LIGAÇÃO CRUZADA

Por José Leandro Nunes Moura | 31/05/2011 | Contos

A noite traz em seu bojo grandes mistérios, ela pode elevar o estado de espírito de qualquer ser vivo. Pessoas mórbidas em seus recônditos esperam a hora sagrada, este é o momento em que a cidade dorme e a mente vagueia no mar da tranqüilidade, no subconsciente. Vendo os anseios aflorarem e a calma que tanto buscas transbordar. Neste momento há um nivelamento de desejos, utopias, entre os que buscam a calmaria na madrugada enigmática e taciturna. O dia é muito ofuscante, mostrando com clareza a imagem de um ser, porem não vemos além disso, isto é, só podemos ver a casca das pessoas e isso nos cega. No entanto a noite é a perfeição da natureza, pois com esta os nossos sentidos aguçam-se, passamos a ouvir, enxergar, escutar e sentir o cheiro do que nos atrai. Conseguimos ver além do envoltório corporal das pessoas. Os pensamentos e a alma conseguimos tocá-los.
Por esta razão a noite escura, misteriosa e dissociável é minha única amiga, verdadeira e fiel, pois sempre nos momentos de maior ardor sempre posso contar com ela, e sempre estará pronta para ajudar-me, em qualquer lugar do mundo. Quando Chega o momento de nosso encontro, vejo os meus desejos suscitados e as angustias do dia sepultados.
O silencio que encontro nesse momento glorioso deixa-me inerte e, como já mencionei, meus sentidos ficam mais apurados, a minha concentração é tamanha que posso bloquear todos os sentidos, deixando apenas um, este por sua vez funciona com grande intensidade. Consigo ouvir o apito do guarda noturno que acaba de passar no meu bairro, o canto de uma coruja que sobrevoa minha casa. Este é meu animal favorito, minha fonte de inspiração, pois ela tem todos os atributos que busco, é um animal da noite e, alem disso, é um predador. Todos os prêmios que a noite proporciona eu sou contemplado, o melhor deles é o sono, em que os sonhos transcendem, neles nunca morremos e sempre sou o protagonista. Sonho com o irreal e surreal, cuja realidade faz questão de destruir.
Certa vez encontrava-me, mais uma vez, nesse estado de torpor noturno, foi ai que tive a idéia de ligar para alguém, eram duas da madrugada. Peguei o telefone e fiquei a imaginar:
-Ligarei para quem? Esta hora Todos os meus cúmplices estão dormindo. Os que não estão, também não valeria a pena ligar, pois tenho certeza de que não estão sentindo a tranqüilidade desse momento.
Então decidi ligar ao acaso. E com isso fechei os olhos, comecei a discar qualquer número. Mas para a minha surpresa o telefone, no outro lado da linha, estava ocupado.
"Viajei" nessa questão, queria saber o porquê daquele telefone estar ocupado.
-Será quem estaria do outro lado da linha? Para quem estaria eu ligando?
Eu me perguntava repetidas vezes, não conseguia me concentrar em nada. Resolvi ligar novamente. Como não sabia qual número havia ligado, apertei no redial, fiquei torcendo para que chamasse e alguém atendesse, mas encontrava-se novamente ocupado. Liguei outra vez e novamente ocupado. Fiquei irritado e fui tentar dormir, mas nem isso eu conseguia. A minha curiosidade era indizível, não sossegaria ate saber quem poderia estar do outro lado da linha. Tombava de um lado para o outro da cama, debalde procurando alguma posição que me fizesse adormecer. Pulei da cama e corri para o telefone, tentei ligar, inutilmente, pois continuava ocupado.
-Não dormirei até saber quem, ha esta hora, não desocupou o telefone. Proferi estas palavras com uma grande interrogação no rosto.
Já que não ia dormir mesmo, fui até a sala, peguei um litro de wisque e meu cigarro. "Passarei a noite ligando, mas também me entorpecendo e fumando um canceriano". Pensei prazerosamente, pois viajaria para o inconsciente, onde as ideias transcendem e a mente fica a vagar vertiginosamente. O wisque já estava quase no fim, só me restavam mais dois cigarros. Liguei novamente e, para aumentar meu ódio, o telefone ainda estava ocupado, tive ímpeto de jogá-lo na parede, quando o peguei para executar a tarefa, o telefone tocou. Instintivamente atendi:
-Alô! Alô! Alô! Quem está falando?
-Até que enfim, - respondeu uma voz no outro lado da linha ? pensei que você fosse passar a noite inteira pendurado no telefone. Já faz algumas horas que estou tentando ligar para você, e seu telefone só dava ocupado.
Fiquei aturdido, tentando descobrir de quem era aquela voz, não a reconheci.
-Desculpe, - falei ? não estou reconhecendo a sua voz. Mas o meu telefone estava ocupado, porque eu estava procurando alguém para conversar, liguei para algum número, mas só dava ocupado também. Então peguei um wísqui e um cigarro, sentei ao lado do telefone. Inconformado por não conseguir a ligação, bebi praticamente todo o liquido do litro, fumei a carteira inteira. A seda queimava entre os dedos, a fumaça liberava o mistério que a mente escondia, e assim, aumentando a minha curiosidade, pois deixou o quarto turvo, gostei muito desse clima de mistério, parecia que eu estava em outro mundo.
-Você não sabe quem eu sou, - ele responde ? assim como eu também não sei quem você é. E afirmo-te, com um grande espanto, que estou fazendo a mesma coisa que você. Estou sentado na varanda olhando o grande silêncio que esta lá fora, bebendo, fumando, mas ao contrário de você, a fumaça do meu cigarro dissipa-se no ar, fazendo-me confundi-la com as nuvens do céu. Tenho quase certeza que ligávamos ao mesmo tempo, um para o outro.
-Mas o que você queria? Eu perguntei.
-Eu queria conversar, pois só tenho a noite como testemunha dos meus devaneios. Mas já me encontro embriagado, observo o despertar da aurora. O mistério da noite já não há, então não tenho mais o que falar.
-Você leu os meus pensamentos. Eu não sei se conseguirei chegar ate a cama, de tão entorpecido que estou, mas uma coisa é certa, cerrarei todas as portas e janelas para tentar prolongar o encanto da noite. Deitarei e viajarei para o meu mundo, desprendido da relida.
-Farei o mesmo, quando o crepúsculo bater em minha porta, voltarei a ligar-te. Compartilharemos os anseios da noite, e não serei mais só eu e a noite. Seremos três, eu, você e a noite. Não posso te ver, nem você pode me ver, mas dividiremos a mesma direção de olhar, estaremos olhando para a lua, que consegue nos enxergar com clareza, conseguindo alcançar o âmago dos nossos pensamentos. Isso será o nosso reduto. Boa viagem!
-mas qual é o seu... Puut! Puut! Puut!
Ele desligou antes mesmo de eu perguntar qual era o se número...