Liderança offline

Por Luís Sérgio Lico | 25/06/2011 | Crescimento

Hoje se fala muito em ferramentas e instrumentos para gestão e liderança. Acho que aqui se esconde um problema da vida profissional moderna, onde a tecnologia parece ser um fim em si mesmo. Em muitos de meus cursos, tenho encarado gestores que tem imensas dificuldades para sair de seus "dashboards" e simplesmente falar com as pessoas em uma linguagem compreensível.

Isto é devido, em parte, pela transferência das habilidades e competências (que deveria estar na pessoa), para as ferramentas e os discursos específicos. Por exemplo: muitos falam contabilês, administrês, marketês ou economês. Quando isso acontece, certamente há algo de errado, pois muitos liderados simplesmente não conhecem estas línguas e, para não pagar mico ou perder o emprego, aprendem apenas a responder no idioma universal: hã, hã!

Agora, imagine que você saia, por instantes do universo virtual e "estratégico" e caia direto na realidade exterior. O que você faria, se notasse as pessoas desconhecendo que o futuro já começou? Imagine, da mesma forma tentar fazer com as pessoas reais o mesmo que você faz pelas redes sociais? O que é que aconteceria? Como se relacionar com indivíduos, diretamente e sem ferramentas, kpis, indicadores e widgets a esconder sua real personalidade?

Um dos grandes desafios para os líderes de hoje é como comunicar objetivos, sem utilizar nada senão sua própria competência e persuasão. Milhares falham neste processo tão simples e ao mesmo tempo complexo, de influenciar sem estar remetido a nada, a não ser a si mesmo! A maioria é tão dependente de seu network tecnológico, que acaba perdendo o jeito de lidar com quem é de carne e osso (e alma, sonhos etc.)

O filósofo Walter Benjamin, dizia que a civilização moderna perdeu a capacidade de contar histórias, de entreter e motivar a seguir uma tradição contando apenas com os recursos orais. Segundo ele, a materialidade do pensamento industrial jogou a segundo plano aquilo que era mais concreto, ou seja, as possibilidades contextuais da narrativa. A fonte da qual se alimentava o narrador desaparece e com ele a existência de toda uma experiência coletiva de aprendizado, substituída por manuais e procedimentos, que são entidades frias a alienígenas, no sentido de estarem distantes de nossa contribuição.

O veloz desenvolvimento da tecnologia e a predominância técnica frente ao indivíduo fazem com que as condições de vida mudem vertiginosamente de uma geração à outra. Desta maneira, temos um abismo intransponível entre elas, pois aquilo que foi vivido pelos pais e avós já não diz respeito às demandas pragmáticas vividas por filhos e netos. Veja-se hoje a polêmica entre as chamadas gerações Y, Z etc. Só tende a piorar. No capitalismo avançado do pós-modernismo, nem mesmo a paisagem se preserva. Tudo muda e sem aviso, o que nos deixa sem referenciais e imersos na vertigem dos sistemas, onde o que passou não tem mais nenhuma importância, pois são mensagens na garrafa, que narram ecos de um mundo longínquo.

Por isso, estreitar laços com as pessoas é uma atividade crucial e notadamente offline! O líder deve mostrar sua condição humana, que ofereça uma interface amigável ao interlocutor. Uma história nunca apresenta apenas uma face, mas inúmeras, só que isto parece que não interessa aos que detém pessoas a seu comando. Estranho! Líderes deveriam ser grandes contadores de histórias, mesmo porque histórias são coisas reais para quem as ouve. Números, planilhas, gráficos e ladainhas do tipo "we must achieve our goals" ou "precisamos nos posicionar no mercado", são extremamente aborrecidos e previsíveis.

As histórias, ao contrário, conseguem atingir e envolver as pessoas, oferecendo mais que uma meta, mas sim, o sentido real para justificar o esforço em alcançá-la. Cansei de ouvir em minha vida profissional, a célebre frase: ? Faça isto! Quando perguntava o alcance da diretriz, qual a importância do que era pedido, recebia de volta uma cara de paisagem ou um furibundo: ? Você não está querendo colaborar? Se você lidera uma equipe, nunca se esqueça que as pessoas não seguem metas, seguem idéias. Elas buscam entender, não somente a tarefa mecânica que é apresentada, mas o propósito do trabalho a ser feito e ? principalmente ? qual o nível desta minha contribuição.

Se você quer despertar o interesse das pessoas que lidera, mostre-lhes a sua importância no processo, não apenas os "passinhos" do processo. As pessoas são tocadas pela intuição, quer dizer, elas reúnem não somente o conhecimento ou a atribuição, mas o passado, presente e futuro numa abordagem imediata daquilo que lhes é solicitada a atenção.

Aprenda a contar histórias interessantes e você sempre terá liderados comprometidos.


Luís Sérgio Lico é Palestrante, Consultor e Educador Corporativo. Doutorando em Filosofia, Mestre em Ética e Especialista em Gestão Estratégica de Equipes. Mais de 65.000 profissionais já estiveram em seus cursos em todo o Brasil. Autor dos Livros: O Profissional Invisível e Fator Humano. www.consultivelabs.com.br