LEI SECA X PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADES
Por Jorge André Irion jobim | 30/05/2009 | DireitoA Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 estatuiu em seu art. 9º:” Todo homem é presumido inocente, até que tenha sido declarado culpado...”
O objetivo de tal determinação de inspiração Iluminista, foi o de contrabalançar os rigores de leis que tratavam o réu como objeto do processo, quase uma coisa, defendendo-o dos excessos que decorrem da suspeita de culpabilidade e dos rigores inerentes à atividade inquisitiva e à prisão provisória arbitrária. Trata-se de uma conquista que deve ser eternizada e preservada, eis que representa uma consciência superior de cultura e civilização.
Referido brocardo foi acolhido pela nossa Constituição Federal/1988 que em seu art. 5º LVII dispõe que “ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Tendo sido erigido à condição de princípio constitucional que visa salvaguardar os direitos e garantias fundamentais do homem, referido mandamento deve se espraiar e nortear toda a legislação de hierarquia inferior, entre elas as leis complementares e as leis ordinárias. Em suma, qualquer diploma legislativo que contiver alguma disposição que contrarie uma regra constitucional, deve imediatamente ser declarada inconstitucional.
Existe ainda um outro princípio universal aplicado principalmente na área do direito penal; é justamente o de que “ninguém pode ser obrigado a produzir provas contra si”.
Acontece que, atualmente, sob a justificativa de resolver problemas prementes de nossa sociedade, estão surgindo alguns diplomas legislativos elaborados sob a égide da emoção que, ao que tudo indica, querem derrubar essas conquistas jurídicas construídas duramente ao longo da história. Entre elas está a nova Lei 11.705 de 19 de junho de 2008, que alterou o Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97), em vigor desde 20 de junho do mesmo ano.
Atentando contra o princípio da inocência até prova em contrário, está a disposição de seu art.306 que proporciona a possibilidade de prender em flagrante o sujeito todas as vezes que esteja dirigindo com seis decigramas ou mais de álcool por litro de sangue como tem acontecido diariamente. No açodamento de aplicação imediata da lei, estão esquecendo de que a existência do crime do art. 306 pressupõe não só o estar bêbado (sob a influência do álcool ou outra substância psicoativa), cumulativamente com o dirigir anormalmente.
Outra inconstitucionalidade está na determinação contida no artigo 277, parágrafo 3º, do Código de Trânsito Brasileiro que chega às raias do absurdo ao tentar obrigar o cidadão a se submeter ao teste do bafômetro, sob pena de, em se recusando, ficar sujeito às penalidades previstas no artigo 165 do mesmo diploma legal, ou seja, multa, a suspensão do direito de dirigir por 12 meses, e a retenção do veículo e recolhimento da CNH.
Ora, a pergunta que cabe é: será que podemos punir alguém, ainda que administrativamente, pelo fato de exercitar direito albergado no seio de nossa constituição?
Necessário se faz que sejam imediatamente declarados inconstitucionais tais dispositivos legais, eis que do contrário, se atropelarmos a hierarquia das normas, requisito necessário para que tenhamos um mínimo de segurança jurídica, passaremos a viver em meio a um caos jurídico, com o perigo de dormirmos inocentes e acordarmos criminosos de uma hora para outra, tudo apenas com uma “penada”, como se dizia antigamente.
Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria