LÍNGUA PORTUGUESA: UM GRANDE DESAFIO PARA O SUJEITO SURDO
Por MARINETE DOS REIS RAMOS | 29/10/2016 | Educação
Marinete dos Reis Ramos[1]
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo central compreender os desafios da Língua Portuguesa para sujeito surdo, com foco no ensino e na aprendizagem do português como segunda língua para os alunos surdos e a sua inclusão na escola regular. Ao passo que o desafio não se torna apenas para o aluno surdo, mas também para o educador e os demais profissionais da escola. Na análise da situação percebe-se que o grande debate no discurso escolar é a inclusão, a qual, as políticas públicas educacionais brasileiras direcionam um projeto de educação inclusiva que não corresponde o significado real da palavra. É preciso uma inclusão na questão do ensino/ aprendizagem, para que a escola alcance o objetivo educacional almejado “o aprendizado”, para que isso aconteça, é necessário que a instituição de ensino conheça os seus alunos e os respeite em suas diferenças e especificidades. Valorizar a identidade e a cultura surda é primordial para o desenvolvimento acadêmico dos surdos enquanto sujeitos e a sua real cidadania.
1 INTRODUÇÃO
De acordo com Quadros (2006), Toda a trajetória do sujeito surdo inicia-se nas ruas de Paris, sendo tais sujeitos vistos como marginais e vagabundos. A partir da união desses surdos com um ouvinte, o qual percebeu que os surdos se comunicavam satisfatoriamente com a linguagem de sinais, que surgiu a “Primeira Escola Pública dos Surdos” no mundo que se tem registro, que foi idealizada pelo ouvinte e constituída em Paris na França.
A referida autora enfatiza ainda, que esses surdos saíram das ruas para a posição social de educadores dos surdos com uma escola própria onde o atendimento era exclusivo a alunos surdos. Essa foi a época considerada de ouro, pois esses sujeitos eram reconhecidos e respeitados com suas diferenças e especificidade.
Quando ocorreu o resultado do Congresso de Milão, como ressalta a autora, onde a maioria dos presentes eram ouvintes, decidiu-se, votou-se e aprovou-se a lei para educação dos surdos, num local em que os mais interessados, os próprios surdos, eram a minoria. Tal decisão levou os surdos a uma fase de dor, sofrimento e também muita revolta, pois foram podados da sua própria língua, levando muitos surdos às drogas, à prostituição e à total miséria, a ponto de viverem nas ruas como mendigos.
Após quase um século de tortura educacional, conforme o mesmo teórico relata foi realizado na Espanha uma conferência, a qual originou a “Declaração de Salamanca” cujo objetivo era promover a educação para todos, incluindo aí os alunos com suas especificidades, que são vistos e considerados com alguma necessidade especial. O documento em vigor trouxe um alívio para comunidade surda, pelo fato de liberar o uso da língua de sinais e tentar promover meios na educação para facilitar o aprendizado dos surdos.
No que diz respeito aos caminhos que a educação dos surdos percorreu na cidade de Vitória-ES, até pouco tempo era o oralismo que predominava, e ainda há muitos profissionais que dizem ser professores de surdos e que não aceitam a Libras (Língua Brasileira de sinais), e querem impor o “ouvintismo”, anulam sua diferença cultural, não reconhecem sua identidade, sua subjetividade, sua história e não valorizam sua forma de se relacionar e de viver. E essa agressão contra a cultura surda é, provavelmente, o que ocasiona, em certos casos, conflitos das identidades surdas e certa desvalorização de suas diferenças.
Assim, a proposta bilíngüe constitui a interação através da língua de sinais e da língua portuguesa; as duas línguas unidas, ou seja, a tradução Libras/Português e Português/Libras implantado no espaço escolar com a presença do intérprete e tradutor de Libras na sala de aula com o aluno surdo. Enfatiza-se que essa visão de integrar os alunos surdos com os alunos ouvintes na sala regular se mistura com a denominada “inclusão”, que é a política atual em vigor. E mesmo apresentando alguns princípios diferenciados e fundamentais, ainda assim, são confundidas, pois a realidade não reflete a inclusão.
Vários fatores ocasionam a dificuldade dos surdos aprenderem à língua portuguesa; desde o triste passado, que deixaram sérias cicatrizes, a falta de profissional no mercado e a atual luta para que se cumpram às leis de fato.
2 INCLUSÃO OU EXCLUSÃO, O QUE REALMENTE ACONTECE NAS ESCOLAS?
Quando se fala em inclusão pode parecer que é uma coisa nova, bem recente, mas essa preocupação já existe, e há muito tempo; muitos filósofos, pedagogos e professores já levantaram essa bandeira da inclusão, porém só agora tem a força da lei. Muitas instituições de ensino acreditam que estão cumprindo a lei, pois tem matriculados vários alunos com alguma necessidade educativa especial e a escola inocentemente pensa que acontece a inclusão em seu ambiente escolar, pelo fato de que a inclusão atualmente é um convite ao convívio com as diferenças.
Ao analisar a palavra inclusão que é o contrário da palavra exclusão, imagina-se que ao inserir os alunos com alguma necessidade especial, os ditos “excluídos”, no mesmo ambiente ou grupo dos considerados “normais” estaria acontecendo à inclusão. Essa é a idéia errônea de todo um sistema educacional, acreditando que o simples fato do aluno com necessidade especial frequentar a mesma escola e está inserido na mesma sala de aula regular já significa inclusão.
No campo da educação as mudanças aconteceram e vem acontecendo principalmente quando se refere à inclusão. A inclusão é um assunto muito falado e discutido, pois, as leis já exigem, e com isso, já acontece na maioria das escolas. Um desafio para todos os profissionais da instituição, não é só dos professores, vai muito além, desde o profissional que trabalha como segurança que está no portão, às responsáveis pela limpeza até o diretor.
Diante de tantos desencontros, deve-se refletir acerca do que realmente é a inclusão. Um tema que está nos corredores das escolas, nas salas de aulas, em meio aos professores e alunos, em que as opiniões se dividem e se submetem a essa questão com mais ou menos resistência. A verdadeira inclusão acontece quando os excluídos são incluídos, ou ainda, a inclusão que deve tirar da marginalidade os excluídos.
O grupo de alunos com NEE (necessidades Educativas Especiais) destacado nesse trabalho são os surdos; e estes consideram os responsáveis pelas normas da atual inclusão, um grupo que realmente não conhece a realidade desses sujeitos, pois aprender em uma escola que fala o português desconsidera as diferenças existentes entre surdos e ouvintes, implicados pelas línguas que no caso do surdo tem a modalidade visual-espacial e também não consideram a importância dos pares lingüístico, que é uma necessidade humana, no caso, pares surdos. Muitas vezes são ignorados, pois esquecem que os surdos são surdos, tendo-os como invisíveis.
Conforme ressalta Foucault (1999), na maioria das vezes, veredictos discriminatórios são dados a pessoas ou a grupos sociais como prejulgamentos estabelecidos pelo mesmo sistema que classifica sem considerar o contexto histórico e o processo político que gerou as condições apresentadas, e sem demonstrar nenhuma reação para buscar reverter quadros humilhantes de exclusão social.
Em torno da inclusão, muitas questões são envolvidas, entre elas as sociais, políticas e culturais, pois determinam as diferenças, as quais são impossíveis de ser traduzidas. Não há procedimentos metodológicos nas escolas, a ponto de transformar essa realidade, devido à diferença linguística, ou melhor, a ausência da língua de comunicação do aluno surdo com os demais da comunidade escolar.
A língua de sinais, ao ser introduzida dentro dos espaços escolares, passa a ser a coadjuvante no processo educacional, enquanto o português mantém-se com o papel principal. As implicações disso no processo de ensino-aprendizagem caracterizam práticas de exclusão.
A análise parte-se do princípio da alfabetização de crianças ouvintes em que a modalidade da língua falada é oral e auditiva. As estratégias e metodologias executadas pelos professores são por meio do visual acompanhado da oralidade e com o retorno da audição o resultado é a escrita. Na prática o alfabetizador apresenta por meio do visual as uniões das letras, vogais e consoantes, e o som que correspondem essas combinações. O aluno ouvinte capta esse som, e o cérebro automaticamente arquiva essa informação que é recebida por duas vias importantes, o visual e a auditiva. No momento da escrita, o aluno oraliza a sílaba desejada e com o retorno da audição o cérebro é incentivado a informa quais as letras necessárias para formar tal combinação, ou seja, através do som e da audição o processo do ensino/aprendizagem é concretizado por meio da leitura e da escrita.
A observação agora é com alunos surdos, em que sua modalidade da língua falada é visual espacial. Os docentes conhecedores da área da surdez utilizam métodos e estratégias voltadas para o visual eliminando totalmente a oralidade; mesmo porque, a oralização do surdo é responsabilidade do fonoaudiólogo, ou seja, especialista na área médica. O aluno surdo possui apenas um canal de informação para o cérebro que é visual. As palavras visualizadas são armazenadas no cérebro, e quando necessita dessa informação, não existe nenhum meio ou recurso que possa incentivar o cérebro a buscar essa informação; é necessário treinar o cérebro para identificar cada letra e a ordem delas para conseguir escrever a palavra desejada.
Ao conhecer essa realidade é de suma importância que os alunos surdos sejam respeitados nas suas diferenças, no seu tempo de aprendizagem, e tenham o espaço diferenciado, pois na sala junto com os alunos ouvintes e com a mesma metodologia eles ficam prejudicados. Nessa perspectiva de inclusão entende-se quão grande é o desafio para o aluno surdo aprender e ter domínio da língua portuguesa.
O que os ouvintes chamam de inclusão, os surdos que fazem parte desse processo, consideram como um conjunto de estratégias como objetivo de enfraquecer os grupos surdos. As comunidades surdas justificam os movimentos de resistência, o fato de ser um grupo bem menor e consequentemente considerados mais fraco.
Seguindo essa linha de pesquisa e pensamento, entende-se como a verdadeira possibilidade da real inclusão, a proposta da escola para os alunos surdos, o qual compreende-se como base a coletividade, pois valoriza-se a aprendizagem e o aperfeiçoamento da língua de sinais e da socialização por meio dos pares lingüísticos, encontros dos surdos com surdos.
3 O DESAFIO DO ALUNO SURDO NA APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA.
3.1 Qual a proposta da escola para o aluno surdo?
A escola define o aluno padrão desejável que se torna referência e modelo para uma constante comparação entre os ditos “normais” e os considerados “anormais”. “A educação constitui direito de todos os cidadãos brasileiros, surdos ou não, e cabe aos sistemas de ensino viabilizar as condições de comunicação que garantam o acesso ao currículo e à informação”. (CLAUDIA DUTRA/ Secretaria da Educação Especial/MEC/SEESP/Revista FENEIS, 1995:07).
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