Lei nº 11.343/06: a despenalização da posse de drogas para o consumo pessoal

Por Lucas Brito Ferreira Sousa | 21/06/2018 | Direito

Lei nº 11.343/06: a despenalização da posse de drogas para o consumo pessoal[1]

 

Adriano de Sousa Brito Silva[2]

João Pedro Oliveira da Silva²

Lucas Brito Ferreira Sousa²

João Carlos Moura[3]

 

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A Lei nº 11.343/06 e o seu tratamento brando a respeito da penalização da posse de drogas para uso pessoal; 3. Novo tratamento penal a respeito da posse de drogas ilícitas para uso pessoal; 4. Conclusão; Referências. 

 

 

RESUMO

É importante o estudo sobre o crime de drogas e sua despenalização porque fatores sociais precisam ser levados em conta para a análise de sua reprovação social. O artigo em tela busca criticar a latente característica do Direito Penal brasileiro: a seletividade que criminaliza condutas recorrentes na sociedade com intuito de apaziguar a efervescente pressão social motivada pela mídia. Em primeiro plano, o artigo abordará a lei n° 11.343/06 e seu tratamento brando a respeito da penalização da posse de drogas para uso pessoal, aduzindo que mesmo com as devidas modificações, é questionável a constitucionalidade do dispositivo devendo ser despenalizado o uso de drogas para o consume pessoal. Por fim, abordar-se-á as medidas e inovações acerca de um novo tratamento penal a respeito da posse de drogas ilícitas para uso pessoal.

 

1 INTRODUÇÃO  

 

Com a vigência da nova lei nº 11.343/06 a inovação do tratamento penal dos considerados usuários de droga mudou, passando a puni-los mais brandamente. Isso porque a questão social sobre usuários de drogas passou a ser frequente no país, tornando quase lícito o seu porte. A principal diferença entre a lei n° 11.343/06 e a lei n° 6.368/76 versa a respeito da pena restritiva de liberdade, sendo que esta previa detenção, de seis meses a dois anos, além do pagamento de multa para aquele que adquirisse, guardasse ou trouxesse consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar.

O tratamento penal sobre essa conduta tornou-se mais brando, levantado uma nova questão sobre sua penalização.

É importante o estudo sobre o crime de drogas e sua despenalização porque fatores sociais precisam ser levados em conta para a análise de sua reprovação social. É inerente a qualquer crime que seja observado a culpabilidade a respeito de um tipo penal, ou seja, o grau de reprovabilidade acerca de condutas que contrariam os conceitos e valores sociais, culturais etc.

Talvez a lei n° 11.343/06 tenha observado a mudança nos padrões sociais, tornando assim a pena mais branda e capaz de ser levantadas várias discussões sobre sua existência. O art. 28 mudou a roupagem punitiva a respeito da posse e consumo pessoal de drogas ilícitas. E sobre isso tratará esse artigo.

2 A LEI N° 11.343/06 E SEU TRATAMENTO BRANDO A RESPEITO DA PENALIZAÇÃO DA POSSE DE DROGAS PARA USO PESSOAL

O artigo 28 da Lei nº 11.343, de 2006, inovou no tratamento penal para aqueles considerados usuários de drogas, punindo-os mais brandamente. O anterior artigo 16 da Lei nº 6.368/76, reprimia igual conduta, com uma pena de detenção, de seis a dois anos, além do pagamento de multa, para aquele que adquirisse, guardasse ou trouxesse consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar.

Agora dispõe o artigo 28 da Lei nº 11.343, de 23-08-2006, o seguinte:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas 
II - prestação de serviços à comunidade 
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

 

Como se vê, a parte sancionatória do artigo 28 da Lei Antidrogas não prevê mais qualquer pena corporal. Este tipo penal pune o infrator somente com penas alternativas (advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo) (MALULY, [s/d]).

Em razão deste tratamento mais brando, alguns julgados e doutrinadores, como Luís Flavio Gomes (2008), passaram a sustentar que ocorreu uma descriminalização “formal” de tal conduta, ou seja, uma abolitio criminis, embora a posse de droga para uso próprio não tenha sido legalizada.

O andamento do direito a respeito desse tema já é bem pacificado pela jurisprudência pátria, visto que os tribunais de justiça já entendem que a mudança feita pela lei 11.343/06 dá um tratamento mais brando aos usuários de entorpecentes. Sendo assim, pode-se observar a decisão proferida pelo TJ-SP, pelo Relator Paulo Rossi:

 

AGRAVO EM EXECUÇÃO PROGRESSÃO REGIME SEMIABERTO INDEFERIMENTO AUSÊNCIA REQUISITO OBJETIVO REINCIDÊNCIA ART. 28 LEI 11.343/06 NÃO VERIFICADA O PORTE DE DROGAS PARA USO PRÓPRIO NÃO GERA REINCIDÊNCIA. 1. O legislador deu novo tratamento aos usuários de substâncias entorpecentes que não mais são punidos com pena privativa de liberdade e sim com medidas despenalizadoras. 2. Dessa forma, em observância ao princípio da proporcionalidade, a condenação anterior por infração ao artigo 28 da Lei 11.343/06 ou artigo 16 da Lei 6.368/76, é incapaz de gerar reincidência. 3. De rigor a anulação da decisão recorrida, afastando-se a reincidência do sentenciado, devendo ser proferida nova decisão. Agravo parcialmente provido.

 

(TJ-SP - EP: 00399027220148260000 SP 0039902-72.2014.8.26.0000, Relator: Paulo Rossi, Data de Julgamento: 12/11/2014,  12ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 18/11/2014)

 

Para uma boa parte da doutrina, a criminalização da posse de drogas para consumo pessoal viola o art. 5º, X, da Constituição Federal, no qual se prevê que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Sustenta, em síntese, que o dispositivo constitucional em destaque protege as escolhas dos indivíduos no âmbito privado, desde que não ofensivas a terceiros. Decorreria dessa proteção, portanto, que determinado fato, para que possa ser definido como crime, há de lesionar bens jurídicos alheios.

Porém, o Ministro Gilmar Mendes (2015) e alguns doutrinadores como Capez (2015), entendem que o bem tutelado pelo art. 28 da lei supramencionada é a saúde pública, e está além da vida privada do usuário, “visto que a conduta daquele que traz consigo droga para uso próprio contribui, por si só, para a propagação do vício no meio social” (RE 635659 / SP).

A questão da despenalização não significa que houve um abolitio criminis, uma vez que o crime existe, porém, não há uma pena de privação de liberdade ao indivíduo, observado um fator social que abarca o consume de drogas. Essa questão pode ser interpretada a partir de decisões do STF:

 

I. Posse de droga para consumo pessoal: (art. 28 da L. 11.343/06 - nova lei de drogas): natureza jurídica de crime. 1. O art. 1º da LICP - que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção - não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII). 2. Não se pode, na interpretação da L. 11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo "rigor técnico", que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado "Dos Crimes e das Penas", só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30). 3. Ao uso da expressão "reincidência", também não se pode emprestar um sentido "popular", especialmente porque, em linha de princípio, somente disposição expressa em contrário na L. 11.343/06 afastaria a regra geral do C. Penal 2 Em elaboração RE 635659 / SP (C.Penal, art. 12). 4. Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343, art. 30). 6. Ocorrência, pois, de "despenalização", entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade. 7. Questão de ordem resolvida no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis (C.Penal, art. 107). II. Prescrição: consumação, à vista do art. 30 da L. 11.343/06, pelo decurso de mais de 2 anos dos fatos, sem qualquer causa interruptiva. III. Recurso extraordinário julgado prejudicado. (RE 430105 QO/RJ, Relator Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 13.2.2007, Primeira Turma, DJ 27.4.2007).

Por fim, o entendimento dado pela nova lei é que o consumo de drogas ilícitas continua sendo crime, porém, a pena restritiva de liberdade não é mais aplicada por entender o ordenamento jurídico ser uma questão pessoal e não de saúde pública, por isso, há de se falar em despenalização do porte de drogas ilícitas para uso pessoal.

3 NOVO TRATAMENTO PENAL A RESPEITO DA POSSE DE DROGAS ILÍCITAS PARA USO PESSOAL

O direito penal busca penalizar condutas que são contra os valores morais e sociais da sociedade, reprimindo aquelas condutos que são reprováveis. A lei 11.434/06 tenta amenizar o modo de penalização do usuário de drogas.

Para tanto, argumenta-se que a infração prevista no artigo 28 da Lei nº 11.343/06 não pode ser tratada nem como crime nem como contravenção, porque a sua parte sancionatória não se enquadra nas definições previstas no artigo 1º da Lei de Introdução do Código Penal, para o qual crime é a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente quer alternativamente ou cumulativamente com a sanção de multa, enquanto que contravenção penal é a infração a que a lei cominada, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Por despenalização, Gomes (2008, p. 45) compreende que “significa suavizar a resposta penal, evitando-se ou mitigando-se o uso de pena de prisão, mas mantendo – se intacto o caráter de ‘crime’ da infração (o fato continua sendo infração penal). O caminho natural decorrente da despenalização consiste na adoção de penas alternativas para o delito.”

No mesmo sentido argumenta Fernando Capez (2014) que não houve a descriminalização da conduta. O fato continua a ter a natureza de crime, na medida em que a própria Lei o inseriu no capítulo relativo aos crimes e às penas (Capítulo III); além do que as sanções só podem ser aplicadas por juiz criminal e não por autoridade administrativa, e mediante o devido processo legal (no caso, o procedimento criminal do Juizado Especial Criminal, conforme expressa determinação legal do art. 48, § 1º, da nova Lei). A LICP está ultrapassada nesse aspecto e não pode ditar os parâmetros para a nova tipificação legal do século XXI.

Não havendo a descriminalização, a despenalização torna-se evidente, assim como aponta Vladimir Brega Filho e Marcelo Gonçalves Saliba (2007):

 

A nova lei de tóxicos manteve o crime no art. 28. Não se pode falar em descriminalização, porém seu caráter despenalizador é indiscutível. A nova figura aboliu as penas privativas de liberdade e pecuniária ou inominada, perda de bens e valores e interdição temporária de direitos. (...) o caráter ilícito da conduta descrita no art. 28 é inegável e igualmente inegável a substituição da sanção penal.

 

É importante reconhecer que o direito vai se moldando aos valores e comportamentos sociais, uma vez que se faz como fonte do direito.

A criminalização do porte de drogas para uso pessoal tem sido objeto de acirradas discussões, caracterizadas por uma exacerbada polarização entre proibição e legalização. “Desvia-se, com isso, de questões essenciais ao debate. Por essa razão, mostra-se pertinente que se clarifiquem alguns conceitos para uma melhor compreensão das diversas práticas regulatórias em relação ao tema” (RE 635659 / SP).

Em primeiro lugar, entende-se por proibição o estabelecimento de sanções criminais em relação à produção, distribuição e posse de certas drogas para fins não medicinais ou científicos. É esse o termo utilizado 14 Em elaboração RE 635659 / SP pelo regime internacional de controle de drogas, fundado nas Convenções capitaneadas pela ONU, assim como pelas legislações domésticas. Quando falamos em proibição, estamos nos referindo, portanto, a políticas de drogas essencialmente estruturadas por meio de normas penais (GRECO, 2011).

Em posição menos rígida na escala das políticas adotadas, convencionou-se denominar de despenalização a exclusão de pena privativa de liberdade em relação a condutas de posse para uso pessoal, bem como em relação a outras condutas de menor potencial ofensivo, sem afastá-las, portanto, do campo da criminalização. É esse o modelo adotado pelo art. 28 da Lei 11.343/2006 (GRECO, 2015).

Portanto, ao analisarmos o novo aspecto da lei 11.343/06, no seu art. 28, não temos como aferir a conduta passível de penalização, pois o usuário de entorpecentes não será mais privado de sua liberdade.

4 CONCLUSÃO

A sociedade é marcada pela alternância de ciclos, segundo Aury Lopes Junior (2014) ela é cercada por épocas de grande opressão e de épocas em que a liberdade e os mais variados direitos possuem enorme proteção, ocasionando uma oscilação natural entre opressão e liberdade, entre punitivismo e garantismo, que são características intrínsecas a qualquer agrupamento social. É valido ressaltar que o Direito acompanha os costumes e mudanças sociais, em especial o Direito Penal pelo seu caráter de maior utilização como um meio de controle social. Dessa forma, a lei n° 11.343/2006 é marcada pelo o fim das penas privativas de liberdade como sanção em casos de posse de drogas para consumo pessoal, sendo substituída por advertências sobre os próprios efeitos da droga, a prestação de serviços e medidas educativas. É valido ressaltar que apesar do uso de drogas continuarem sendo consideradas como crime, essas alterações acompanham as evoluções da sociedade, de certa forma com passos lentos, porém possibilita discussões sobre a possibilidade de futuramente ocorrer a despenalização da posse de drogas para o consumo pessoal.

São avanços claros principalmente para uma sociedade conversadora, que classifica o usuário como um ser que foge da normalidade ao passo que essa comunidade não permite a despenalização do consumo utilizando-se de argumentos de afronta a saúde pública, sem antes observar que esse argumento deveria também criminalizar o uso de bebidas alcoólicas e cigarros. Avanços nítidos, contudo insuficientes.

A penalização do consumo viola direitos constitucionais como a intimidade, vida privada, a honra e a imagem e afronta o principio da lesividade, principio penal que legitima a ação do Estado e a opressão do Direito Penal em permitir a punição em condutas que gerem lesão ou exponham bens jurídicos ao risco. Conduta lesiva essa que deve afetar interesses de terceiros. Se a tentativa de suicídio não é penalizada pelo simples fato de não haver lesão à terceiro, o singelo consumo não gera lesão à sociedade, nem mesmo a terceiros, tornando a penalização inconstitucional.

Analisando tais aspectos, notória é a relevância da aplicação dos princípios constitucionais, assim como a desconstrução da atual aplicação desnecessária do equipamento estatal para combater o consumo. De forma a evidenciar possíveis soluções para tais problemas, o desenvolvimento apresentado explicitou a importância da lei 11.343/06 em seu tratamento brando para o uso, porém ações que se mostram como respostas insuficientes para as adversidades encontradas. Assim como apresentou um novo tratamento penal para essa conduta, com a efetiva despenalização.

REFERÊNCIAS

CAPEZ. Fernando. A nova Lei de tóxicos, modificações legais relativas à figura do usuário. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal nº14, 2006.

FILHO. Vladimir Brega e SALIBA. Marcelo Gonçalves. A nova Lei de tóxicos: Usuários e dependentes – descriminalização, transação penal e retroatividade benéfica. Revista Magister de Direito Penal e Processual Pena, nº16, 2007.

GIACOMOLLI, Nereu José. Análise crítica da problemática das drogas e a Lei 11.343/2006. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM): revista bimestral, ano 16, nº. 71, mar-abr. 08.

GOMES. Luiz Flávio (coordenador). Nova Lei de drogas comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos: Prevenção e repressão. Comentários à Lei 11.343/2006 – Lei de Drogas. São Paulo. Ed. Saraiva, 2011.

LOPES JR, Aury. Direito processual penal. - 11. ed. - São Paulo: Saraiva, 2014.

MALULY, Jorge Assaf. Lei 11.343/06. A despenalização da posse de drogas para uso pessoal. s/d . Disponível em : http://www.conamp.org.br/pt/biblioteca/artigos/item/417-lei-11-343-06-a-despenalizacao-da-posse-de-drogas-para-o-consumo-pessoal.html . Acessoem: 12 .mar . 2016

RODRIGUES, William Costa. Metodologia Científica. Disponível em: Acesso em: 14 de mar. 2016.

TJ-SP - EP: 00399027220148260000 SP 0039902-72.2014.8.26.0000, Relator: Paulo Rossi, Data de Julgamento: 12/11/2014,  12ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 18/11/2014.

 

[1] Paper apresentado à disciplina Direito Penal Especial III, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Alunos do 6° Período Vespertino, da UNDB.

[3] Professor, Orientador.

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