Leptospirose
Por TANHA SCHMIDT | 19/04/2010 | SaúdeLEPTOSPIROSE
Introdução
Leptospirose é uma infecção, de distribuição mundial, caracterizada, na maioria dos casos como um quadro febril agudo, inespecífico, que se confunde com uma infecção viral.
Em 10% dos casos, apresenta-se como um quadro grave com comprometimento de múltiplos órgãos, denominado de Doença de Weil.
Etiologia
Bactéria Gram-negativa da ordem Espiroqueta do gênero Leptospira, classificada em duas espécies, sendo Leptospira interrogans a espécie patogênica.
A transmissão se dá através de contato direto com sangue, tecidos e urina de animais infectados. Mas a forma mais comum de contágio é a indireta, através de contato com solo e água contaminados com urina de animais, principalmente o rato, daí os surtos da doença por ocasião de inundações.
Fisiopatologia
Leptospiras invadem o tecido epitelial, proliferam e se disseminam por múltiplos órgãos, em uma primeira fase; a seguir, a resposta imunitária do paciente caracteriza a segunda fase, considerada a responsável pelas várias manifestações da doença.
O achado patológico mais importante é a vasculite capilar, presente em todos os órgãos comprometidos.
Os órgãos afetados apresentam:
- Fígado – lesão direta causando necrose centrolobular e proliferação das células de Kupffer, com disfunção hepatocelular;
- Pulmão – lesão capilar alveolar difusa e focal; edema intersticial e intra-alveolar; sangramento que pode evoluir para hemorragia maciça;
- Rim – necrose tubular e, posteriormente, nefrite intersticial; a progressão para insuficiência renal pode ser rápida;
- Músculos – edema, vacuolização de miofibrilas e comprometimento vascular;
- Coração – petéquias no endocárdio, edema intersticial e infiltrado inflamatório no miocárdio e arterite coronariana;
- Sistema vascular – hipovolemia e choque; síndrome hemolítico-urêmica, púrpura trombocitêmica trombótica e vasculite;
- Supra-renal – necrose focal, hemorragia e infiltrado inflamatório; estas lesões não são aparentes clinicamente, mas, talvez, sejam responsáveis pelo colapso vascular final em casos fatais.
Epidemiologia
· Incidência
Distribuição universal, atingindo picos em áreas de inundações.
· Morbidade/Mortalidade
Em 10% dos atingidos, os casos se manifestam como graves e tem taxas de mortalidade de 10%.
· Sexo
Predomina no sexo masculino.
· Idade
Atinge principalmente homens, pela exposição ocupacional. Em surtos da doença, em situações de inundações, não há predileção e crianças também são atingidas, em decorrência de brincadeira com água, comuns nessa faixa etária.
Quadro clínico
A maioria dos casos é de um quadro subclínico ou leve.
A infecção sintomática pode se apresentar como anictérica, mais comum, ou ictérica (Doença de Weil). Ambas tem uma apresentação bifásica, fase septicêmica e fase imune. O período de incubação é de 2 a 20 dias.
Ø Leptospirose anictérica
Fase aguda – em que ocorre a proliferação e disseminação de leptospiras no sangue e órgãos afetados.
Os sintomas não são específicos:
- Febre com calafrios;
-Letargia;
- Cefaléia;
- Mialgias;
- Hipotensão;
- Tosse;
- Náusea;
- Vômitos;
- Faringite;
- Artrite;
- Colecistite.
Ao exame físico podemos também encontrar:
- Sensibilidade muscular aumentada, principalmente nos membros inferiores e região abdominal;
- Hemorragia conjuntival com fotofobia e dor na região orbital;
- Linfoadenomegalia;
- Hepatoesplenomegalia;
- Exantema cutâneo – macular ou maculopapular, urticariformes, petéquias ou lesões descamativas.
Este quadro dura em torno de 5 a 7 dias, ocorrendo, a seguir, um intervalo assintomático de 1 a 3 dias, seguindo-se a recorrência da febre e a progressão para a segunda fase.
Fase imune - a segunda fase é a fase de resposta imune, com aumento dos níveis de anticorpos e infiltrado inflamatório em órgãos atingidos. O quadro característico desta fase é a meningite asséptica:
Meningite – apresenta como sintoma inicial, a cefaléia. Alterações liquóricas estão presentes em 80% dos casos, mas os sinais e sintomas de irritação meníngea estão presentes em apenas metade dos pacientes. A recuperação costuma ocorrer em torno de uma semana.
Outra patologia que pode aparecer nesta fase é uveíte.
A fase imune tem duração média de 14 dias, mas pode durar de 6 dias a 4 semanas.
Ø Leptospirose ictérica
A doença de Weil é a forma grave de leptospirose com icterícia (que pode estar ausente, mesmo em casos fatais), insuficiência renal, hepática e hemorragia pulmonar.
A fase aguda é semelhante à anictérica, mas a fase imune apresenta comprometimento hepático, renal e pulmonar.
A leptospirose ictérica apresenta comprometimento de vários órgãos:
ü Hepáticas
- Icterícia;
- Hepatomegalia;
- Alterações das enzimas hepáticas.
ü Pulmonares – os sintomas respiratórios podem evoluir para a síndrome de desconforto respiratório, com necessidade de intubação e ventilação mecânica.
- Tosse;
- Hemoptise;
- Pneumonia.
ü Renais
O quadro varia de acordo com a fase:
- Fase inicial – a lesão direta da bactéria causa necrose tubular aguda
- Fase imune - complexos antígeno-anticorpo causas nefrite intersticial.
Pode ocorrer rápida deterioração com insuficiência renal, com necessidade de diálise.
ü Hemorrágicas
- Epistaxe;
- Sangramento gengival;
- Hematúria;
- Hemoptise;
- Hemorragia pulmonar.
ü Cardíacas
- Miocardite;
- Arterite coronariana;
- Bloqueio atrioventricular de primeiro grau.
ü Vasculares
- Choque hipovolêmico.
Laboratório
§ Sangue
Bioquímica
- Bilirrubinas – níveis aumentados;
- Aminotransferases e Gama-glutamil transferase – moderadamente elevados; podem ser normais, mesmo em pacientes ictéricos;
- Amilase e lípase pancreáticas – aumentadas;
- Hipocalemia;
- Uréia e creatinina – elevados;
Coagulograma
- Trombocitopenia;
- Tempo de protrombina aumentado.
Hemograma
- Anemia – em função do grau de hemorragia;
- Leucócitos – faixa normal com desvio para a esquerda; em quadros graves há leucocitose;
- VHS – elevada.
§ Urina
- Piúria estéril;
- Hematúria;
- Proteinúria;
- Cilindrúria.
§ Líquor - pleocitose.
§ RX de tórax
– Infiltrados unilaterais, bilaterais ou multifocais;
- Derrame pleural;
- Cardiomegalia e edema pulmonar – em presença de miocardite.
§ Ultrassonografia do trato biliar - diagnostica colecistite.
§ ECG
- Inversão de onda T;
- Elevação do segmento ST;
- Bloqueio atrioventricular de primeiro grau.
§ Sorologia
- Teste de microaglutinação – padrão de referência para o diagnóstico de leptospirose. É realizado em duas amostras, na fase aguda e 15 dias após, considerando-se o resultado positivo quando há um aumento de 4 vezes ou mais nos títulos entre os dois exames.
- Hemaglutinação indireta.
- Ensaio imunoenzimático – Elisa;
- IgM dot – Elisa.
§ Pesquisa direta de leptospiras – em tecidos infectados:
- Microscopia em campo escuro;
- Fluorescência direta.
§ Cultura
Em sangue, líquor, urina e tecidos.
O tratamento não deve se basear exames laboratoriais, já que o resultado da cultura é demorado e a sensibilidade da sorologia na fase aguda é baixa, devendo ser iniciado em casos de quadro clínico compatível e história de exposição a fator de risco.
Tratamento
Antibióticos
Embora não haja comprovação da eficácia de antibióticos na leptospirose, devem ser administrados a partir do diagnóstico, sem esperar pelos resultados laboratoriais. Esta conduta encurta o tempo de doença e reduz a gravidade. Os antibióticos recomendados são:
- Penicilina cristalina – em casos de moderados a graves. Dose:
- Adultos – 1 500 000 U, de 6 / 6 h – durante 7 dias;
- Crianças – 100 000 U/kg/dia, de 6/6h – por 7 dias.
-Doxicilina – utilizado em casos leves. Dose:
- Adultos – 100 mg, 2x/dia – 7 dias;
- Crianças – usar a partir de 8 anos – 4 mg/kg/dia, de 12/12h – durante 7 dias.
Antibióticos de segunda linha para adultos e em crianças abaixo de 8 anos
- Ampicilina
- Adultos – 750 mg de 6/6h – 7 dias;
- Crianças – 75 a 100 mg/kg/dia, de 6/6h – 7 dias.
- Amoxicilina
- Adultos – 500 mg de 6/6h – 7 dias;
- Crianças – 50 mg/kg/dia, de 6/6 ou 8/8 h – 7 dias.
Suporte
- Hidratação venosa com correção dos distúrbios eletrolíticos;
- Oxigênio;
Insuficiência renal – diálise, diuréticos e agentes inotrópicos.
Insuficiência respiratória – ventilação mecânica.
Prevenção
Em adultos, a administração de Doxicilina (200 mg/semana) é recomendada em situações de risco.
Em casos de inundações, a orientação é que se evite o contato com água contaminada e, caso não seja possível, que se diminua o risco com o uso de roupas, calçados e medidas de higiene.
Vacinas não são eficazes pela grande quantidade de sorotipos patogênicos.
Prognóstico
A leptospirose tem taxa de mortalidade de 10%, em casos com insuficiência renal, hemorragia maciça ou síndrome de desconforto respiratório agudo. Os demais pacientes, mesmo os que apresentam casos graves, recuperam-se bem com pouca morbidade:
- Funções hepáticas e renais retornam ao normal, mesmo em pacientes submetidos à diálise;
- Pacientes que apresentaram uveíte podem ter perda de acuidade visual persistente e visão embaçada.
- Em casos de meningite, alguns pacientes (aproximadamente 1/3) relatam cefaléia periódica de intensidade variável.
Conclusão
A leptospirose é uma infecção bacteriana causada pelo contato com água e solo contaminados com urina de animais, principalmente ratos, com boa recuperação na maioria dos casos.
Ocorre, principalmente, em situações de calamidade pública, como inundações. É importante, nestas situações, que sejam divulgadas orientações quanto à prevenção, como uso de roupas protetoras e calçados, medidas de higiene corporal e ambiental e procura de atendimento médico aos primeiros sintomas.
Quanto ao atendimento médico é importante que se valorize a história do paciente, pois o quadro inicial se confunde com uma infecção viral e a evolução pode ser desastrosa, caso não seja administrado o tratamento correto, antibiótico e medidas de suporte.
Referências
1) Gompf GS, Velez PA.Leptospirosis. eMedicine Specialties>Infectious Diseases> Bacterial Infections. 2008; 1-15. http://www.emedicine.com. Acesso em 06/04/2010;
2) Hickey WP. Leptospirosis. Emedicine Specialties>Pediatrics:General Medicine>Infectious disease. 2008; 1-17. http://www.emedicine.com. Acesso em 06/04/2010.
3) Azimi P. Leptospirose. In: Nelson, tratado de pediatria/Robert M. Kliegman...[ET al.]. – 18. ed. Rio de Janeiro:Elsevier,2009; p.1275 – 1276;
4) Marotto FP, Farhat CK.Leptospirose.. In: Farhat CK, Carvalho LHFR, Succi RCM, editores. Infectologia pediátrica. São Paulo: Atheneu; 2007.p. 445 – 451.
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