resumo, pontuo que “incluir” é estar junto num roteiro que se deseja expressar, mas ainda com as suas fronteiras totalmente delimitadas; já “integrar” é ser aceito em um conteúdo de forma tão misturada que o valor de sentido daquela área de conhecimento não pode ser separada de outro conteúdo, mas sim mesclado como um reforço potente para o sentido do signo textual como um todo.
Assim, fazer um projeto interdisciplinar precisa considerar se ele está misturado ao conteúdo ou se é possível percebermos que há um limite claro separando-o dos demais assuntos. Logo, ter assuntos de áreas diferentes juntos não quer dizer que é interdisciplinaridade. É preciso uma integração e isso não é uma tarefa simples. Exige uma abertura de áreas muito intensa a fim de haver uma intersecção.
LITERATURA DE CORDEL TRADICIONAL, INTERDISCIPLINARIDADE E TENDÊNCIA MODERNA
A Literatura de cordel tradicional tem uma forma rimada em métricas que variam de acordo com a contagem de sílabas. Além disso, caracteriza-se pela forma informal com que a linguagem é expressada, somadas a xilogravura (desenhos manuais ilustrativos), enredo simples, popular e com temas envolvendo costumes e tradições. Especialmente o povo nordestino teve nesse tipo de literatura uma forma de resgatar seu modo de viver e ser, pontuando a essência tradicional nordestina. Essa é uma proposta assertiva sobre a literatura de cordel propriamente dita, inclusive com a sua nomenclatura cordel” que era feito “folhetos” pendurados em cordas em varais.
Contudo, algo deve também ser considerado quanto a esse gênero. A musicalidade, as rimas, o enredo popular, a expressão oral; todos esses elementos não são novos e não há um padrão para uma só região. Desde a literatura ser formalizada, com o seu uso convencional “letra” (daí a palavra “literatura”) que faz com que por meio da letra houvesse uma produção artística de um momento vivido, a essência da atual nomenclatura “literatura de cordel passou pelas cantigas do trovadorismo e que seguem até hoje.
Na contemporaneidade, a literatura concretista já faz uso da quebra de tradições, mexendo inclusive com a gravura da própria forma de escrever em detrimento do seu conteúdo. Ou seja, a forma da palavra, por exemplo, também já expressa mais um reforço a ideia do seu significado. Nesse sentido, Hjelmslev na “Teoria da linguagem” já assinalava a presença da “forma” e “substância” tanto para o campo da expressão: física/concreta (significante), como para o campo do conteúdo: significado. Esses dois pontos (chamado de dicotomia) era inspirada na teoria linguística do francês Ferdinand Saussure, mas que teve uma dinâmica mais funcional por apresentar uma linguagem com sentido na sua dinâmica. Resumindo, a língua é dinâmica pela sua própria formação em uso e nenhuma tradição pode impor a anulação dessa tendência. Contudo, ao mesmo tempo que isso possa ser verdadeiro, a dinâmica da língua não pode abortar a história e tradição já existente de um povo, pelo menos até agora isso não te sido a tendência dessa linguagem, e por isso mesmo, não se substitui, aqui, como proposta, um gênero, mas sim, a inclusão de um novo gênero partindo da literatura de cordel, mas numa roupagem mais atual e por isso “moderna”.
Com relação a modernidade dessa literatura de cordel, possivelmente haja problemas, pois também não é uma tarefa fácil dizer o que é moderno. Talvez haja uma outra forma de pontuar essa nomenclatura, mas entenda aqui o moderno” com um teor de atualizado, o que não poderia ser possivelmente “contemporâneo”, pois não é um fenômeno que já existe, mas sim, adaptado ao que há. E nesse aspecto moderno está contido o instante e as tendências atuais tais como o uso da informática, sonoplastia (em que pese o valor metodoógico), mais as rimas livres, sem métricas definidas, adaptando uma nova realidade popular; enredo cotidiano mais usual na comunidade social contemporânea; e a inclinação para as tendências interdisciplinar, multidisciplinar e até transdisciplinar que um gênero pode, e deve, abarcar em sua atualidade pelo dinamismo, praticidade e profundidade semântica para uma linguagem mais clara na comunicação humana.
O processo da interdisciplinaridade, somada com a tendência contemporânea multimidiática, em que pese o fator da língua em uso e na diversidade da condução do uso da linguagem, mais a necessidade de atualização da vivência moderna de uma sociedade sem interferências formais, é que traz a literatura de “Cordel Interdisciplinar Moderna”.
ASPECTO LINGUÍSTICO-ESTILÍSTICO-SEMÂNTICO-PRAGMÁTICO: PARÂMETROS E DELIMITAÇÕES
A literatura de cordel interdisciplinar moderna, tem estratégias linguísticas bem pontuadas. As palavras enfatizadas na oralidade, tanto no seu tom como na sua repetição; a fonética, incluindo a estilística fônica; a escolha dos sotaques no âmbito regional e situações de assuntos junto a frases incorporadas no enredo de acordo com o tipo de disciplinas envolvidas entre si, são exemplos que ilustram fatores estruturais da linguagem.
A isso, soma-se o sentido das expressões faladas, semântica, e a intenção das colocações fonéticas, das palavras e da ligação entre as palavras, campo da sintaxe. Lembrando que no aspecto da enunciação, em que se projeta um enredo, uma palavra, um conjunto de expressão, diante da expectativa do outro, um teor de intenções são estruturadas modificando cada vez mais o que seria previsível num cordel tradicional como o tempo das falas, das rimas e da possível progressão temática.
Esse tipo de proposta de gênero necessita de musicalidade dentro do enredo, pois há rimas estratégicas e repetições para enfatizar palavras entre as cenas propostas no enredo. Não é um musical, pois se delimita dentro de um parâmetro não cantado, mas sim falado, com pausas estratégicas para efeito das falas e do que se propõe no relato. Além disso, a sonoplastia variada ao momento da fala não obedece uma ordem linear, tanto de ritmos como de letra, às vezes, e muitas vezes, sem letra. A música aqui é uma ferramenta de momentos da exposição oral que por sua vez está em função do enredo que é a base e a “notocorda” do gênero.
A base da estrutura cênica do musical é uma narrativa apoiada em composições musicais, que irão acompanhar o diálogo. O gênero aqui exposto parece obedecer ao sentido oposto: é a música diversificada (não linear) apoiada na proposta de uma oratória com suas variantes e tons de acordo com a necessidade do enredo. Então, esse tipo de literatura de cordel koderno e interdisciplinar provoca a mudança da sonoplastia a todo instante, mas não abandona a necessidade linguística de expressão ao momento de uma situação conhecidamente popular (incluindo as variantes socioculturais e regionais)
Há também, nessa proposta de gênero, narrativas com subjetividades dependendo do tipo de disciplina a ser integrada, como filosofia; e às vezes mais objetivas como geografia, matemática; e, por esse fator interdisciplinar, mais a musicalidade envolvida, mais momentos rimados para efeito de sentido das palavras durante o enredo, faz com que ele não seja uma crônica.
VALORES AGREGADOS
A análise de uma literatura de cordel interdisciplinar moderno promove uma quebra conceitual, conteudista e formal da literatura de cordel tradicional. Talvez a distância entre os dois seja muito mais do que se imagina. E pela tendência do aspecto moderno aqui explicitado, provavelmente eles não se encontrem no futuro. Mas alguns apontamentos devem ser observados: é uma forma de expressar algo do cotidiano; promove a interdisciplinaridade não só de forma inclusiva, mas integrada; preocupa-se com fortes tendências linguísticas que não seja apenas a rima e versos em métricas definidos, ou seja, reforça a semântica e pragmática (enunciação) das palavras, frases e fonemas de forma a dar mais significado combinado durante o enredo; é musicalizado de forma diversificada e bastante recortada em função dos valores linguísticos; produz uma adequação mais para a informalidade, mesmo que haja formalidade técnica; produz livremente a abertura para a variante linguística técnica (daí a interdisciplinaridade), sociocultural e regional (mantendo e registrando seus valores); promove a abertura para o uso e criatividade tecnológicos: multimídia, sonoplastia (ou acompanhados com gestos), ambientação, cenário em vídeo e informática (lousa digital, datashowpor exemplo). Em síntese, o progresso cultural e cognitivo são valores mais motivadores para a produção do enredo que aí fornece uma ponte e é um pretexto para adição de mais conhecimento com sentido contextualizado. Isso faz com que a criatividade docente, por exemplo, na escola e extra ambiente escolar, possa considerar uma nova forma, inclusive, para ferramenta de aprendizado.
ILUSTRAÇÃO DO PROCESSO DA LITERATURA DE CORDEL INTERDISCIPLINAR MODERNO
LITERATURA DE CORDEL – Wallas Cabral Roteiro básico ilustrativo
AMOR PRAIANO, ILUSÃO DE VERÃO
Toca-se uma música calma de fundo - (GEOGRAFIA) EM UM MOMENTO CALMO, À LUZ DA LUA MIGUANTE, NO LITORAL SUL DO RIO GRANDE DO NORTE, NA BRISA DO MAR CALMO, COM VENTOS ELÍSEOS (UM VERDADEIRO VENTILADOR NATURAL NA COSTA DO BRASIL... ALI COMEÇA A SER MARCADA, A GRANDE SACADA, DE UMA DOCE ILUSÃO.
Repete a palavra “ILUSÃO” com um tom sério e muda para um fundo musical em piano sem voz, com estilo “terror” - (LINGUÍSTICA GRAMÁTICO-LEXICO-VARIACIONISTA) “ILUSÃO”: Palavra forte para ser explicada, vocábulo incrível para ser entendido. Chamemos então Einstein. Abre aspas para o homi (voz grossa com ênfase no hooomi) diza einstein “A distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão teimosamente persistente”. E teima quem é insistente diante de um amor prevalecente.
Muda-se a música para um violino de uma música conhecida - (LITERATURA) (Recita um texto poemático)
Um passeio no mar e ele me viu. Estava triste quando ele chegou. Fiquei chorando quando ele partiu.
O MAR ERA TESTEMUNHA DA SOLIDÃO QUE ME TOCOU.
Foram momentos, foram conversas jogadas, foram promessas levadas e marcas deixadas.
O MAR LEVOU. O VENTO SOPROU.
Repete a palavra MAR com alguns improvisos e começa uma orquestra baixa para vir uma reflexão - (FILOSOFIA - REFLEXÃO) Quem sou eu além daquele que fui?
Perdido entre florestas e sombras de ilusão
Guiado por pequenos passos invisíveis de amor
Jogado aos chutes pelo ódio do opressor
Salvo pelas mãos delicadas de anjos
Reerguido, mais forte, redimido,
Anjos salvei
Por justiça lutei
E o amor novamente busquei...mas não segurei.
A LUA ESTAVA PARTIDA, NÃO ERA MAIS CHEIA!
Quebra-se o som calmo e segue um som de melodia mais ritmada - (LINGUÍSTICA HISTÓRICA E ESTILÍSTICA) AMIGO, MEU AMOR ERA CHILENO E MEU PROBLEMA AMERICANO. O MEU AMOR ME DIZIA “MI AMOR ES MI VIDA” E O MEU PROBLEMA ACRESCENTAVA “I HAVE OTHER LOVES” (TENHO OUTROS AMORES) GOSTAVA DE QUEM NÃO ME QUERIA E NÃO QUERIA QUEM ME AMAVA.
Volta-se a uma melodia doce orquestrada - (HISTÓRIA) (VOZ DE LOCUTOR EM DOCUMENTÁRIO DE DETETIVE) Shakespeare também amou e poderia escrever mais um romance. Na época Escreveu e a sua glória acendeu...a sua última peça foi A Tempestade. (ASSOCIA-SE A TEMPESTADE COM OS VENTOS ELÍSEOS NO INÍCIO DO ESBOÇO E ENFATIZA O PROCESSO DE FORMA LIVRE) terminada somente em 1613 repercutia em 2017 AQUI NO LITORAL DE UMA PRAIA SOLITÁRIA. Tempestade de lembranças, tempestade de sonhos e tempestade de saudade. De lá pra cá poderia registrar um romance entre um coração norte RIO GRANDENSE que também não teve seu fim feliz. O CHILENO ERA APRESSADO E O AMERICANO INSENSÍVEL.
Muda-se a melodia com estilo andino, pois como um chileno estava envolvido no enredo, a presença de uma radução espanhola vem à tona também com essa melodia - (ESPANHOL COM TRADUÇÃO NO FUNDO POR OUTRA PESSOA A CADA TRAÇO GRIFADO) A PRAIA NÃO ERA A MESMA E A LUA NÃO ESTAVA CHEIA. (La playa no era el mismo y la luna no estaba lleno) AS ONDAS (las olas ) PARECIAM SE ACALMAR COM A EXPECTATIVA DE UM DESTINO. (SI parecía tranquilo con la expectativa de un DESTINO)). FOI NA PRAIA (Que era la playa) QUE O AMOR CONHECEU O SENTIDO DA ILUSÃO NO SEU PASSADO. (EL AMOR CONOCÍA EL SIGNIFICADO DE LA ILUSIÓN EN SU PASADO) UM ROMANCE LATINO-AMARICANO-POTIGUAR QUE SÓ DUROU EQUANTO HOUVE SORRISOS E PROMESSAS NA IMAGINAÇÃO. (Un romance latino AMARICANO-Potiguar que sólo duró EQUANTO era una ilusión) ERA UMA VEZ, À LUZ DA TEMPESTADE DE Shakespeare, (PROFESSOR DE HISTÓRIA)UM ROMANCE DE VERÃO (PROFESSOR DE LITERATURA)NO LITORAL DO RIO GRANDE DO NORTE (PROFESSOR DE GEOGRAFIA)ALGUÉM QUE ME VIA E DESVIAVA E OUTRO QUE ME AMAVA E EU NÃO VIA (PROFESSOR DE GRAMÁTICA)UM AMOR RÁPIDO, (PROFESSOR DE ESPANHOL)UMA PAIXÃO DANADA QUE NÃO PASSOU DE UM VENTO FORTE ((PROFESSOR DE INGLÊS) AMOR PRAIANO, ILUSÃO DE VERÃO! (TODOS) – toca-se a música em inglês com alguém fazendo uma tradução simultânea. E no final diz, “esse foi um amor rápido, num instante incrível, este é um amor praiano, uma ilusão de verão”.
I would give everything I own
Give up my life, my heart, my home
I would give everything I own
Just to have you back again
(BOY GEORGE - Everything I Own)
Eu daria tudo que tenho
abriria mão da minha vida, meu coração, meu lar
Eu daria tudo que tenho
Simplesmente para ter você de volta novamente
Depois deixa uma música de fundo e começa a falar palavras de improviso com versificação livre mas que termine com algum foco temático ou reflexivo.
CONCLUSÃO
Este é apenas um esboço de uma proposta que pode ultrapassar limites e oferecer aspectos didático-metodológicos muito além de formas padronizadas e às vezes distante da realidade do aluno contemporâneo. E um estilo que não se limita, pelo contrário, expande a criatividade dentro de um foco temático abarcando outros temas afins e aparentemente distintos.
É um estilo que aproxima, de forma linguística, a teoria e a prática pedagógica; dá ao docente meios para interação entre o seu corpo discente e até a comunidade escolar, expandindo o conhecimento com uma forma de fazer o conhecimento usando tecnologia humana e também artificial. E não é assim que deve ser? O corpo discente ter significado a cada teoria apresentada.
Aqui há uma proposta de quebra de tradições mas não para eliminar a tradição cultural, e sim, acrescentar um novo modelo para adquirir conhecimento não de forma superficial, mas com o seu significado prático em ações criativas de uma linguagem própria e acessível.
Os conceitos aqui foram focados para a interdisciplinaridade, mas a multidisciplinaridade e assuntos adjacentes que podem ser tradados juntos a eles como temas transversais e seus valores de cidadania; tudo isso pode ser explorado nesse cordel moderno, atual e com significado ao entendimento do conhecimento curricular e extracurricular. Temos, assim, um paradigma sugestivo para aproximar teoria e prática do conhecimento pedagógico e conhecimento curricular, diminuindo com simplicidade aquilo que se diz com aquilo que se faz como já pontuava Paulo freire; e dando mais significado aos conceitos das disciplinas escolares como já denunciava o linguista Rodolfo Ilari. A linguagem humana que Hjelmslev menciona é mais do que reconhecimento de código, é uma forma de viver o conhecimento com as suas mais diversificadas facetas. Adaptamo-la ao que hoje a literatura escrita e oral modernamente pode estar diante de nós.