Lei Pelé: uma década de vigência

Por LEANDRO FABRIS CECCONELLO | 01/12/2011 | Direito

Lei Pelé: uma década de vigência *

 

A Lei 9.615/1998, batizada de Lei Pelé, em homenagem ao ex-jogador que ocupava o cargo de Ministro Extraordinário dos Esportes à época da criação do projeto, constitui-se na unificação das normas gerais do desporto, cujo conteúdo trouxe inovações ao Direito Desportivo Brasileiro.

 Contudo, apesar de tratar-se de uma lei geral sobre o desporto, o foco foi o futebol, o esporte mais popular entre os brasileiros, que vem se tornando cada vez mais um negócio. Diga-se de passagem, muito rentável.

A principal transformação trazida por esta lei no âmbito do vínculo entre jogadores e clubes de futebol foi o fim do chamado “passe”, previsto no art. 11 da Lei nº 6.354/76 e regulamentado pelo Conselho Superior dos Desportos (art. 26 da Lei 8.672/93, a Lei Zico), que determinava, mesmo após o encerramento do contrato de trabalho, que os atletas permanecessem “atrelados” aos clubes, dependendo da liberação deles para poderem transferir-se para outra agremiação. A partir da Lei Pelé, findado o contrato de trabalho, o jogador está liberado para celebrar contrato com outro clube.

A Lei Pelé trouxe, ainda, uma série de conceitos e princípios com o objetivo de moralizar e profissionalizar o futebol profissional no Brasil. Chegou a ser comparada, pelo Ex-Ministro Extraordinário dos Esportes, na época de sua criação, com a Lei Áurea, que, em 1888, extinguiu a escravidão no país.

A regulamentação da Lei Pelé se deu pelo Decreto nº 2.574, de 29/04/1998, porém as intervenções não se esgotaram neste ato. Ao longo de uma década de vigência, a lei sofreu significativas alterações, promovidas, em especial, pelos seguintes instrumentos legais: a) Lei nº 9.981, de 14 de julho de 2000, que teve reflexos de forma significativa nas questões da atividade profissional do desporto, uma vez que procurou atacar, ainda mais, a atividade desportiva não profissional; b) Lei nº 10.672, de 15 de maio de 2003, que promoveu o “amadurecimento” da prática desportiva profissional; c) Lei nº 12.395, de 16 de março de 2011, a qual tem por objetivo a tutela dos direitos dos clubes.

Após uma década de sua vigência, inevitavelmente, surgem algumas dúvidas, dentre elas: Será que a referida lei trouxe de fato os resultados que pretendia? Quem foram os maiores beneficiados por ela? Como ficou a situação dos jogadores?

Em resposta a tais questionamentos, aduz-se que a Lei Pelé representou de fato um avanço na relação entre jogadores e clubes de futebol, principalmente, por ter extinguido um sistema ultrapassado que contemplava a figura do “passe”, incompatível, há tempos, com os preceitos constitucionais, em especial, com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, já que os atletas não possuíam autonomia para decidir seu futuro profissional, sendo tratados como mercadorias. E, por tal razão, verificou-se, desde logo, que a lei, além de outros aspectos, significou a correção de uma “injustiça” legal.

Dessa forma, entende-se que o fato de a Lei Pelé ter sofrido tantas alterações, as quais vão desde a previsão do direito de preferência da entidade formadora para renovar o primeiro contrato do atleta por ela profissionalizado, passando pela conceituação legal de competição profissional até chegar à admissão dos negócios envolvendo direitos de imagem, não implica afirmar que não tenha representado uma evolução, ou que a intenção não tenha sido boa. As diversas alterações sinalizam a necessidade de aperfeiçoamento constante, em virtude do elevado grau de dinamismo das questões inerentes ao futebol.

Inicialmente, a parte mais prejudicada pela mudança radical promovida pela referida lei foram os clubes, uma vez que investiam na formação dos atletas, mas, posteriormente, não obtinham o retorno financeiro esperado, em alguns casos, inclusive, sem receber ressarcimento algum, ou seja, o jogador saia de graça. Muitas dessas situações decorriam do despreparo dos clubes em relação à mudança.

Na sequência, vieram à tona os equívocos e as carências da Lei Pelé. Tais circunstâncias, aliadas ao dinamismo do futebol, resultaram no ajuste natural na relação entre atletas e clubes, em função da maior agilidade proporcionada aos negócios.

A última reforma adveio com a Lei nº 12.395, de 2011, que entrou em vigor, repentinamente, visando à proteção dos clubes formadores de atletas, prejudicados pela versão original da Lei Pelé. A nova lei, por exemplo, veda, aos “empresários”, a representação de atletas menores de 18 (dezoito) anos, disciplina a participação de investidores nos “direitos econômicos” dos atletas, institui o “mecanismo de solidariedade” na transferência nacional, que consiste na destinação de até 5% (cinco por cento) do valor da transação ao clube formador do atleta, etc.

Em última análise, conclui-se que o ponto de partida para a harmonia na relação entre jogadores e clubes de futebol é a busca pelo equilíbrio entre os direitos e as obrigações de ambas as partes, no sentido de que os clubes sejam obrigados a dar aos atletas todas as condições de trabalho de que necessitem. Da mesma forma, que seja garantida às entidades formadoras de atletas a possibilidade de obter o retorno dos investimentos realizados. 

 

 



(*) Síntese do trabalho monográfico apresentado como Aspectos da relação entre jogadores e clubes de futebol na era pós-Lei Pelé para obtenção do título de Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Univates. Lajeado, RS, junho de 2011.