Lembranças no final de tarde

Por Abelardo Santiago Silvério | 18/11/2012 | Crônicas

Palavras um tanto distintas, descrevem uma das melhores e mais estranhas sensações que existem: o frescor. Digo sim, estranhas, pelo fato me referir a algo extremamente relativo. Afinal, que significa frescor? O friozinho, o bem estar, a brisa, o calafrio, que a depender da situação, pode se tratar de um frescor quente.

São muitas as possibilidades. Isso sem mencionar as intensidades, pois, o frescor de um pode não ser o frescor de outro. Posso gostar de um bom frescor, que pode ser definido por outro, como bom sendo refrescante. Não falo de frescuras e frescuragens, mas de gozo. Quem é este que não gosta de um refrigério para a alma? Quem nunca fugiu do convencional só para senti-lo? Entre umas e outras idas e vindas, o fiz.

Um dia desses, em uma tarde fresca de domingo, resolvi me livrar um pouco dos recantos domésticos, a fim de obter um alívio da pressão que tanto nos é imposta. Fui passear com uns amigos, comprar algumas coisas e por os passos em dia. Há muito não tinha este meu tempo. Tempo de purificação, necessário para aliviarmo-nos dá angústia que é viver numa terra de angustiados. Trazer De volta a tona alguns causos passados e traumas de infância que remetem bem a esta catarse. Sem falar que, tratando-se de amigos machos, é indiscutível a quantidade de sadias e pervertidas asneiras que soltávamos. Como eu precisava disso! Afinal, se existe um vício que certamente não largarei, este é o riso.

Dentre as aventuras e desventuras que relembramos de quando o Geninho esteve apaixonado. Pobre Geninho. Era só mais uma daquelas paixões adolescentes, mais uma daquelas que se pensa ser séria e intrínseca, mas que no fundo, é só uma alusão ao delírio. Passados 20 anos, e nós aqui, agora nos rindo destes infames e sublimes acontecimentos.

Chegou minha vez de falar. Aos trinta e cinco anos de idade, já adquirimos certa coragem, porém, esta não foi suficiente para que os fizesse lembrar-se de um imenso vexame, pela mão dos ditos cujos, que tinha passado no fim do colegial (e pensar que ando com esses trastes até o dia de hoje). Eu falei sobre como cozinhei minha primeira refeição, e sobre a primeira, prematura, embriaguez do meu irmão mais velho. Rimos, rimos, até que debruçamos definitivamente nossas vértebras. Como precisava disso.

Felizmente, não se lembraram da infame situação com a qual eu passei, para meu suspiro. Então, afim de tirar qualquer risco de possibilidade, voltei com o assunto da “paixonite” de Geninho.

Voltamos a rir muito. Teodoro lembrou-se de quando a mãe dele nos falou sobre o sofrimento dele, ao deitar com a foto da amada, derramando lágrimas em um esforço de alcançar o inacessível.

Lembramos também de uma de suas máximas: “Se o amor é uma dor, morrerei por não suportá-la”. Coitado! Mal tinha saído das fraldas, e já jurava morrer de amor. Já dizia o velho filósofo: Não há ninguém, mesmo sem cultura, que não se torne poeta quando o Amor toma conta dele. Tinha Acontecido com o Geninho. Tempos depois, aconteceu com todos, mas ninguém precisou saber.

Enfim dá adeus o Geninho, com um semblante irritado, como quem ouviu algo do qual não gostaria de escutar, e com remorsos nas pálpebras. Rindo-nos dele, pedimos que espere. Ele nos olha, mas não ao caminhão frigorífico que estava por acabar de cruzar a rua. O freio não funciona a tempo, e ele ficou cravado entre o chão e as rodas. Chegamos perto e o vimos. O vimos com lágrimas vermelhas nos olhos, porém, como alguém que atinge o ápice do seu prazer em um momento de extrema e tortuosa dor. Pouco tempo se passa, e cessa-lhe a respiração. Despediu-se ele apenas clamando com os olhos: “Eu ainda a amo”.

E, se o amor é uma dor, a morte é torná-la eterna em outrem.