LIBERDADE RESPONSÁVEL

Por Geraldo Barboza de Carvalho | 11/08/2011 | Crescimento

LIBERDADE RESPONSÁVEL
Geraldo Barboza de Carvalho
No interior da liberdade humana e inseparável dela, direitos e deveres constituem estrutura símile à estrutura ontológica integrativa do ser humano. Eles não constituem dois universos, mas duas dimensões estruturais do universo da liberdade. Direito e dever coexistem nele dois elementos necessários, correlativos e complementares e funcionam integrada e correlativamente um ao outro. São outros nomes pra o bônus e ônus da liberdade. Pra ela funcionar corretamen¬te, ela requer o funcionamento desses dois elementos básicos do relacionamento humano saudável. A liberdade não poderá funcionar corretamente só na dependência de um desses ele¬mentos, a expensas do outro. Se isto acontecer, ela atuará fora do seu eixo, gerando direitos em excesso para poucos, e deve¬res em excesso pra maioria. Pois, direito e dever estão para a liberdade assim como os pratos estão pra balança: sem eles, a balança não funcione. Querer ser livre considerando direitos sem os deveres, é como pesar mercadorias numa balança de um prato só. Pois, se sou objeto de direitos, também sou sujeito de deveres. A liberdade se move entre esses dois pólos extremos e complementares. Não há como escapar dessa dualidade sem alternativa. Pois, não posso ter só direito ou só dever: ambos precisam funcionar integradamente. Não pode haver direito sem dever, nem dever sem o correspondente direito. Quando poucos têm direitos e a maioria, deveres, os privilegiados oprimem a maioria. Aí está a raiz das injustiças no mundo. A justiça faz parte dos deveres do cidadão, independentemente do credo. Ora, dever é débito. Meu dever é meu débito com os semelhantes. E quem deve, precisa pagar. De modo que, cumprir deveres com os semelhantes não é fazer-lhes favor, mas é saldar débitos com eles. Se não cumpro meus deveres de cidadão (escolher os melhores candidatos nas eleições, cumprir as leis, denunciar injustiças, tomar partido pelos injusti¬çados, promover o bem), deixo de saldar meus débitos sociais e torno-me devedor perante os semelhantes. Quem deixa de cumprir as obrigações sociais, está usando a liberdade abusivamente, só com direito (credito), gerando um débito social. Porque, quem aumentou demais o crédito da liber¬dade, com certeza usurpou o direito de alguém, tirou-lhe algum direito; é, pois, seu devedor. Por isso, pra haver justiça, é preciso que os direitos sejam equilibrados pelos deveres. Se eu tiver só direitos e dever algum, terei liberdade absoluta. Acontece que sou limitado e a minha liberdade é limitada: pra ser livre, preciso da ação e o traba¬lho de outras pessoas. Pois, sou livre tomando decisões no concreto da história, dentro da realidade social, política e econômica em que vivo, resultado da ação livre de pessoas que me antecederam na sociedade e na vida. Muitos bens foram gerados na sociedade pra que eu, ao nascer, pudesse usufruir deles. A língua, os costumes que moldam meu comportamento, benfeitorias do meio-ambiente, as descobertas científicas e tecnológicas, a religião..., tudo isto eu encontrei ai ao nascer. Todos os objetos de uso do meio social em que vivo foram feitos por outras pessoas. Os sapatos que uso não foram feitos por mim, mas por competente operário. E ainda que feitos por mim, a matéria prima usada para confeccioná-los eu não a produzi, pois vem de plantas, animais, minérios que não me pertencem. Quer dizer, minha liberdade não me faz absolutamente, mas relativamente autônomo, pois sou necessariamente dependente do trabalho de outras pessoas pra exercê-la. Vale o mesmo raciocínio pra todas as coisas que uso no exercício da minha liberdade: a água que bebo e me lava, os alimentos, o carro, as roupas, as ruas arborizadas e calçadas das cidades ..., tudo que uso, recebi de presente de outras pessoas, mesmo que as compre. Outros verteram suor pra eu poder dizer ?sou uma pessoa livre?. Conclusão: sou devedor social. Deveria observar isto quando uso da minha liberdade, para não abusar dos meus direitos, faltar com meus deveres, nem tri¬pudiar sobre os direitos alheios, atribuindo-lhes só deveres. Entretanto, ajo fazendo de conta que não devo nada a ninguém, que tudo depende só de mim, que as coisas que uso me vêm por geração espontânea. Uso a liberdade como se eu vivesse fora do espaço e do tempo, sem me incomodar com os que deram tudo para eu ter autonomia. Uso a liberdade sem senso algum de gratidão. Quando desperdiço água, alimento, energia,a paciência das pessoas, ajo como se eu não tivesse nada a ver com a labuta dos irmãos que lutam no campo, nas fábricas, nas repartições, plantando, manufaturando, administrando as coisas que me possibilitam ser livre. Ajo de ma¬neira completamente inconsciente e irresponsável, sem dar satisfação a quem quer que seja. Acho-me no direito de sujar a praia do meu lazer e de tanta gente, mas não me sinto obrigado a mantê-la, a deixá-la limpa para bem-estar de todos. Acho que sujar a praia, a rua não tem importância, contan¬to que eu me sinta livre de fazer tudo o que quero, indiscriminadamente, sem critério algum, sem sofrer coação, repressão de ninguém. Penso que cumprir normas reguladoras de um saudável convívio social é ser reprimido e perder a liberdade, em confusão tremenda entre obrigação moral, dever de consciência e re¬pressão abusiva. Na prática, acho que manter praias e ruas limpas é obedecer ordens que reprimem minha liberdade. Por isso, acho-me no direito de sujar as praias e as ruas à vontade, sem me incomodar com ninguém, nem permitir que alguém me censure e incomode, ainda que eu incomode muitos; acho-me no direito de pôr som alto, sem incomodar-me com os males que isto causa aos ouvidos e á paciência da vizinhança; acho que a reclamação dos incomodados é cerceamento da minha liberdade, ninguém pode me reprimir e me obrigar a ser correto, respeitador do direito que outros têm de também escutarem suas músicas. É como se vivesse só no mundo, sem vizinhos e obrigações com ninguém. Ou será que ajo assim exatamente porque tenho vizinhos, e só me sinto livre quando estou contra¬riando normas úteis à saudável convivência social? Se eu morasse só, talvez me respeitasse, ouvisse a voz da consciência e não pusesse som com decibéis além do que o ouvido humano pode suportar, protegesse meus ouvidos e das outras pessoas contra a surdez. Mas, quando uso a liberdade extrapolando meus direitos, pensando que nada nem ninguém podem me obrigar a ser correto, eu deveria pensar que posso e devo me obrigar a limitar a minha liberdade, até onde ela não prejudica a liberdade alheia. Do contrário, estarei abusando do meu direito. A partir da hora que abuso deles, não são mais meus direitos, não posso usá-los como meus. Pois, quando exagero no uso do meu direito, certamente estou invadindo o campo dos direitos alheios. Daí, preciso aprender a respeitá-los, pra que respeitem os meus. Preciso aprender que meus direitos terminam onde começam os das outras pessoas. Cabe-me avaliar uma coisa e outra, distinguir o que é correto do que não é. A falta de respeito aos direitos alheios, gera liberdade hipertrofiada e opressão. Ao impingir aos outros a repressão não quero, imponho-lhes opressão. Sem consciência dos limites da minha liberdade, não há como ter uma convivência social saudável, em que meu serviço á sociedade é o cumprir meus deveres de cidadão, pagar minha dívida social.