Linguagem e Ambiente Organizacional

Por Daniela Souza | 05/05/2017 | Filosofia

Segundo Wittgenstein (2009), os limites da linguagem de um indivíduo fornecem uma dimensão dos limites do seu próprio mundo. A própria estrutura lógica da linguagem tem que se ajustar à estrutura do mundo e dos fatos que se impõem apriori e assim, ganhar sentido. Esta proposição implica que qualquer conhecimento sobre algum objeto somente poderá ser feito nos limites da linguagem, isto é, por meio da prática da linguagem. A maneira como alguém utiliza as palavras produz certo sentido, estando um uso que se faz do texto naquele momento em que escreve. Ao invés de adivinhar como uma palavra funciona faz-se necessário verificar o seu emprego e aprender com o seu uso.

O uso da linguagem tende a ser também o significado que a estrutura de palavras vem a tomar e há falha na comunicação quando este significado se perde (Wittgenstein, 2009). Nesse sentido, Gadamer (2000) aponta que "somos linguagem, não só possuímos linguagem", sendo que a compreensão da linguagem adquire cada vez mais relevância nos últimos tempos. É visível que as tentativas de se entrar em acordo entre as nações, os blocos e as gerações fracassam porque, “parece faltar uma linguagem em comum”. Para o autor, todos os fenômenos do entendimento, da compreensão e da incompreensão, que formam o objeto da hermenêutica, representam um fenômeno de linguagem (FERRARI, 2010).

De acordo com Sapir e Whorf (apud CHANLAT; BÉDARD 1996): “devemos estar conscientes do tipo de realidade que pode ser exprimida pela língua e do tipo de realidade que não o pode”, visto que o mundo vai aparecendo no uso e limites da linguagem (HONÓRIO e MATTOS, 2010).

Jogos de linguagem e papel organizacional

O conceito de uso lingüístico denominado jogo de linguagem ressalta a existência de regras e a flexibilidade criativa de seu emprego. Mesmo cumprindo regras, cada um joga a seu modo (MATTOS, 2003).

No campo da teoria administrativa, Mattos (2003) citando Mintzerg coloca que é intrigante a constatação da pouca influência da pesquisa recente sobre a linguagem nos estudos organizacionais, bem como a redução da palavra pela teoria administrativa, a aspectos instrumentais a serviço da comunicação. A linguagem nas organizações é tida como um simples veículo de condução dos conteúdos a serem informados (GIRIN, 1996).

A utilização de conceitos wittgensteinianos na área da ciência administrativa no país é bastante escassa, destacando-se alguns trabalhos como os dos pesquisadores Pedro Lincoln Carneiro Leão de Mattos e Jessé Alves Amâncio.

A abordagem wittgensteiniana de jogos de linguagem tem sido mais apropriada aos Estudos Organizacionais e à Teoria das Organizações da Administração, ressoando, por exemplo, em questões como as de comunidades linguísticas das organizações (ou language communities). Destacam-se análises de como as palavras são usadas no contexto das vidas cotidianas dos seus membros, desenvolvendo vocabulários compartilhados, repertórios de gêneros comunicativos, estilos retóricos e persuasivos, metáforas ou outras formas distintivas de comunicação e de autoexpressão que moldam as atividades realizadas dentro desses grupos a partir das conversações e interações que ocorrem nesses contextos (OLIVEIRA e BULGACOV, 2013; ORLIKOWSKI e YATES, 1994).

Oliveira e Bulgacov (2013) ressaltam que a noção de jogos de linguagem pode oferecer contribuições analíticas e explicativas aos Estudos Organizacionais e para o campo da Estratégia Organizacional. Tal indicativo pode lançar luz a impasses teóricos hoje presentes em discussões na área da teoria administrativa como a necessidade de se compreender que tanto no campo prático, quanto no campo teórico da Administração, existem linguagens em conflito e não uma única e singular linguagem. A pragmática da linguagem de Wittgenstein pode figurar como uma ferramenta heurística potencialmente válida para a análise cotidiana nas organizações e para o ato de praticar a estratégia organizacional – o strategizing organizacional –, compreendendo-os como processos verbais e não verbais vivenciados de modo engajado pelos indivíduos naqueles contextos.

Em relação aos jogos de linguagem da comunidade de acadêmicos e consultores na Administração, Mattos (2003) e Mauws e Phillips (1995) destacam as questões de legitimidade contextualizada que a circunscrição de determinados jogos de linguagem realiza numa instituição. A tensão existente entre o meio acadêmico e a atividade de consultoria empresarial é produto de uma intenção equivocada de hierarquizar jogos de linguagem sustentados nesses dois campos, atribuindo superioridade a instituições e a práticas que são, por definição, de naturezas distintas (BULGACOV e OLIVEIRA, 2013).

Na literatura tradicional sobre estratégia, acredita-se que a formulação e a implementação de uma estratégia proposta fluem naturalmente entre os níveis hierárquicos. Segundo Mantere (2010), os processos de negociação e articulação política da estratégia entre os níveis hierárquicos de uma organização adquirem sentido justamente ao considerarmos que, diante da multiplicidade de jogos de linguagem dos grupos que compõem uma organização, serão as semelhanças de família que propiciarão a aceitação legítima do que se estabelece como estratégico em uma organização. Será mediante o entendimento vivenciado dos jogos de linguagem da estratégia que se poderão enxergar, a partir das práticas sociais que os compõem os resultados e o desempenho organizacional que definem o êxito de determinadas estratégias organizacionais e outras não (BULGACOV e OLIVEIRA, 2013, MANTERE, 2010).

Os jogos de linguagem da estratégia dentro da organização são diversos, bem como na área da Estratégia Organizacional da Administração. A existência de teorias econômicas e sociológicas para se explicar a estratégia nas organizações é um exemplo disso: cada uma das teorias pode ser entendida como sendo um jogo de linguagem, sendo que cada uma apresenta suas semelhanças e diferenças.

Honório e Mattos (2010) destacam o modelo de papéis organizacionais, um modelo sistêmico e causal no qual o indivíduo reconhece e identifica seu papel a partir da interação com os demais num processo comunicativo e influencial que envolve transmissão e recebimento do que seriam expectativas de papel. O papel adotado por cada indivíduo é decorrente de expectativas que estão sendo “editadas” em momentos de realização dos atos comunicativos e interativos, tendo em vista um entendimento. Assim, o papel estaria sendo constituído nos limites e nas formas do uso das palavras.

O foco passa a ser uma possível correspondência entre o que foi transmitido e aquilo que foi recebido, visto que uma maior proximidade garantiria o sucesso do desempenho do papel. De outra forma grande discrepâncias extrapolariam a faixa de aceitabilidade e se tornariam imediatamente visíveis para os demais membros.

Nota-se um conjunto de significados que ao ser submetido à “precariedade” da linguagem pode vir a ser distorcido e nesse caminho comunicativo perder o seu real sentido. Contudo, este significado está na forma de uso das palavras e expressões linguísticas praticadas, dando então o contorno às expectativas e ao papel. Toda essa estrutura parte do entendimento da palavra e seus significados como coisas distintas, em que os significados das palavras estão nas expectativas do papel.

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