Leviatã Hoje
Por Christiane Forcinito Ashlay Silva de Oliveira | 09/12/2008 | FilosofiaIntroduçãoA Filosofia Política estuda a natureza do homem, visto que, a concepção de político está implícita no social; não há o político sem o social. O homem faz política até quando não participa, se omitindo, pois como Aristóteles já dizia o Homem é um animal político-social por natureza.
Hobbes, o qual neste presente trabalho vou me aprofundar, possui dentro de seu pensamento político uma natureza antropológica, isto é, seu objeto é o Estado partindo inicialmente pela compreensão do "ser humano". Ele era Empirista e nominalista e se ateve à questão da origem (segundo Hobbes foi convencional), natureza (fatalismo e egoísmo moral do homem) e funções do Estado (absolutismo por submissão voluntária do povo).
"Leviatã" é uma obra que eu, particularmente, classificaria de certa forma "profético-lógica", pois o que ele fez foi uma dedução lógica das conseqüências do princípio materialista.
Neste trabalho pretendo também mostrar no primeiro tópico o momento histórico que isso se passou, no segundo analisar o capítulo XIII da obra "Leviatã" onde eu destacarei como três conceitos principais a ação do homem em seu estado natural, as conseqüências e o desejo de paz pelo temor da morte. No terceiro tópico farei um paralelo com nossos dias atuais (dos dois tópicos anteriores) concluindo com as diversas leituras extras de diversos autores que fiz a respeito.
Momento histórico de Hobbes
No século XVII vigorava o absolutismo real em seu grau máximo e embora a economia mercantilista fosse favorecida a intervenção do Estado era detestada pela burguesia que desejava a livre economia.
Tanto na política como no campo do pensamento havia um sentimento desejoso de independência do papado, isto é estava em xeque à supremacia do poder religioso sobre o civil. A Igreja usava a interpretação das sagradas escrituras para impugnar o poder civil e, além disso, o clero corrompia-se.
Viviam na época movimentos revolucionários. Guerra dos trinta anos, Revolução Puritana, a qual foram conseqüências das tendências imperialistas de diversas potências européias que encontravam cada qual uma justificativa para suas ações seja religiosa ou nacionalista.
Hobbes que foi amigo e discípulo de Bacon (materialista e empirista também) conheceu Galileu e Descartes, era filho de um vigário violento e de pouca cultura. Ele foi educado por um tio e assim teve uma boa formação "acadêmica". A perspectiva de viver numa guerra civil o fez pensar em sua teoria política, visto que seu ponto principal a preservação da vida e da paz para assegurar segurança, pois segundo ele o homem teme a morte violenta.
Sobre o capítulo XIII - "Da condição natural da humanidade relativamente à sua felicidade e miséria."
Neste capítulo Hobbes afirma que o homem por natureza é igual ao semelhante e como o homem é egoísta, desta igualdade resultam conflitos, surgindo a competição a qual culmina numa situação insustentável onde só um poder comum pode controlar, isto é , o Estado.
Um grupo de pessoas todas pode ter as mesmas aspirações e o considerado mais fraco não vai necessitar de força para "vencer" outro forte, pois ele pode se aliar-se a outro para conseguir o que deseja. As diferenças não importam muito segundo seu pensamento. Até a semelhança em relação ao espírito (mente) também é espantosamente demonstrada.
Hobbes ainda diz que desta igualdade e desejos semelhantes os homens podem se tornarem inimigos, brigarem ou se matarem enfim lutar pelo que querem já que não podem desfrutá-los igualmente.
O homem vive em sociedade com desconfiança, pois se ele possui alguma coisa teme perdê-lo. Essa desconfiança provém do poder, isto é, quem detém o poder desconfia que outro possa roubá-lo, porém Hobbes adverte que aquele que roubou vai ficar com medo também de ser roubado.
A vida social é como uma feira de vaidades. Todo mundo quer ser reconhecido, valorizado como valoriza a si mesmo e neste ambiente quando há sinal de desprezo o "desprezado" faz de tudo para ser admirado por este que o desprezou causando-lhe algum tipo de prejuízo.
Hobbes a partir disso enumera três causas principais da discórdia humana. Primeiro a competência, isto é, para ver quem é o mais "esperto" e assim "vence" sobre o outro. Segundo a desconfiança para garantir a segurança e a sua defesa e terceiro ou último a glória, ou seja, manter ou elevar sua própria reputação, nem que seja por uma minúcia qualquer.
Resultado de todo este panorama é a condição de guerra, isto é, segundo Hobbes se não houver um poder comum que mantenha a "paz e o respeito" vai ser uma luta de todos contra todos. Aqui ele também reflete sobre a questão do tempo, pois o tempo de guerra não é só quando duelam propriamente entre si, mas o anterior deve ser levado em consideração, ou seja, o período em que se arquiteta (espírito disposto) também faz parte deste. A paz segundo o filósofo é o tempo em que nem se pensa, imagina ou sonha sobre a guerra.
O tempo de guerra denota uma estagnação em todos os aspectos do desenvolvimento, isto é, em nenhuma área do conhecimento humano seja esta na ciência, na arte, indústria, letras, navegação, na sociedade haverá algum sinal de progresso ou descoberta visto que o medo e a insegurança são o que permeiam o homem numa situação dessas. Assim ele passa seus dias sozinho, pobre, "animalizado" e sua vida é curta.
No estado de natureza tudo pode acontecer, ou seja, não há lei, não há princípios norteadores. Sem noção do certo ou do errado, do bem e do mal qualquer ação pode ser feita, pois não existe conceito de injustiça ou justiça. Hobbes coloca como a doença do Estado que o leva à morte (guerra).
Justamente pelo medo da morte violenta é que as suas "paixões" os levam a querer o conforto, o deleite fazendo com que os homens mantenham a paz e a segurança por meio de um esforço comum, isto é um acordo estabelecido pela razão.
Hobbes, seu pensamento político e nossos dias.
Nosso século pode não vigorar mais o absolutismo real (com grandessíssima influência da Igreja que vinha se arrastando) pela qual queriam eliminar na época de Hobbes, porém a ideologia neoliberal que dá o tom hoje faz com que muitos ainda vivam como se o tempo não tivesse passado.
Tanto hoje quanto na história podemos ver o quão Hobbes, de alguma forma, soube interpretar sua teoria e continua atual. Pensando no nazismo, por exemplo, o grande "Leviatã" que dizimou milhares de pessoas. As colonizações também podem nos mostrar esta força do "Estado". Nos dias de hoje podemos lembrar da invasão do Iraque pelos americanos por causa do petróleo e poder mundial.
Observando nosso panorama político – econômico não estamos longe, pois com as oligarquias, o poder estatal não possui nenhum juízo de valor referente aos direitos fundamentais dos cidadãos.Atualmente o "mercado", digo a economia, embora se diga livre é carregada ainda de impostos e contradições. E o mercado financeiro? E a segurança? Em nome dela pagamos mais impostos e estes são os que sustentam a própria insegurança.
No país em que vivemos há uma constituição, mas que não é respeitada! Corrupção, a luta pelo poder, alianças interesseiras, relativismo, medo da morte violenta, insegurança hoje é ainda muito presente. As leis, na política em nome da igualdade e liberdade foram criadas para garantir os mesmo direitos a todos, porém, se perdem neste mar de contradições e interpretações a qual a justiça e a injustiça são confundidas.
Nosso Estado chegou a um grau tão grande de corrupção que não há como controlar até seus próprios funcionários! Podemos assistir a isso nos noticiários percebendo a enorme contradição que há quando decidem ao invés de punir os responsáveis por distribuir ou vender os celulares nas prisões o governo decide acabar com todo sistema de telefonia celular nas cidades onde há presídios, quer dizer, se você mora em uma dessas cidades esqueça de ter um celular!
Vivemos em um estado de natureza! Hoje tudo é possível! Hoje eu diria que o "Leviatã" é a corrupção, a "bandidagem", ou melhor, este "soberano" não tem o poder ele quer ser o poder! Um exemplo é a ligação entre o Estado e os poderes paralelos, o narcotráfico. Outro bom exemplo os ataques do PCC e a população aterrorizada correndo para suas casas em plena segunda feira! E, além disso, a mídia, que a meu ver é outro "Leviatã" na época transformou o crime organizado numa "supra, hiper, mega" potência na quais todos ficaram a deriva da selvageria. Acredito que o Leviatã de Hobbes mudou seu papel.
Será que temos um governo ou estamos sozinhos? Hobbes defendia que era melhor ter um soberano ruim do que a ausência de um... Será mesmo? Hoje o homem é massificado e com a globalização este "soberano" não tem nacionalidade e nem opositores, vive à espreita, pois inconscientemente ele dita as regras, ou seja, vivemos nos adaptando às tendências sem pensar. O Estado ainda de alguma forma também cerceia nossa liberdade, como por exemplo, a lei seca, porém ainda vigora o "Leviatã" do mercado, aquele a qual consegue quebrar um país através de agencias de comunicação.
O medo de Hobbes o fez ser um arauto da ordem, será que se ele vivesse nos dias de hoje colocaria no seu carro o adesivo "Eu fui assaltado!"? Acredito que ele ainda estaria atônito percebendo que o Estado a qual idealizou não garante mais nada...
O homem natural de Hobbes não é um animal, não é diferente. É o mesmo "homem" que hoje vive em sociedade, ou seja, a natureza do homem não muda conforme a vida social, ou o tempo/época. Hoje, porém ele é massificado por um poder a qual nem sabe de onde provém. Este já não possui identidade fazendo com que transite na sua vida e ação conceitos do fundamentalismo ao relativismo sem pensar no que isto realmente significa. Este é o que inclusive leva pensadores como, por exemplo, Fukuyama falar sobre o fim da história e do último homem.
Atualmente o homem ainda possui intrinsecamente uma enorme "carga" de individualismo que o leva à procura do que não cause dor ou do que "não atrapalhe". A grande questão do aborto é uma conseqüência disso. Hoje o "homem" faz o que deseja e quando desejam, os efeitos "naturais" de seus atos surgem e uma vez indo contra "seus planos" você as descarta mesmo que isso signifique a morte de um inocente ou a eliminação de um concorrente.
Outra questão que me veio à mente foi o fato de Hobbes levar ao extremo o absolutismo do príncipe fazendo com que qualquer ação seja justificada para preservar a paz. Hoje nos Estados Unidos com a política da tolerância zero ou até mesmo aqui no Brasil podemos constatar que este "pensamento" leva ao extremo todos os excessos cometidos por autoridades gerando uma violência sem proporção não só de quem exerce o poder, mas também do outro lado, isto é, de quem o qual o poder é exercido resultando em um circulo vicioso que parece não ter fim.
Um aspecto atual também no próprio homem ou, sem generalizar, na maioria é o fato dele esperar sempre que o pior aconteça para agir. Hobbes queria evitar isso e justamente por isso pensando na questão do homem ser lobo do homem ("homo hominilupus") que ele elaborou toda uma teoria política - antropológica por medo da morte. E na sociedade atual o caos acontece exatamente quando o homem transita seu querer neste ponto, isto é, quando a morte está próxima ou quando a situação está "insustentável" ele age ou reclama, esbraveja e sem muitas vezes poder fazer nada (estamos em um estado de abandono) surgem revoltas e muita confusão.
Conclusão
Refletindo a respeito deste trabalho concluo que o "poder" tem sua configuração única, isto é, à vontade e a busca pelo poder permeou e ainda continua permeando a constituição, ou melhor, a natureza do homem e suas ações. Gerard Lebrun, por exemplo, o define assim:
"Em suma, o poder não é um ser, "alguma coisa que se adquire, se toma ouse divide, algo que se deixe escapar". É o nome atribuído a um conjunto de relações que formigam por toda a parte na espessura do corpo social (poder pedagógico, pátrio poder, poder do policial, poder do contramestre, poder do psicanalista, poder do padre, etc.)" LEBRUN, G, O que é poder, p.20.
Além disso, relendo este trabalho, refletindo, pesquisando, revendo algumas outras releituras minhas a respeito de Thomas Hobbes concordo com Dalmo de Abreu Dallari quando disse que "o contratualismo aparece claramente proposto, com sistematização doutrinária, nas obras de Thomas Hobbes"(DALLARI, D, Elementos de teoria geral do Estado, p. 12), pois ainda mais à frente ele escreve: "É neste ponto que infere a razão humana, levando à celebração do contrato social. Apesar de suas paixões más, o homem é um ser racional e descobre os princípios que deve seguir para superar o estado de natureza e estabelecer o "estado social"(DALLARI, D, Elementos de teoria geral do Estado, p. 12).
Concordo com Bertrand Russell quando ele, ao tratar de Hobbes, aponta o problema de unificar interesses entre monarca e súdito, pois em tempos de guerra isso se resolve, porém em tempos de paz pode haver um choque e como no mundo de hoje o individualismo predomina, acho difícil.
E por fim sou a favor sim de um homem político que pode até "ser mal" por natureza, mas que com esforço pessoal meritório lutam contra sua natureza e que de modo tão natural (para isso precisa ouvir atentamente a voz divina, por isso digo natural, visto que o homem nasceu para o divino, a meu ver e de alguns filósofos) transforme esta sociedade.
Referências Bibliográficas
AQUINO, R.; JACQUES, F; FRANCO, D; LOPES, O. História das Sociedades – Das sociedades modernas às sociedades atuais. 2 ed., Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1983.
ARRUDA, J. História Moderna e Contemporânea. 27 ed., São Paulo: Ática, 1995.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 20 ed. São Paulo: Saraiva 1998.
FRANCA, Pe Leonel. Noções de história da Filosofia. 20 ed. Rio de Janeiro: Agir, 1969.
HOBBES, Thomas. Leviatã. Ou Matéria, Forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. 2 ed., São Paulo: Abril, 1979 (Os pensadores)
LEBRUN, Gerard. O que é Poder. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.
MONDIN, Batista. Introdução à filosofia. Problemas, sistemas, autores, obras. 16 ed. São Paulo: Paulus, 2006.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
RUSSELL, Bertrand, História da Filosofia Ocidental. São Paulo: Nacional, 1957, VIII.