Lendas, a alegoria que revela o oculto.

Por Pablo Araujo de Carvalho | 12/01/2016 | Religião

Lendas são recursos humanos que descrevem de forma alegórica as qualidades, atributos e atribuições das divindades e dos seres divinos, humanizados por nós, os únicos seres que podem humaniza-los, pois nós fomos qualificados por Deus com essa natureza a humana. Lendas ou mitologias servem antes de tudo para descrever de forma alegórica o que de forma puramente científica seria impossível de ser descrito e introduzido como conhecimento de massa sobre Deus e suas qualidades divinas ou divindades. Humanizar uma divindade ou uma qualidade divina, é tornar concreto algo abstrato, é tornar tangível algo intangível, e é fundamentar algo subjetivo, tendo em vista que uma realidade divina é uma realidade puramente mental ou acessada única e exclusivamente através dos sentidos. Tal como o Amor é uma qualidade divina e um sentido abstrato que ao humaniza-lo o concretizamos na forma de uma união ou casamento. Tal como a Fé que é uma qualidade divina e abstrata que ao humanizarmos essa qualidade a concretizamos na forma de Religião, e assim com tudo que está no campo do sentido ou que adquiri existência em nosso íntimo não sendo palpável ou visível.  As lendas e as mitologias, trazem essa faculdade, que é a de humanizar e depois traduzir uma qualidade divina já num padrão humano para que a criatura entenda melhor o seu Criador, já que somos partes Dele. Hoje em pleno século XXI devemos entender que as lendas são alegorias que nos foram inspiradas para descrever o indescritível, cuja descrição trazem uma essência  e um olhar tipicamente humano sobre Deus e suas qualidades divinas que são em sí suas divindades. Sabemos que a qualidade divina de Deus que ordena tudo na criação, que é representada pelas milícias celestes, cuja a retidão moral o descreve como senhor dos caminhos e que nós umbandistas o temos na conta de Senhor da Lei Maior e que o reverenciamos como o Divino pai Ogum, nas lendas antigas temos varias descrições do divino pai Ogum e uma dessas descrições e das qualidades desse Orixá na mitologia africana mas precisamente na cultura nigeriana refere-se a uma qualidade de Ogum que diz: "Que Ogum é o Orixá que tendo água para banhar-se prefere banhar-se em sangue"  Se levarmos essa descrição ao pé da letra como fazem os fundamentalistas mais dogmáticos, descreveria que uma ação violenta de um filho de Ogum, se justificaria no arquétipo ou qualidade  do Orixá Ogum, pois em uma de  suas lendas ele foi descrito como "Aquele  que tendo água para banhar-se prefere se banhar em sangue" Sabemos que O Divino Pai Ogum é sinônimo de retidão, cordialidade, sobriedade e lealdade, sendo assim um filho de Ogum cuja presença divina habita em seu íntimo, não gera a violência, pois Ogum é sinônimo de respeito e diálogo, e a guerra é justamente a falta de diálogo, é a tirania que não respeita a opinião alheia, assim um ser violento não pode justificar sua ação dizendo: "Sabe o que é, é que sou filho de Ogum o Orixá da guerra  e é por isso que sou assim"  Você até pode ser filho de Ogum, mas um filho cujo íntimo manifesta a ausência do pai Ogum, pois se Ogum é o respeito e o diálogo, toda falta de respeito e diálogo  pressupõe a ausência do Pai Ogum em seu intimo, e Deus não gera violência, pois a violência é somente uma ausência da paz, Ogum também não gera violência, pois Ogum é uma qualidade de Deus, sendo assim, Ogum lida com os violentos, os arredios, e os revoltados, reordenando-os e requilibrando-os para que voltem a vibrar a presença e não a ausência da  divindade Ogum em seu íntimo. Há outra lenda do divino pai Xangô que o descreve como afeito a poligamia, tendo três esposas Oxum,  Inhasã e Obá. Mais uma vez devemos entender as lendas como alegorias ou uma forma que os nossos mais velhos e ancestrais tinham de propagar de forma oral as qualidades de suas divindades no qual a humanizavam em demasia para assim propagar e fixar seu culto. Esse "modus operandi" era um recurso não só do culto as divindades afros e sim também era um recurso dos gregos para com seu panteão Divino narrando histórias de ódio, traição, paixão, inveja, guerras, etc, sendo esses sentimentos gerados tipicamente pela nossa ausência em Deus, porém atribuídos as divindades, pois essa era a única forma de humanizarem e estabelecerem um culto forte a essas qualidades divinas. Hoje temos sim que respeitar essas lendas e mitológias como um patrimônio imaterial que nossos mais velhos se esforçaram dando o melhor de sí para fundamentar em todos os sentidos um culto as divindades Orixás que até hoje  ampara seus filhos. Devemos nos orgulhar da encantadora mitologia africana que não perde em nada para também encantadora mitologia grega. Porém não devemos acreditar nessas lendas como algo real, por exemplo: sou casado e  sou filho do Orixá Xangô, sendo assim sendo eu estabelecido no Brasil, onde a relação matrimonial só se concretiza no regime monogâmico, qualquer traição minha se justificaria na minha ancestralidade divina, pois na lenda do meu Orixá regente o descrevem como um amante poligâmico incorrigível. Devemos procurar o que está por de trás do simbolismo da alegoria, para depois de uma forma racional justifica-la. Primeiro devemos saber em que contexto vivia a sociedade da época cujas lendas e divindades foram humanizadas, na Nigéria a poligamia é natural, tendo como dever o varão ou marido de prover em todos os sentidos todas as suas esposas e ama-las por igual, sendo fiel e dedicados a elas. Sendo assim justifica a lenda (alegoria) no qual Xangô possui três esposas. Algo que possa parecer um absurdo no ocidente fruto de uma cultura judaico-cristã enraizada em nossa cultura atual, se torna normal em outras civilizações e sociedades que não foram influenciadas pela cultura cristã. Xangô tem como a primeira esposa Oxum. Hoje sabemos que Xangô é o sentido da razão e raciocínio e Oxum é o sentido do amor e da concepção. Inhasã é o movimento, é a lei em execução que executa e movimenta a justiça de Xangô na vida dos eguns (espíritos), conduzindo-os em seus caminhos evolutivos. Obá  é a senhora da razão e do raciocínio, é ela que concentra os mandamentos de Xangô para que as leis não sejam dispersas. Xangô rege o elemento fogo, Inhasã o elemento ar e Obá o elemento terra. Oxum rege os minérios enquanto elemento. O fogo se condensado numa barra de ferro(minério) mantem seu calor, mantendo-o aquecido sem se propagar. Aqui (ferro e fogo) simbolicamente está implícito o casamento alegórico de xangô e oxum que simboliza a união, o lar (o calor do fogo retido no ferro). Xangô é justiça e justiça sem amor é tirania, pois só o Amor (Oxum) é capaz de tornar a justiça (Xangô) benevolente.  Já o fogo (Xangô) sem o oxigênio  Inhasã não vive, pois é o ar que o mantém vivo, e é o ar que propaga as leis que vão se espalhando de boca em boca ou de chacra laríngeo em chacra laríngeo a justiça de Xango. Sem a lei de  Inhasã para executar, a justiça de Xangô  não se torna legítima e aplicável. Obá é a terra fértil que dá estabilidade e torna criativo os mandamentos de Xangô para que assim ampare toda a criação. Daí sim se justifica uma lenda que alegoricamente envolve um "triângulo amoroso". Temos que entender que os nossos irmãos ancestrais tinham suas próprias formas de propagação de suas religiões e divindades que para a época eram válidas, porem hoje serve somente para desvendarmos as qualidades que está por traz de um arquétipo, de um símbolo ou de uma lenda que traz oculta, as qualidades, atributos e atribuições de um Orixá. Há uma lenda de Exu que diz assim: Havia uma estrada que dividia duas fazendas, cujos fazendeiros eram amigos. Certa vez passou um homem por essa estrada, que sobre a cabeça usava um vistoso chapéu. Ao final do dia, os fazendeiros comentaram o fato. Um deles disse: “Viram o homem de chapéu preto?” E o outro: “Preto? O chapéu era vermelho como sangue!”. E passaram a discutir. Sem que um conseguisse convencer o outro, acusaram-se mutuamente de mentirosos. Juntou gente para ver o tumúlto. Já estavam nas vias de fato quando lá de cima do morro grita o tal homem: “Parem de brigar, estúpidos! Era eu quem usava o chapéu. Eu sou Exú, e gosto de causar confusão!” PS: Exu não é a confusão mas lida com os confundidos. Exu não é vaidoso mais lida com nossa vaidade. Exu é o senhor da ilusão, não porque ele gera a ilusão ou estimula a ilusão e sim porque esgota nossa vaidade e a nossa ilusão em acreditar que realmente compreendemos o seu mistério ao ponto de estabelecer uma verdade. Nessa lenda Exu está a dizer: Não se apegue aos detalhes, pois cada um na sua forma de enxergar a vida (lado) visualizou parte da cor do meu chapéu (mistério) no qual não permito conhecer por inteiro e só em parte. Porém deixaram que sua vaidade em querer a primazia sobre a verdade absoluta sobre meu mistério (chapéu) gerassem guerra e violência em meu nome. Para entender um mistério divino e Eu sou um mistério de Deus, é preciso elevar-se consciencialmente para cima do morro (estado de consciência elevado ) de onde terão uma visão completa do chapéu que é em sí preto e vermelho (dual) preto, pois desvitaliza tudo o que é nocivo à vida. E vermelho, pois  vitaliza tudo que à vida ampara. E Exu terminou dizendo: os tolos sempre se apegam a detalhes, mas os sábios em silêncio, se elevam e buscam um olhar de cima (elevado) para aí sim descrever um mistério. Por isso uma lenda ou mitologia não deve ser entendida de forma dogmática, pois dessa forma profanamos algo divino com vícios gerados apenas por nós, que ausentes de Deus e de suas divindades, geramos guerras, traições, paixões, etc. Exu é tudo que quiser ser, pois como tudo na criação, ele também assume o olhar que dão a Ele. Exu é tudo menos fundamentalista. A verdade pertence ao tempo. Ame ao mistério Exu como quiserem e ele ainda será somente como o criador o gerou. Como explicar o inexplicável, só nós seres humanos o fazemos.