LIBRAS: ORALISMO, COMUNICAÇÃO TOTAL E BILINGUISMO...

Por Werner Schror Leber | 16/06/2017 | Educação

LIBRAS: ORALISMO, COMUNICAÇÃO TOTAL E BILINGUISMO. Análise do texto de Cristina Araújo Pedroso

WERNER SCHROR LEBER.

Como saber se a Libras não é uma mistura de pantomima e gesticulação concreta, incapaz de expressar conceitos abstratos? Para responder à questão analisar-se-á aspectos do texto de Pedroso (2010).

1. ANÁLISE DO CAPÍTULO UM (1).

Esse capítulo aborda três propostas para o tratamento com surdos, quais sejam, o oralismo, a comunicação total e o bilinguismo. Afirma que o Bilinguismoé a melhor maneira encontrada até os dias atuais para a inclusão e a alfabetização de surdos. Passemos rapidamente pelas três propostas.

Conforme os estudos da unidade, o Oralismo predominou durante muito tempo e não deu resultado esperado. Esperar que o surdo fosse integrado à comunidade de ouvintes apenas pelo oralismo, e que é insuficiente para o surdo porque não tem como compreender expressões que só fazem sentido por meio do som. O oralismo inclusive proibia os surdos de se comunicaram por sinais, ao que a comentadora acrescenta ainda os seguintes termos: “Sabe-se que os médicos, fundamentados no oralismo e na visão clínico-terapêutica, orientavam as famílias a proibir o uso de sinais [...] bem como o contato com outros surdos” (PEDROSO, 2010, p. 07). A consequência dessa visão é negação da surdez como problema a ser enfrentado pedagogicamente e o tratamento do surdo como se ele pudesse (e devesse) se integrar à comunidade dos ouvintes apenas porque observava e, assim, imitá-los. Todavia, ainda assim, houve tentativas de resolver o analfabetismo de surdos. O Congresso Nacional de Surdos (INES) fundado em 1857 é um bom exemplo (Op. cit., p. 08). Depois veio a Comunicação Total, com uma série de vantagens sobre o Oralismo, mas seu defeito principal era tratar o surdo como alguém que deveria aprender a língua portuguesa sinalizada. O problema está em que o sinal gráfico, a escrita, o signo alfabético apenas sinalizado não faz sentido para um surdo. Dessa forma, a língua portuguesa sinalizada era organizada na perspectiva dos falantes e deixava o real problema do surdo em segundo plano. O bilinguismo é, até os dias atuais, a melhor proposta para a comunicação e educação de surdos. Ela é um língua em sentido técnico, uma língua gestual e espacial,  e que deve ser a primeira língua do surdo. Fala-se bilinguismo porque o surdo, nessa perspectiva, dominará a Libras, a língua brasileira de sinais e também a escrita alfabética do português. Será, portanto, bilíngue. 

2. ANÁLISE DO CAPÍTULO DOIS (2)

O capítulo inteiro é uma análise do que diversos autores e autoras disseram e escreveram sobre avanços já alcançados e sobre o que ainda dificulta a inclusão e a educação, alfabetização e formação de surdos. Em linhas, aponta-se que a Libras foi um avanço, no entanto muitas ressalvas são apresentadas.

Está claro que a língua brasileira de sinais (LIBRAS), enquanto técnica, ou enquanto instrumental espacial e visível para a educação e formação de surdos, é uma língua concreta que possibilita às pessoas acometidas pela surdez comunicarem-se adequadamente. Pelo menos, essa é conclusão a que se chegou depois de mais de um século de pesquisas, congressos e estudos. Mas isso não significa que não haja problemas. Há, e muitos. Conforme a Unidade II (PEDROSO, 2010), os estudiosos da questão apontaram enormes obstáculos que ainda deverão ser tirados do caminho.  O capítulo inteiro trata das críticas que se faz à educação de surdos. Conforme as várias posições ali apresentadas pela autora, não é hora de festejar. O Bilinguismo é apenas melhor que o Oralismo e a Comunicação Total, mas está longe de deixar surdos e ouvintes em uma relação de igualdade. A perspectiva dominante continua a ser a do ouvinte. É a situação à qual o comentador se refere com os seguintes termos: 

[...] um número significativo de sujeitos surdos que passaram por vários anos de escolarização apresenta competência para aspectos acadêmicos muito aquém do desempenho de alunos ouvintes, apesar de suas capacidades cognitivas iniciais serem semelhantes (LACERDA, 2006, Apud, PEDROSO, 2010, p. 18) 

O que se observa na citação destacada é uma crítica quanto às competências, isto é, aos resultados efetivos alcançados com a educação de surdos  no Brasil. Longe de querer condenar tudo que se alcançou ou se tentou alcançar até os dias hodiernos, essa autora apenas está apontando que os resultados do bilinguismo, mesmo sendo a melhor forma encontrada para educar surdos, precisa ser corrigida e aperfeiçoada em vários aspectos. Daí surge a necessidade de criar ou desenvolver um intercâmbio entre as duas culturas, a dos ouvintes e a dos surdos, conforme nos informa Pedroso (2010) com base em estudos de vários especialistas que ela cita ao longo de seus estudos. De acordo com ela, é preciso considerar que, “[...] a simples inserção do aluno surdo em classe comum não significa inclusão; é preciso ir além” (Op. cit., p. 19). Há que se considerar também que a cultura do surdo é de antemão distinta da do falante. Currículo e cultura são coisas distintas. Os currículos escolares estão sempre na perspectiva dos falantes (grupos majoritários) e os grupos minoritários (surdos) são vistos como que tendo (ou devendo?) obrigatoriamente compreender os conteúdos curriculares transpondo a linguagem monolíngue para bilíngue. Os estudos apontaram que essa perspectiva é equivocada e não traz resultados significativos. A nossa autora traz uma crítica que corrobora com essa visão quando diz que “o reconhecimento das diferenças linguísticas e sociais do aluno está presente nos textos e nas políticas, entretanto, na prática, muito pouco tem sido realmente mudado em relação à escola e ao currículo” (Id. ibid., p. 20). E autora continua com uma outra crítica, que resume bem a problemática: 

Essa situação só será superada quando houver clareza sobre quem é o surdo e o que se almeja para ele. Do contrário, os alunos surdos continuarão vítimas da OUVINTIZAÇÃO, entendida como transposição de conhecimentos do mundo ouvinte para os temas relacionados à surdez.  Em relação à educação, a OUVINTIZAÇÃO justificaria a aplicação de modelos educacionais para ouvintes na educação de surdos [...], resultando na imposição do poder dos ouvintes nas decisões que permeiam as questões educacionais desses alunos (dos alunos surdos) (PEDROSO, 2010, p. 22).

 

O que a autora propõe é que exista o esforço de tornar a educação comum bilíngue, ou seja, os ouvintes deveriam também dominar a Libras – na caso de professores,  professoras e alunos ouvintes. Além disso, uma inclusão plena deveria desejar que se forme pedagogos e licenciados surdos. Pois eles, muito melhor que os ouvintes, sabem dos reais problemas e dificuldades de alguém que não ouve.  Do exposto, segue-se que temos de responder a questão de se a língua dos surdos (a Libras) é somente uma gesticulação, uma pantomima sem capacidade de transmitir conceitos mais abstratos ou a afirmação dos autores é extravagante e exagerada. 

3. CONSIDERAÇÃO FINAL SOBRE A PROVOCATIVA AFIRMAÇÃO

Voltando à pergunta: “A língua de sinais seria uma mistura de pantomima e gesticulação concreta, incapaz de expressar conceitos abstratos"? não deveria ser vista como verdadeira, embora tenha algumas razões. No que me compete, aponto duas direções de interpretação. Primeiramente, conforme os estudos apresentados no Material Claretiano, que citamos como Pedroso (2010), o Bilinguismo supera a simples gesticulação, possibilitando ao aprendente surdo o desenvolvimento de suas habilidades e potencialidades cognitivas. Isso porque a Libras, que deve ser sua Primeira Língua, lhe dá condições de dominar a escrita alfabética também, no caso brasileiro, o português escrito. Desse modo, a Libras é uma língua que deve dominada pelo surdo da mesma forma que o ouvinte domina o código alfabético sonoro. Quero crer, então, que conceitos abstratos são capazes de serem alcançados pelo aluno surdo, desde que haja condições e instalações adequadas, bem como também profissionais habilitados.

Porém, em segundo lugar, tendo em consideração o que nos diz o capítulo 2 de Pedroso (2010), as críticas mostram que muita coisa há por fazer. Se não houver uma inclusão em sentido real, isto é, uma inclusão que considere a situação social e cultural do surdo, a Libras poderá mesmo não passar de Pantomima, de uma gesticulação primária, não permitindo ao surdo o pleno desenvolvimento de suas capacidades cognitivas. Se a Libras não transformar-se em língua que possibilite ao surdo a compreensão mais profunda de textos, de ideias, de problemas científicos e filosóficos, creio eu que ficará comprometida a possibilidade de se avançar no sentido de dar ao surdo o desenvolvimento pleno de suas capacidades cognitivas.

4. REFERÊNCIA

PEDROSO, Cristina Cinto Araújo. Língua brasileira de sinais. Batatais, SP: Ação Educacional Claretiana, 2010.

5 NOTAS

 PEDROSO, Cristina Cinto Araújo. Língua brasileira de sinais. Batatais, SP: Ação Educacional Claretiana, 2010.

Conforme páginas 18 até 24.