LINDOIA: A IDEALIZAÇÃO DO AMOR II EM O URAGUAI, DE BASÍLIO DA GAMA

Por HENRIQUE GUILHERME GUIMARÃES VIANA | 07/06/2017 | Literatura

VIANA, Henrique Guilherme Guimarães Viana, Mestrando (1). KAUSS, Vera Lúcia Teixeira . Orientadora (2), MARTINS,  Angela Maria Roberti, Coorientadora (3). Dissertação de Mestrado em Humanidades, Culturas e Artes - Universidade do Grande Rio Prof. José de Souza Herdy (UNIGRANRIO - 2015). Artigo postado pela primeira vez em redes sociais e nunca apresentado em simpósios,  congressos e anais.

LINDÓIA: A IDEALIZAÇÃO DO AMOR II EM O URUGUAI, DE BASÍLIO DA GAMA

 

“[...] este lugar delicioso e triste

Cansada de viver, tinha escolhido

Para morrer a mísera Lindóia [...].

Descobrem que se enrola no seu corpo

Verde serpente, e lhe passeia, e cinge

Pescoço e braços, e lhe lambe o seio.

Fogem de a ver assim sobressaltados,

E param cheios de temor ao longe;

E nem se atrevem a chama-la, e temem

Que desperte assustada, e irrite o monstro”.

(GAMA: 1982, p.17 GRIFO NOSSO)

Em 1741, nasce José Basílio da Gama, em São José do Rio das Mortes, em Tiradentes, Minas Gerais. Basílio da Gama morreu em Portugal, no dia 31 de julho de 1795. Na obra do escritor, assim é descrita a morte de Lindóia, personagem de seu poema construído como símbolo de pura delicadeza. O Uraguai foi lançado em 1769 e buscava elogiar a política do Marquês de Pombal contra os jesuítas. Ele usa a Guerra Guaranítica como fundo de seu poema e, na trama, colocas toda a culpa pela guerra que acontece nos religiosos que governavam os Povos das Sete Missões.

Os principais personagens são: Tanajura (bruxa indígena), Cacambo (chefe da tribo), Lindóia (mulher de Cacambo), Balda (jesuíta responsável pela aldeia), Caitutu (irmão de Lindóia) e o General Gomes Freire de Andrade (líder das tropas lusas e herói épico do poema de Basílio da Gama). A mitologia nativa fundamenta o enredo da obra.

O povoado indígena, cujo líder é Cacambo, foi catequizado por Balda, jesuíta espanhol. Neste lugar Cacambo vive com sua esposa Lindóia. Balda é descrito como uma pessoa terrível e coberto de más intenções, ele engravida uma índia, que dá luz a Baldeta, visto por todos como uma pessoa de má índole. Na tentativa de angariar a simpatia dos indígenas para com seu filho e, assim, levá-lo a tomar a liderança daquele povo, Balda almeja casá-lo com Lindóia.

Deste modo, o jesuíta manda Cacambo para batalhas nas quais o índio corre sério risco de vida. No entanto, o valoroso guerreiro volta, adiando os planos do terrível religioso. Em uma dessas batalhas, ele é capturado por Gomes Freire que o liberta ao saber das intenções do jesuíta.

Cacambo volta da guerra disposto a desmascarar o religioso e, com isso, acaba despertando a ira do mesmo, que o mata envenenado. Lindóia sofre desesperadamente com essa terrível perda, mas, sob pressão de seu pai, logo depois, ela finge aceitar casar-se com Baldeta. No dia da celebração do matrimônio dos dois, ela foge para um bosque repleto de cobras e se deixa picar por uma cobra venenosa; o mesmo modus operandis de Cleópatra, no romance (1607) de William Shakespeare.

O tema central do evento estrutura-se a partir da assinatura do Tratado de Madri, celebrado entre os reis de Portugal e de Espanha. O Tratado determinava que as terras ocupadas pelos jesuítas, no Uruguai, deveriam passar da Espanha para Portugal. Os portugueses ficariam com as terras ocupadas pelos Sete Povos das Missões; e, os espanhóis, com a Colônia do Sacramento.

Sete Povos das Missões era habitada por índios e dirigida por jesuítas, que organizaram a resistência à pretensão dos portugueses. O poema narra o que foi a luta pela posse da terra, travada em princípios de 1757, exaltando os feitos do General Gomes Freire de Andrade. Basílio da Gama dedica o poema ao irmão do Marquês de Pombal e combate abertamente os jesuítas, antigos mestres do autor. Ele alega que os jesuítas apenas defendiam os direitos dos índios para ser, eles mesmos, seus senhores. Na realidade, esse poema laudatório dos feitos de um colonizador português, pretendia o poeta, ser um passaporte para sua volta a Portugal e, sob as bênçãos do Marquês de Pombal, ocupar um lugar na estrutura de governo que lhe rendesse um futuro promissor. E foi o que aconteceu.

A partir da narrativa do poema épico O Uraguai (1769), nosso foco recairá sobre Lindóia, personagem épica da literatura brasileira que nasce na obra de José Basílio da Gama (1741-1795).  A morte de Lindóia acontece por sua determinação em renegar o casamento, que aconteceria por imposição do seu pai, suicidando-se por não conseguir aceitar relacionar-se com outro que não fosse seu amor, Cacambo. Prefere a morte a ter que se casar sem amor, antecipando uma atitude típica de uma heroína romântica. Refugia-se em um bosque e se deixa picar por uma serpente. Portanto, Lindóia é uma personagem indígena que traz os traços de uma heroína de uma nação que ainda estava sendo construída e que compõe, junto a outros personagens que são objeto dessa pesquisa, o mito da heroína nativa decidida, forte, que luta pelos valores em que acredita e a constituição corpórea-visual pela poética textual, se tornando objeto da paixão, do desejo e sendo construída, culturalmente, como metáfora da nação que estava ainda nascendo.

Na narrativa visual, a representação de Lindóia (1882) é obra do pintor José Maria de Medeiros e pertence à Coleção da Cultura Inglesa no/do Rio de Janeiro.  José Maria de Medeiros nasceu em 3/9/1849, em Portugal, Açores, Faial e faleceu no Brasil em 1925, no Rio de Janeiro. Suas habilidades como pintor, desenhista, professor de artes plásticas são contabilizadas através das suas premiações no Brasil bem como através da sua produção artística.

Ele chega ao Brasil em 1865 e se matricula no Liceu de Artes e Ofícios no Rio de Janeiro. Três anos depois, consegue ingressar na Academia Imperial de Belas Artes, onde recebe aulas de Victor Meirelles (1832-1903) e Antonio de Souza Lobo (1840-1909). Recebe a medalha de segundo lugar na Exposição Geral de Belas Artes (1871) e a de primeiro lugar em 1876 com a obra Retrato de Senhora. Dois anos depois, se torna professor da AIBA na disciplina de desenho figurado.

Anos mais tarde, se naturalizaria brasileiro e passaria ao cargo de professor catedrático. No concurso de 1884, ele expõe Morte de Sócrates e Iracema, com os quais consegue o título de Oficial da Ordem da Rosa. Leciona para Eliseu Visconti (1866-1944), Baptista da Costa (1865-1929), entre outros.

No ano de 1891, abandona a AIBA e passa a lecionar no ensino público (segundo grau). Expõe duas vezes, individualmente, em 1897 e 1899, na Galeria Rezende (RJ). Em 1948, sua obra é incluída na Retrospectiva da Pintura no Brasil (MNBA). Nunca conquistou o famoso PVE, ao contrário da maioria dos seus contemporâneos, e representa o produto do ensino artístico acadêmico e da transição do neoclassicismo para o romantismo.

A Morte de Sócrates representa uma temática essencialmente neoclássica, uma glorificação das virtudes antigas. Na obra, o artista segue os ideais acadêmicos de representação das paixões: uma figura à esquerda está de costas e oculta o rosto para não presenciar a morte do filósofo; na direita, outra pessoa dobra o corpo e tapa os olhos, outra cruza os braços em sinal de tristeza e preocupação e, finalmente, no centro, está Sócrates, iluminado, sereno.

Já sua outra grande obra, que interessa diretamente ao estudo desse trabalho, Iracema, é puramente romântica. A musa de Alencar encontra-se de pé, do lado esquerdo da obra, ao lado de uma flecha fixada na areia, que se apresenta perpassada por um guaiamum e um ramo de maracujá, que divide a tela em duas. À esquerda, em uma praia próxima, há alguma floresta. À direita, na praia distante, há o oceano e o horizonte. Os traços são mais bem feitos. As cores são mais chamativas e mais claras para exaltar a natureza brasileira.  Muitos críticos comentaram sobre essa obra, como Gonzaga Duque, por exemplo.

José Maria de Medeiros alimenta o gênero histórico e as representações de pinturas de gênero. Todavia, ainda aqueles que o apreciam, como Laudelino Freire e Quirino Campofiorito (1902-1993), concordam que ele não é um grande pintor, mas um artista “modesto, tímido, honesto e de merecimento. ” (CAMPOFIORITO: 1938, p.25) Através da sua palheta, do domínio da cor e da anatomia bem como da sensibilidade artística, elementos essenciais para os artistas da AIBA, principalmente os bolsistas do imperador na Europa, Medeiros consegue um diálogo com a literatura para obter um resultado espetacular na produção de Lindóia.

Assim, Medeiros, enquanto professor da academia, realiza duas obras indianistas baseadas na literatura nacional: Lindóia, em 1882 e Iracema, em 1884. Com Lindóia, Medeiros retrata o momento em que a heroína, constatando a morte de seu amado, o índio Cacambo, e vendo-se obrigada a casar-se com Baldetta, o antagonista branco de seu amado, tenta dar cabo de sua vida através do suicídio, deixando-se picar por uma serpente. Já em Iracema, é retratado o instante em que a índia, melancólica, encontra os sinais de desesperança que aumentam o sofrimento da personagem, cujo destino não poderia ser outro senão a morte pela tristeza.

Medeiros parece pintar a mesma índia em ambas as telas, as características físicas comprovam isso, a despeito das ressalvas de Gonzaga Duque sobre as incorreções de Iracema e a figura da heroína, segundo ele, “roliça e inútil” (DUQUE: 1995, p. 206). Contudo, ainda estamos diante de figuras de mulheres índias ideais, haja vista o corpo escultórico de Lindóia, o nobre sentimento que une homem e mulher não consegue escapar da premência dos conflitos políticos e culturais da sociedade em que vivem.

Lindóia é uma personagem que pertence ao culto das heroínas nativas como Moema, Carolina e Iracema, ou seja, são os mitos românticos da literatura brasileira. Desta forma, Maria Edileuza da Costa nos relata que17:

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17. Interessante notar que o parecer final da Academia Imperial de Belas Artes sobre a referida pintura é completamente distinto, assinalado “como um dos melhores da atual exposição [Exposição Geral de Belas Artes de 1884], não tanto pela protagonista do drama, mas principalmente pelo teatro em que se passa aquela cena que com tanto talento descreve José de Alencar. É uma paisagem pintada por mão de mestre (...)”. Atas da Academia Imperial de Belas Artes, 18/12/1884, p. 9.

[...] o trajeto da narrativa e a criação da personagem feminina na literatura brasileira foram delineados, definidos e construídos ao longo

da história. Como sabemos, até o romantismo, os textos literários apresentavam-se prioritariamente em poesia.

Antes de Carolina (A Moreninha), primeiro personagem reconhecido do romance brasileiro, outras personagens figuraram nas poesias e nos poemas épicos.

 Podemos citar como exemplo, a personagem épica Lindóia (O Uraguai), que prefere a morte à renegação do amor, antecipando uma típica heroína romântica. Temos ainda a personagem Moema (Caramuru) que ilustra a sua barbárie de não querer aceitar a perda do homem amado e morre nadando [...] (DA COSTA: 2008, jul/dez.).

Ainda segundo a autora, no trajeto e narrativa da personagem feminina na literatura brasileira:

Após A Moreninha, Lindóia e Moema que dão também origem ao mito sentimental, inúmeras personagens vão surgindo, como Aurélia, Cecília, Capitu. Envolvidas, despidas, submissas, enfim a figura feminina vai tomando formas e sendo construída culturalmente. Nas passagens ininterruptas dos discursos, ocupando espaços entre passado e presente das narrativas, preenchendo lacunas entre o vivido e o recordado, vivendo o acontecido e o desejado, o escritor brasileiro vai construindo o feminino, e com ele a representação da mulher na sociedade em que foi produzida. É com o Uraguai (1769) e Caramuru (1781) que se constitui a tradição heroica brasileira inicial para o resgate de nossa identidade histórica. (DA COSTA: 2008, jul. /dez.)

Ao concluirmos o capítulo III dessa dissertação, Idealização do Amor, e analisando as personagens indígenas, Moema e Lindóia, mulheres e heroínas que se apaixonaram, nutriram amor pelo homem amado, embora de forma diferenciada nos episódios que culminaram com suas mortes, observamos, através dessa reflexão que, em relação à narrativa literária, suporte para a iconografia, a narrativa visual através de seus artistas, que executaram suas obras ultrapassando e transgredindo, em alguns momentos, os romances e os poemas épicos.

             Por outro lado, entendemos que a base para a criação do enredo foi a mitologia indígena. Moema, de Victor Meirelles acaba protagonizando um dos eventos mais importantes nas narrativas literária e visual do século XIX. É ainda Moema o oposto da indígena modelo: não cobriu a nudez, como fizera Paraguaçu, mesmo antes de conhecer Diogo.

 O amor traz sofrimento, como Lindóia e Moema provaram. As suas histórias mergulharam no romantismo, com toda a carga de verossimilhança e toda beleza mítica da fidelidade passional. Sobem à tona como peças do ideal de amor romântico, mas, na superfície, Lindóia e Moema carregam consigo o que são – nativas - e se projetam além de si mesmas pelo amor e pela identidade indianista em que foram construídas.

BIBLIOGRAFIA

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HANSEN, João Adolfo. Alegoria: Construção e Interpretação da Metáfora. São Paulo: Hedra/UNICAMP, 2006.

NOTA: No artigo anterior, Moema(s), postado há alguns minutos, este autor, por equívoco, nominou o artigo de MOEMA(s) A SEDUÇÃO DO AMOR, ao invés deste, leia-se: Moema(s) e Lindoia, A Idealização do Amor.