Lei maria da penha: instrumento de proteção as mulheres ou atalho para garantia de medidas que deveriam ser interpostas na esfera cível
Por ruth henn | 14/08/2012 | DireitoLEI MARIA DA PENHA: Instrumento de proteção as Mulheres ou atalho para garantia de medidas que deveriam ser interpostas na esfera Cível?
Ruth Hemn[1]
RESUMO
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A presente pesquisa trata de um estudo teórico/prático da Lei Maria da Penha como instrumento de proteção as mulheres, ressaltando-se a experiência cotidiana da pesquisadora como Delegada de Polícia na Delegacia de Proteção a Mulher, Criança e Adolescente da Comarca de Balneário Camboriú. Procura-se evidenciar nesta pesquisa a inversão, na utilização equivocada da lei aos mecanismos dispostos na Lei Maria da Penha, colocados a disposição da mulher, vitima de violência domestica,os quais são utilizados como um atalho para dirimir conflitos da esfera cível. Para tanto, utiliza-se o método indutivo.
PALAVRAS-CHAVE: Lei Maria da Penha. Medidas cíveis. Medidas Protetivas. Mulher. Violência Domestica.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho cientifico tem por objeto analisar alguns aspectos da Lei 11.340/06, a chamada “Lei Maria da Penha”, observando os múltiplos pensamentos doutrinários, as raízes, as fontes, estudará as inovações legais, o novo tratamento e procedimento, as conseqüências para os envolvidos na relação de violência doméstica, objeto da norma citada, buscará entender, explicitar a situação, as particularidades, tanto do agressor, como da vítima, salientando-se a questão da problemática apresentada, qual seja, se a Lei em tese constitui instrumento de proteção as mulheres ou atalho para garantia de medidas que deveriam ser interpostas na esfera cível.
Para uma melhor compreensão do tema proposto, primeiramente faz-se uma exposição sobre as diferenças de gênero que são uma das causas da existência da violência doméstica e uma das percussoras da existência da Lei 11.340/2006.
Posteriormente, faz-se uma analise sobre a violência domestica e suas formas de expressão, a denominação da Lei Maria da Penha e ainda, a atuação dos órgãos públicos na defesa dos direitos das mulheres vitimas de violência domestica.
Finalizando-se a pesquisa, faz-se um relato da experiência prática cotidiana da pesquisadora em sua atuação como Delegada de Polícia da Comarca de Balneário Camboriu, especificamente na Delegacia de Proteção a Mulher, criança e ao adolescente, ressaltado-se os casos relacionados á problemática apresentada.
2 DEFINIÇÕES DE GÊNERO
A importância do estudo deste termo é compreender mais adiante, que as diferenças de gênero são uma das causas da existência da violência doméstica e uma das percussoras da existência da Lei 11.340/2006.
Segundo o dicionário de língua portuguesa Aurélio[2], a palavra “gênero” significa: “A forma culturalmente elaborada que a diferença sexual toma em cada sociedade, e que se manifesta nos papéis e status atribuídos a cada sexo e constitutivos da identidade sexual dos indivíduos”.
É possível então definir gênero, como sendo uma relação à sociedade, que consiste na construção social que rodeia um indivíduo de determinado sexo, dividindo-se em feminino e masculino. De uma forma mais específica, “gênero” estabelece uma identidade ou papel que este indivíduo tenha ou deva ter, segundo paradigmas estabelecidos pela sociedade e, define características tanto comuns para pessoas de um determinado sexo como atribuídas implicitamente, a nível individual, a qualquer um desse sexo.
Costuma-se confundir as expressões, Gênero e Sexo, no entanto, a enciclopédia livre Wikipédia[3] explica, que estas expressões possuem conceitos diferenciados; “sexo” do latim sexu, são as características estruturais e funcionais que permitem distinguir os organismos macho e fêmea ou ainda, pode-se dizer, diferenças anátomo-fisiológicas existentes entre homens e mulheres.
Estas características que diferenciam os seres humanos, físicas, biológicas, anatômicas, fisiológicas, definindo macho ou fêmea. Características reconhecidas através de dados corporais, como os órgãos genitais. “Sexo” é uma construção natural, o indivíduo nasce com essa diferença, não é como o “Gênero”, que como visto, trata-se de uma construção da sociedade.
Para Castilho[4], “sexo é uma categoria biológica insuficiente para explicar os papéis sociais atribuídos ao homem e à mulher. ‘Gênero’ veio como uma categoria de análise das ciências sociais”.
Já Scott, citado por Moreira Neto[5] define Gênero da seguinte forma:
[...] é empregado para designar as relações sociais entre os sexos significando, assim, uma maneira de indicar ‘construções sociais’ - a criação inteiramente social de idéias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres. O gênero é, segundo esta definição, uma categoria social imposta sobre o corpo sexuado.
Segundo o Ministério da Justiça[6], esta palavra “é um conjunto de características sociais, culturais, políticas, psicológicas, jurídicas e econômicas atribuídas às pessoas de forma diferenciada de acordo com o sexo”. Diz ainda, que estas características são construções sócio-culturais que variam ao longo da história, e se referem a papéis psicológicos e culturais dados pela sociedade a cada indivíduo de acordo com o que considera “masculino” e “feminino”.
Com essas afirmações, verifica-se que gênero é uma forma diferente de olhar a realidade da vida, e assim tentar compreender as relações sociais entre homens e mulheres, também as relação de poder entre os sexos.
As questões de gênero estão presentes em nosso cotidiano, e normalmente são claramente identificadas, seja nas relações de convívio infrafamiliar, sejam nas relações de trabalho, relações políticas, e em diversas outras.
Mas, de onde surgiu a expressão “gênero”?
Explica Moreira Neto[7] que é recente a emergência do gênero enquanto categoria de análise, e surge como tentativa de haver compreensões teóricas com relação aos questionamentos que surgem das práticas políticas, que marcaram o percurso de alguns movimentos sociais, principalmente o feminista. Movimentos estes, que colocam em questão e discutem algumas posturas e comportamentos, que tradicionalmente eram colocados pela sociedade como uma forma normal, usando como explicações “naturais” para atitudes arbitrárias, procedimentos discriminatórios e políticas e atitudes de dominação e submissão.
Uma retrospectiva aos anos 60 é feita por Moreira Neto[8], quando eclodiu a chamada “revolução cultural” que traz à cena as questões de submissão e opressão feminina, revolução enfocada pela luta dos movimentos feministas, que inicia discussões referentes a questões como a sexualidade, corpo, autonomia feminina, aborto, etc. Nos anos 70 surgiu a tentativa de separação teoria e política, militância, esquematização e explicação científica da opressão feminina. Aconteceu, por um lado, a partir das reivindicações do movimento feminista de que a “história oficial e universal” é parcial, e, por outro lado, com a crescente participação das feministas nas academias e Universidades e, ao mesmo tempo, o tratamento marginal que receberam. E por fim, o definitivo rompimento entre política e teoria acontece nos anos 80, com o efetivo surgimento do termo “Gênero”.
Ainda com relação ao surgimento desta expressão, Saffioti citada por Moraes e Naves[9] , afirmam, houve uma grandiosa contribuição das feministas norte-americanas no princípio da década de 70, que afirmavam “O pessoal é político”. Porém, ainda na atualidade se tenta dizer que a relação entre homem e mulher é uma relação pessoal e não política, isso para desviar a atenção dos membros da sociedade quanto às profundas desigualdades existentes. Todas as relações humanas são interpessoais.
No mesmo sentido, quanto ao surgimento do Gênero, afirma Castilho[10] em sua visão:
A palavra “gênero” começa a ser utilizada nos anos 80 do século XX, pelas feministas americanas e inglesas, para explicar a desigualdade entre homens e mulheres concretizada em discriminação e opressão das mulheres. Nessa época, as investigações sobre a condição social das mulheres já apontavam uma forte desigualdade entre homens e mulheres, que tendia a aumentar conforme a classe social, raça, etnia e outras condições de vida. A desigualdade abarcava a esfera pública e privada. Na primeira, era visível nos salários menores do que o dos homens em serviços iguais e na pequena participação política. Na esfera privada, se evidenciava pela dupla moral sexual e na delegação de papéis domésticos. A desigualdade era e ainda é justificada, por setores conservadores religiosos, científicos e políticos, pela diferença biológica entre homens e mulheres. Muitos crêem que as diferenças sociais são essenciais, naturais e inevitáveis.
Ressalta Scott, citado por Moreira Neto[11] que “o termo gênero é uma tentativa das feministas contemporâneas de buscar caminhos de definição que difiram das teorias existentes de explicação das origens da desigualdade entre homens e mulheres”.
É possível afirmar então que as relações de gênero nem sempre foram ao longo da história como são atualmente.
Expõe Saffioti, citada por Moraes e Naves[12], atualmente a superioridade e prioridade são masculinas, e isso se perfaz ao longo da história, cerca de 6 ou 7 mil anos, porém existiram antes disso, muitas sociedades igualitária no âmbito do gênero. Naquela época, homens e mulheres, ainda que respeitando uma divisão sexual do trabalho, eram considerados socialmente iguais, assim desfrutavam de igual prestígio e consideração. Com isso se contraria inúmeras opiniões, pois normalmente se pensa que as relações de gênero só vêm melhorando conforme o passar dos anos. De certa forma estão, no entanto, pioram em alguns aspectos. Pode-se observar que aos poucos a expressão e consciência de “gênero” vêm se inserindo nas sociedades.
Afirma Castilho[13] que:
A expressão gênero vem, paulatinamente, se incorporando nos instrumentos normativos internacionais e na legislação dos países. [...] O Tribunal Penal Internacional, criado pelo Estatuto de Roma, incorpora (a) uma definição de gênero, (b) o princípio da não-discriminação baseada em gênero, (c) normas de procedimento e prova, proteção e participação em relação a vítimas e testemunhas de crimes de violência sexual, e (d) criminaliza em nível internacional a violência sexual e de gênero. O primeiro ponto notável é a introdução do conceito gênero em um instrumento legal internacional. [...] É uma redação fruto de negociação intensa com o Vaticano e os países islâmicos, que reduzem o gênero a uma questão biológica. A expressão “dentro do contexto da sociedade” dá-lhe a perspectiva cultural necessária, embora de forma imprecisa e insuficiente.
Castilho[14] acredita que com a criação da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, no Brasil em 2003, ganhou forma a perspectiva de gênero.
A identidade sexual, antes dicotômica (masculino-feminino), ampliou-e para abranger homossexuais, lésbicas, transexuais, travestis etc., que não se identificam como homens ou mulheres. Hoje se sabe que o suposto sexo biológico e a identidade subjetiva nem sempre coincidem. Uma das versões mais atuais do conceito de gênero, de Marta Lamas, alude a uma rede de inter-relações e interações sociais que se constroem a partir da divisão simbólica dos sexos. Lamas nega qualquer base biológica e mesmo cultural à noção de gênero. A seu ver, é uma lógica de pensamento, emoções e representação da subjetividade íntima das pessoas.”.
Segundo Miller, citada por Moraes e Naves[15] “a sociedade é uma civilização em constante avanço, e passamos, através da história, por períodos de crescimento e evolução”.
A humanidade está passando por um período de adolescência, pois a sociedade está espelhando as qualidades de um adolescente, quando busca independência, muitas vezes rejeitando seus padrões por sua identidade própria.
2.1 Diferenças, desigualdades e discriminações.
Não há como negar que homens e mulheres são efetivamente diferentes, assim como não se pode negar que existem incontáveis outros fatores que diferenciam os seres humanos uns dos outros. Imagina-se que se o contrário fosse, viveríamos num caos ou, numa insuportável monotonia.
Contudo, é claro que somos diferentes, neste sentido afirma Saffioti, citada por Moraes e Naves[16], “homens são diferentes de mulheres, negros de brancos, pobres de ricos, porque a diferença começa pelo trato da pele e termina, digamos, na saúde.”.
Para Saffioti, citada por Moraes e Naves[17], as diferenças são saudáveis e naturais, o que é absolutamente reprovável são as desigualdades. E a sociedade constrói as desigualdades com base nas diferenças, ou seja, acabam convertendo simples diferenças em desigualdade.
Expressa Rousseau, citado por Afonso da Silva[18] expressa a linha de raciocínio de que a desigualdade entre os homens se dividiam em duas espécies, quais sejam:
[...] uma que se chamava natural ou física, porque estabelecida pela natureza, consistente na diferençadas idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito e da alma; outra, que denominava desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção, e é estabelecida, ou ao menos autorizada, pelo consentimento dos homens, consistindo nos diferentes privilégios que uns gozavam em detrimento dos outros, como ser mais ricos, mais pobres, mais poderosos.
Esta teoria remete ao fato da existência, há 6 ou 7 mil anos, de uma sociedade igualitária com relação ao gênero, conforme citado anteriormente, para Saffiot, citada por Moraes e Naves[19]:
[...] terem existido sociedades igualitárias no ângulo do gênero reforça a idéia de que as sociedades são mesmo socialmente construídas. Se foi assim, se é assim, podemos desconstruí-las e alcançar uma sociedade igualitária do ponto de vista da economia, do gênero, da raça, extinguindo até mesmo, numa certa medida, as desigualdade existentes entre pessoas vivendo diferentes fases da vida.
Através das desigualdades surgem as discriminações, estas com diversos significados distintos, sendo o mais comum, segundo a enciclopédia livre Wikipédia[20], a discriminação sociológica, que abrange a discriminação sexual, racial, religiosa, étnica ou especista (por espécie). O ato de discriminar ocorre de duas formas, sendo direta e indiretamente; a primeira, visível, expressamente manifestada pelo autor do ato discriminatório, através de uma maneira totalmente reprovável; a segunda, indireta, manifestada de uma forma neutra, velada, mas que produzem efeitos sobre o grupo afetado.
Neste sentido vê-se, a enciclopédia livre Wikipécia[21]:
A discriminação pode se dar por sexo, idade, cor, estado civil, ou por ser a pessoa, portadora de algum tipo de deficiência. Pode ocorrer ainda, simplesmente porque o empregado propôs uma ação reclamatória, contra um ex-patrão ou porque participou de uma greve. Discrimina-se, ainda, por doença, orientação sexual, aparência, e por uma série de outros motivos, que nada têm a ver com os requisitos necessários ao efetivo desempenho da função oferecida. O ato discriminatório pode estar consubstanciado, também, na exigência de certidões pessoais ou de exames médicos dos candidatos a emprego.
Atualmente a discriminação indireta, também chamada de discriminação disfarçada, é a mais comum, já que a discriminação direta é ilegal.
2.2 Esteriótipos de gênero nos processos judiciais
A Constituição Federal de 1988 estabelece em vários de seus dispositivos o princípio da igualdade entre as pessoas, tanto em direitos como em obrigações e, atribui ao Poder Judiciário a competência de apreciar toda forma de lesão ou ameaça ao direito de cada indivíduo.
No entanto, bem como observa Pandjiarjian, citada por Moraes e Naves[22], continuam existindo preconceitos de sexo, classe e raça/etnia, que estão influenciando nas decisões judiciais, e que muitas vezes de forma a prejudicar as mulheres.
Para Almeida, citada por Moraes e Naves[23], destaca que num primeiro momento, deve-se fazer algumas considerações e reflexões a respeito do perfil da mulher para legislação penal brasileira, examinando como a mulher é colocada na legislação penal, seja no código penal, seja nas leis especiais ou até mesmo no código de processo penal.
Com isso, afirma Almeida, citada por Moraes e Naves[24]: “Temos que examinar em que medida a lei penal protege a mulher como pessoal humana e assegura a ela sua condição de mulher, sua dignidade de pessoa.”.
Revela Almeida, citada por Moraes e Naves[25], que o critério adotado pelo legislador ao tratar da mulher autora ou vítima do crime, é o critério biológico. Porém, ao aprofundar essa análise, percebe-se que os crimes escondem uma efetiva seletividade em função do gênero. A lei penal protege a mulher como vítima em determinadas situações ou condições, nãoem todas. Cada crime, cada tipo penal, revela que a proteção à mulher, não se dá em razão da sua condição de pessoa, mas em razão de algum atributo de natureza moral e de natureza física.
Tratando de mulher autora de um delito, Almeida, citada por Moraes e Naves[26], cita o delito de infanticídio, quando a mulher/mãe mata a criança logo após o parto, sob o estado puerperal, o que ameniza a condição da mulher por seu estado físico-psicológico. Ainda, o delito previsto no artigo 134 do Código Penal, que é a exposição ou abandono do recém-nascido para ocultar desonra própria, este ocorrendo por qualquer outro motivo, não terá relevância alguma para o direito penal. Conclui-se, por óbvio, que o perfil da mulher vem carregado de valor simbólico, na medida em que exterioriza uma condição de inferioridade e assimetria.
Ainda diz Almeida, citada por Moraes e Naves[27] que:
A norma penal não faz mais do que reproduzir a assimetria das relações sociais entre homens e mulheres. Ela reforça, na medida em que está vigente ou pelo menos “está em vigor”, esta relação de dominação entre homens e mulheres. A lei penal diz o seguinte: a mulher, para receber sua proteção, deve permanecer no espaço privado, limitando-se a exercer tais ou quais papéis. Do contrário, a lei penal desconhece qualquer direito fundamental.
Almeida, citada por Moraes e Naves[28] alerta também, para o fato de que o Código Penal protege alguns bens fundamentais, tipificando-os em várias condutas, porém não é possível encontrar naquele diploma legal algo que projeta o bem fundamental da igualdade.
Para Pandjiarjian, citada por Moraes e Naves[29], as discriminações que persistem como os preconceitos de sexo, classe e raça/etnia, e influenciam as decisões do poder judiciário, muitas vezes em prejuízo das mulheres, se devem, sobretudo, aos padrões da cultura presentes na sociedade e refletidos nas práticas jurídicas institucionais.
Revela ainda, Pandjiarjian, citada por Moraes e Naves[30], que:
[...] no discurso judicial, revela-se em geral uma violência simbológica, pela
expressão de uma dupla moral no que diz respeito às exigências comportamentais feitas às mulheres, já que seu comportamento é avaliado em função de uma adequação a determinados papéis sociais, em que pesos distintos são atribuídos às atitudes praticadas pelos homens e pelas mulheres.
Estudando alguns casos, pode-se observar que nem sempre os tribunais nacionais garantem efetiva proteção contra atos de discriminação contra as mulheres. Ora são observados, ora não são observados os princípios da igualdade. E ainda se reproduzem estereótipos, preconceitos e discriminação contra as mulheres.
Segundo Pandjiarjian, citada por Moraes e Naves[31], “Estereótipos, preconceitos e discriminações contra homens, tanto quanto em relação às mulheres, interferem negativamente na realização da justiça.”.
No entanto, existem evidências que demonstram que essas negatividades afetam com mais freqüência e mais intensamente as mulheres.
No mesmo sentido, expõe Pandjiarjian, citada por Moraes e Naves[32], que estes estereótipos, preconceitos e discriminações se fazem presentes na nossa cultura e já estão instalados na consciência de cada indivíduo, inclusive na dos operadores do direito, mesmo de forma inconsciente, o que acaba refletindo nas suas práxis jurídicas.
A ideologia patriarcal machista em relação às mulheres, verdadeira violência de gênero, perpetrada por vários(as) operadores(as) do direito, no exercício de suas funções, que fazem mais do que seguir princípios clássicos da doutrina jurídico-penal, como o princípio do in dúbio pro reo, mas valem-se precipuamente da normativa social in dubio pro stereotypo.[33]
3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
São muitas as formas e definições de violência, todas quase sempre muito parecidas. Conceitua Michaud[34] que a palavra Violência vem do latim violentia, denominando um caráter violento ou bravio, força. O verbo violare significa trotar com violência, profanar, transgredir. Tais termos devem ser referidos a vis, que quer dizer, força, vigor, potência. Mais profundamente, a palavra vis significa a força em ação, o recurso de um corpo para exercer a sua força e, portanto a potência, o valor, a força vital.
Violência doméstica é aquela praticada no interior do grupo familiar; Souza[35] conceitua esta forma de violência da seguinte forma:
O termo “violência doméstica” se apresenta com o mesmo significado de “violência familiar” ou ainda de “violência intra-familiar”, circunscrevendo-se aos atos de maltrato desenvolvidos no âmbito domiciliar, residencial ou em relação a um lugar onde habite um grupo familiar, enfatizando prioritariamente, portanto, o aspecto espacial no qual se desenvolve a violência, não deixando expressa uma referencia subjetiva [...].
Assevera o autor[36] que este conceito:
[...] não se ocupa do sujeito submetido à violência, entrando no seu âmbito não só a mulher, mas também qualquer outra pessoa integrante do núcleo familiar (principalmente mulheres, crianças, idosos, deficientes físicos ou deficientes mentais) que venha a sofrer agressões físicas ou psíquicas praticadas por outro membro do mesmo grupo. Trata-se de acepção que não prioriza o fenômeno da discriminação a que a mulher é submetida, dispensando a ela tratamento igualitário em relação aos demais membros do grupo familiar privado.
Nas complexas relações humanas e evoluções sociais sempre ocorrem modificações da forma de organização tanto do homem quanto da sociedade, o que sem sombra de dúvidas reflete na família.
Esta forma de violência é praticada no âmbito familiar, no lar ou na unidade doméstica, geralmente por um membro da família que viva com a vítima, podendo ser esta, homem ou mulher, criança, adolescente ou adulto. Praticada nas relações entre as pessoas da família, entre homens e mulheres, pais, mães e filhos, entre jovens e idosos.
Segundo leciona Souza[37], citando o art. 7° da Lei n.° 11.340, de 07 de agosto de 2006 - Lei Maria da Penha -, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, esta forma de violência pode assumir cinco formas: violência física, sexual, psicológica, patrimonial e moral[38]. Estas formas podem ocorrer individualmente, ou de forma simultânea.
Ainda sobre as modalidades de violência doméstica, assevera Souza[39]:
As modalidades ou espécies de violência que o legislador inseriu neste art. 7° são aquelas que nas pesquisas e relatórios nacionais e internacionais sobre a violência de gênero, surgem como as que mais comumente são praticadas contra as mulheres no âmbito familiar e doméstico e também nas relações íntimas de afeto em geral, mesmo quando não caracterizadas pela coabitação, como ocorre em relação aos namoros, às relações extra-conjugais permanentes, com relação às empregadas doméstica [...]
Mesmo estando presente no seio familiar, a questão da violência doméstica é uma responsabilidade de toda a sociedade, e combatê-la é tarefa árdua, pois não basta apontar o dedo para o agressor, exige-se um questionamento da base familiar daquela instituição em que se desenvolveu a violência.
4 DENOMINAÇÃO “LEI MARIA DA PENHA”
A denominação da Lei 11.340/06 surge em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, biofarmacêutica cearense que diante da inoperância da legislação brasileira, sofreu reiteradas violências no âmbito familiar, pelo marido durante seis anos. Estas violências a ela praticadas culminaram em uma tentativa de homicídio em 1983. Objetivando esquivar-se das acusações a ele dirigidas, o então marido da vítima Maria da Penha tentou desviar sua responsabilidade através da simulação de que a vítima tria sido atacada por ladrões desconhecidos que haviam fugido do local do crime. Diante da impunidade, outras agressões seguiram-se, terminando por deixar em Maria da Penha marcas físicas, como Paraplegia irreversível e ainda, marcas psicológicas.[40]
Tanta dor e sofrimento, entretanto, não a impediram de continuar lutando pelos seus direitos, e contra a violência doméstica. Maria da Penha levou sua batalha pelos Direitos Humanos das mulheres ao campo do direito internacional, diante da omissão brasileira. Essa luta internacional culminou em uma condenação do Estado brasileiro perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão da OEA.[41]
Nesta condenação, a OEA, através do Relatório 54/01 concluiu que o Brasil foi omisso em relação ao problema da violência contra a mulher de modo geral e em particular na adoção de medidas preventivas e repressivas contra o autor das agressões contra Maria da Penha Fernandes, recomendando a adoção de medidas simplificadoras do sistema jurídico nacional, com vistas a possibilitar a real implementação dos direitos já reconhecidos na Convenção Americana e na Convenção de Belém do Pará.[42]
O que se pode observar, diante da violência praticada contra Maria da Penha, inspiradora da Lei 11.340/06, é que o problema da violência do homem em relação a mulher, ultrapassa as fronteiras das classes sociais, não respeitando ainda o grau de intelectualidade do autor da agressão. Este ponto resta evidenciado no próprio caso inspirador da lei, onde o agressor era professor universitário.[43]
A Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, após o período vacatio legis de quarenta e cinco dias, entra em vigor na data de 22 de setembro de 2006. Segundo o item 6 da Exposição de Motivos n.º 016, de 16 de novembro de 2004[44] (Exposição de Motivos da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres), esta lei tem como objetivo aberto:
[...] implementar ações direcionadas a segmentos sociais, historicamente discriminados, como as mulheres, visando a corrigir desigualdades e a promover a inclusão social por meio de políticas públicas específicas, dando a estes grupos um tratamento diferenciado que possibilite compensar as desvantagem sociais oriundas da situação de discriminação e exclusão a que foram expostas.
Ainda na Exposição de motivos[45] desta lei, em seu item 7, está declarado que:
As iniciativas de ações afirmativas visam corrigir a defasagem entre o ideal igualitário predominante e/ou legitimado nas sociedades democráticas modernas e um sistema de relações sociais marcado pela desigualdade e hierarquia.
No texto legal, pode-se observar que a Lei Maria da Penha possui o objetivo manifesto de "coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher", conforme dispõe seu art. 1°, in verbis:
Art.1°. Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Conforme leciona Souza[46], a lei, em seu aspecto objetivo, ou seja, físico-espacial, destina-se, notadamente a combater fatos ocorridos no âmbito doméstico, familiar ou intrafamiliar; já no contexto subjetivo, preocupa-se com a proteção da mulher, contra os atos de violências praticadas por homens ou mulheres com os quais ela tenha ou haja tido uma relação marital ou de afetividade, ou ainda, por qualquer pessoa com as quais conviva no âmbito doméstico e familiar, como por exemplo: o pai, o irmão, o cunhado, a filha, o filho, a neta, o neto, etc., ou com quem mantenha ou já tenha mantido relação de intimidade, não se exigindo, para tanto, a coabitação, ou seja, a convivência no mesmo âmbito físico-espacial.
Deve-se observar ainda que, as pessoas que não tenham vínculo doméstico, familiar e tampouco de afetividade, não são alcançadas por esta lei, exceto quando tenham agido em concurso com quaisquer das pessoas que convivam no âmbito doméstico e familiar da vítima.[47]
Estão excluídos das regras desta lei, caso sejam vítima de agressão no ambiente doméstico e familiar, as pessoas do sexo masculino.[48]
5 ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS
A Lei 11.340/06 faz uma série de ressalvas e estabelece diretrizes para a atuação dos mais diversos órgãos públicos, prevê, inclusive, a criação de equipes de atendimento multidisciplinares. Toda essa atenção especial, dada pela Lei, visa um atendimento mais humano, uma maior mobilização dos órgãos públicos para a resolução do problema enfrentado pela mulher vítima de violência doméstica ou familiar.
Vejamos quais foram estas diretrizes e modificações em cada um dos órgãos que lidam com a violência doméstica e familiar.
5.1 Ministério Público
A Lei Maria da Penha criou e destinou os artigos 25 e 26 para versar sobre a atuação do Ministério Público nos casos de violência doméstica e familiar, vejamos o que diz:
Art. 25. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:
I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros;
II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;
III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.
O Ministério Público é o órgão responsável pela garantia da ordem jurídica, do regime democrático, da moralidade pública e dos direitos sociais e individuais. A instituição é independente, ou seja, tem autonomia com relação aos três poderes, figurando com um verdadeiro “órgão extrapoder”, estando constitucionalmente definido como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (CRFB, art. 127).
Sobre a atuação do Ministério Público de acordo com a Lei 11.340/06, leciona Souza[49]:
Nesta Lei a sua atuação está vinculada principalmente à defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. No que diz respeito aos crimes cuja competência consta dessa Lei, o Ministério Público agirá na sua principal função, que é de proteção da ordem jurídica quando afetada na esfera criminal (CRFB art. 129, inc I), agindo como parte, ao passo que, em relação aos demais atos que reclamam a sua intervenção, estará agindo no resguardo dos interesses sociais e individuais indisponíveis, principalmente da dignidade da vítima de violência (CRFB, art. 1º , inc. III e art. 129, inc. IX), na maioria das vezes como fiscal da lei (custus legis).
Destaca-se a participação do Ministério Público, que passará a ser obrigatória em todas as ações que tenham por objeto o processamento desse tipo de crime, seja no desdobramento civil ou mesmo no criminal.
Estes dispositivos legais realmente ampliaram as atribuições do Ministério Público na esfera administrativa. Assim, ao atender a ofendida em seu gabinete, o Promotor de Justiça poderá também requisitar força policial para fazer cumprir as medidas, além daquelas arroladas na lei, ou quaisquer outras que reputar importante para atender as necessidades da ofendida.
Deverá também fiscalizar as entidades criadas para o atendimento à mulher em situação de violência que deverão ser criadas pelo Poder Público. Para isso será necessário ter no Gabinete da Promotoria de Justiça livro próprio para registrar as visitas e, uma vez constatadas irregularidades, o promotor de justiça deverá propor as medidas administrativas ou as ações cabíveis.
Acerca da elaboração e manutenção deste livro, que registra os atendimentos e demais casos de violência doméstica e familiar, temos, basicamente, duas correntes, Sirvinskas[50] leciona:
O Ministério Público deverá ainda manter um arquivo e nele registrar todos os casos, cadastrando-os para posterior análise e pesquisa ou medidas que poderão ser adotadas na órbita externa como políticas públicas a serem implementadas pelo Poder Público ou servir na órbita interna para elaboração do plano de atuação do Ministério Público.
Há quem critique este cadastro, pois atribuiria mais um encargo ao Ministério Público sem qualquer fim específico e totalmente desarticulado dos demais órgãos públicos responsáveis pelo atendimento da mulher vítima de violência.
Já Pillegi[51] diz:
Estranha-se esta atribuição ao Ministério Público, pois inicialmente estava afeta as Varas Criminais e Juizados Especiais Criminais (artigo 43 do PL 4559, de 2004). Este cadastro era de conhecimento reservado aos Juízes e Ministério Público.[...] Esta atribuição gerará graves problemas administrativos para sua implantação, pois o Ministério Público não faz parte e nem participa de nenhum banco de dados desta espécie.
Já o artigo 26 apresenta um rol complementar de atribuições do Ministério Público, sendo que as previstas nos incisos I e II são atividades típicas do órgão de execução, no caso presente, do promotor de justiça que funcione perante o Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra as Mulheres ou perante a Vara Criminal e que esteja a exercer a competência transitória, na forma do artigo 33 desta Lei. Já no concernente a medida inserta no inciso III, acomoda-se melhor dentre as atribuições institucionais e administrativas do Ministério Público.
Por fim, a lei incumbiu ao Ministério Público, no art.37, acompetência para a defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos nesta lei em igualdade de condições com associação que atue na área e que esteja regularmente constituída a pelo menos um ano, nos termos da legislação civil (art. 5º da Lei n. 7.347/85).
5.2 Autoridade Policial
A Lei criou um capítulo especial destinado ao atendimento pela autoridade policial à mulher em situação de violência doméstica e familiar. Vejamos quais foram as determinações legais inseridas neste capítulo:
Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida protetiva de urgência deferida.
Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:
I – garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;
II – encaminhar a ofendida a hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;
III – fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;
IV – se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;
V – informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.
Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:
I – ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;
II – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;
III – remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;
IV – determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;
V – ouvir o agressor e as testemunhas;
VI – ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;
VII – remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.
§ 1º O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:
I – qualificação da ofendida e do agressor;
II – nome e idade dos dependentes;
III – descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.
§ 2º A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1º o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.
§ 3º Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.
Quando tomar conhecimento da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar, bem como o descumprimento de medida protetiva de urgência já deferida, deve a autoridade policial adotar as providências já disciplinadas pelo Código de Processo Penal.
Atendendo as peculiaridades tratadas nesta Lei, a autoridade policial tem algumas providências a serem adotadas, sempre sob o critério da necessidade, conveniência, bom senso e prudência.
Assim, é possível a proteção policial, o fornecimento de transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de morte (expressão, tecnicamente mais adequada), o seu acompanhamento para assegurar a retirada de seus pertences pessoais do local da ocorrência ou do domicilio familiar. Todas estas medidas, dentre outras, devem ser tomadas ante a necessidade, conveniência, prudência e bom senso, conforme o artigo 11 da Lei 11.340/06.
No tocante às demais providências a serem tomadas pela Autoridade Policial, como o encaminhamento da ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal (inciso II do artigo 11), oitivas da ofendida, oitiva do apontado agressor e testemunhas, colheita de provas, requisições para exame, prazos para a conclusão de Inquérito Policial, são as normais previstas pelo Código de Processo Penal, sem nada inovador.
Uma série de providências cabíveis à autoridade policial, que se não for bem entendida ou mal executada, poderão resultar em graves conseqüências, são as dispostas no inciso V do artigo 11 e inciso III do artigo 12 desta Lei. Estes pedidos deverão ser tomados a termo pela autoridade policial, com qualificação das partes, dos dependentes e uma descrição sucinta dos fatos ocorridos, anexando uma cópia do Boletim de Ocorrência e de todos os documentos em posse da ofendida.
Pileggi[52] ressalta o fato de tais providências devem ser tratadas com muita acuidade pela Autoridade Policial, pois, segundo ele:
Há uma tendência de generalização deste pedido de medidas protetivas, com distritos policiais elaborando uma planilha com várias medidas elencadas, bastando apenas a marcação com um “X” em quadro adequado. Como veremos a seguir, certas medidas protetivas são muito graves e não podem ser solicitadas de maneira inadequada, sob pena de serem indeferidas e se chegar a uma banalização e perda de credibilidade.
Observa-se uma autoridade policial mais participativa, mais protetiva e mais zelosa no atendimento à vítima. Esses cuidados são necessários, pois a prática demonstrou que muitas mulheres não denunciam as agressões por razões diversas, entre as quais se destaca o medo da vingança do agressor contra si ou contra os filhos.
Em casos de violência doméstica e familiar, é fundamental que a vítima efetivamente se sinta protegida, para denunciar e manter a denúncia, permitindo o processamento criminal do agressor até final decisão e condenação, se for o caso.
O artigo 12, como já visto, trata das providências da autoridade policial assim que é feito o registro da ocorrência de crime. Esse dispositivo também se destaca pelo resgate à figura do inquérito policial, antes afastado pela Lei n. 9.099/95, que o substituiu pelo Termo Circunstanciado, aplicável às infrações de menor potencial ofensivo. Tal resgate foi uma reivindicação dos movimentos feministas e enfrenta severas críticas pelos aplicadores do Direito.
Sobre este resgate Nucci[53] escreve:
Inquérito Policial: o art. 12, seguindo a já consagrada tendência de incluir em novas leis preceitos repetidos em outras, o que não é boa técnica legislativa, somente contém uma novidade: o disposto no inciso III. As demais providências (incisos I, II, IV, V, VI e VII) são repetências do Código de Processo Penal, há muito praticadas pelas autoridades policiais. Quanto à remessa, em 48 horas, de expediente apartado ao juiz, contendo o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência, de fato, é inovação positiva. A partir disso, segue-se o disposto no art. 18 desta Lei, para o qual remetemos o leitor.
Também ficou estabelecido que a vítima deverá, sempre, ser encaminhada para exames de corpo de delito e outros exames periciais, quando forem necessários. Como a Lei determina que entes público deverão disponibilizar serviços especializados neste tipo de crime e no atendimento às vítimas, os laudos médicos e exames periciais poderão, e deverão, ser admitidos como meios de prova contra as agressores.
Acerca do exame de corpo de delito, Souza[54] versa da seguinte maneira.
Essa prova pericial nem sempre é necessária, o sendo principalmente naquelas situações em que a infração penal deixa vestígios passíveis de captação por meio do exame pericial, constituindo-se, mesmo nesta hipótese, em uma exceção ao princípio da livre convicção ou convencimento motivado, já que o art. 158 do CPP abre o capítulo reservado ao exame de corpo de delito, e às perícias em geral, dispondo que “quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”. Entretanto, esta regra de exceção também está sujeita a sofrer exceção, na hipótese do art. 167 do mesmo CPP, o qual deixa claro que, “não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”. Em se tratando de violência familiar propriamente dita e sendo esta física, em regra será necessário o exame de corpo de delito. (grifo do autor)
A Lei trouxe uma série de novas atribuições à autoridade policial, como visto, porém fica a dúvida acerca do efetivo cumprimento de tais determinações legais, se há a possibilidade de tais determinações serem cumpridas, neste mesmo sentido, Nucci[55] expõe:
Essa sensação de ruptura entre a lei e o fato concreto gera, lamentavelmente, o sentimento comum a muitos brasileiros de que leis não servem para nada. Desse contexto, brota a incômoda sensação de impunidade, fomentadora, muitas vezes, da prática de crimes. Deve a autoridade policial, quando necessário – e muitas vezes tal situação se dá – garantir proteção policial à mulher vítima de violência doméstica e familiar. Ora, sabe-se que nem mesmo a lei de proteção a testemunhas (Lei 9.807/99) vem sendo, eficientemente, aplicada, por falta de estrutura do Estado em sustentar os programas de proteção. Portanto, como se pretende garantir à mulher vítima de violência uma proteção policial eficiente, pessoal, direta e contínua? Não há agentes policiais suficientes nem mesmo para o patrulhamento de ruas, para a escolta de presos, para a proteção de prédios públicos ou de autoridade ameaçadas. Enfim, a tendência é nada ser feito nessa área, descumprindo-se o disposto no art. 11, I, da Lei 11.340/2006. (grifo do autor)
Desta forma, é com muito receio que os aplicadores do Direito receberam a Lei 11.340/06, pois apesar de inegavelmente ter um belíssimo texto, há que se analisar se há a possibilidade do efetivo cumprimento de seus dispostos, porém, o resultado desta questão apenas será dado pelo tempo, pela prática.
5.2.1 Delegacias de Defesa da Mulher
A primeira Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher foi criada pelo Decreto n. 23.769, de 6 de agosto de 1985, cuja atribuição era a investigação e apuração dos delitos contra pessoas do sexo feminino, sem limitações de idade, referentes a lesões corporais, crimes conta a liberdade pessoal e crimes contra os costumes.
O objetivo da criação de Delegacias especializadas no atendimento às mulheres é criar um espaço institucional de denúncia e repressão à violência contra a mulher, visando a dar um atendimento diferenciado às mulheres vítimas de quaisquer lesões, estimulando-as a denunciarem os agressores.
As Delegacias de Defesa da Mulher foram idealizadas como espaço institucional de combate e prevenção da violência contra a mulher, com quadros formados apenas por policiais mulheres apoiadas por uma equipe de assistentes sociais e de psicólogas. Visava-se criar um espaço em que as mulheres pudessem trazer da noticia dos crimes sem constrangimento, em que fossem ouvidas, e que sua representação fosse encaminhada e todos os procedimentos legais adotados.
Embora tenha sido uma iniciativa pioneira que ainda hoje desperta o interesse de organismos internacionais que trabalham com a assistência de mulheres vitimas de violência e com a defesa dos direitos das mulheres, passados tantos anos de sua criação ainda há uma grande polêmica a respeito do funcionamento das Delegacias de Defesa da Mulher.
Acerca dos problemas de funcionamento das Delegacias de Defesa da Mulher, Cavalcanti[56] diz:
Entre os problemas apontados, estão a falta de recursos materiais e de pessoal especializado, além da rápida multiplicação de delegacias por todo o Estado brasileiro, atendendo mais a interesses políticos do que às reais necessidades de atendimento às vítimas.
Novamente, como já visto, percebemos que, apesar de a intenção do legislador, do Poder Executivo ser a melhor, muitas vezes batem de frente com a escassez de recursos para a Segurança Pública, em certas ocasiões, voltada apenas em agradar eleitores ou a população. Delegacias e leis são criadas, sem que seja elaborado um estudo acerca da viabilidade de sua implantação, resultando assim, em um sentimento de que lei não vale nada, como já dito, e citado, por Nucci[57].
5.3 Juiz
No tocante à atuação dos juízes no caso de incidência de violência doméstica e familiar, a Lei 11.340/06 estabeleceu uma série de procedimentos especiais.
5.3.1 Procedimentos legais
A Lei em estudo, tendo como objetivo coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, traz em seu texto, algumas medidas, essencialmente cautelares, que visam prestar a proteção jurisdicional contra o agressor.
O artigo 18 da referida Lei trata sobre o procedimento a ser tomado pelo Juiz no tocante à concessão das medidas protetivas de urgência, e dispõe, in verbis:
Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.
I – conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;
II – determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;
III – comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.
Após a autoridade policial ter realizado as suas tarefas diligenciais, deverá encaminhar, no prazo de quarenta e oito horas, expediente ao juiz com os pedidos da vítima para a concessão de medidas protetivas de urgência, que serão abordadas adiante, em seguida, no mesmo prazo, o juiz deverá decidir sobre a concessão ou não, sem necessidade de audiência com as partes e manifestação do Ministério Público, porém deverá cientificar este último assim que proferida a decisão. Se assim o juiz preferir, poderá designar audiência preliminar de justificação para a oitiva das partes.
Em relação ao artigo citado, Souza[58] faz duas avaliações, uma quanto ao prazo para decisão acerca das medidas protetivas de urgência e quanto à comunicação ao Ministério Público, vejamos tais ressalvas:
Extrai-se do disposto na cabeça do art. 18 que o juiz dispõe de 48 (quarenta e oito) horas para conhecer do expediente. Note-se que esse é um daqueles “prazos impróprios”, assim denominados, porque são dirigidos ao próprio órgão judicante ou a seus auxiliares, e, em regra, não ensejam conseqüências de ordem processual, produzindo efeitos apenas na órbita administrativa ou disciplinar. O início desse prazo passa a fluir com a conclusão do feito ao Juiz (CPP, art. 800, §1º ), o que impõe a necessidade de verificar que a sucessão de prazos pode dar ensejo a sérios prejuízos para a vítima, isso porque, em conformidade com o art. 12, inc. III, desta Lei, a autoridade policial tem 48 (quarenta e oito) horas para encaminhar o “expediente” ao juiz; feito o encaminhamento, haverá a distribuição e a entrega na Secretaria ou Cartório do Juizado, onde serão adotadas providências administrativas e, após, os autos irão conclusos ao Juiz, o qual terá 48 (quarenta e oito) para decidir sobre as medidas protetivas cabíveis. As autoridades e servidores envolvidos devem ter elevado espírito público e interpretarem sempre, que os prazos fixados são os “máximos” e que diante das situações em que esteja evidenciada a “urgência”, as providências devem ser antecipadas, inclusive no que diz respeito à remessa a ser feita pela autoridade policial, sendo que em relação ao Juiz a prática imediata já consta do §1º do art. 19. Em casos excepcionais, estando a “justa causa” caracterizada, a vítima pode se antecipar e apresentar o requerimento de medidas protetivas ao Ministério Público ou mesmo diretamente ao Juiz, como é da tradição do direito processual penal brasileiro, em relação às medidas cautelares penais e também acha-se autorizado no sistema espanhol (L.O. 1/2004, art. 61, “2”). Analisando esse mesmo sistema, Esparza alerta para o fato de que resulta indubitável que as características especiais que surgem nas infrações penais desta natureza obrigam a não demorar nem um pouco com a resposta judicial. Daí a importância que tem resolver em caráter imediato sobre a adoção, ou não, de uma série de medidas cautelares que permitam proteger as relações de quem decide apresentar denúncia por fatos constitutivos de maltrato.
Já no tocante à comunicação ao Ministério Público:
Recebendo o “expediente” enviado pela Policia Civil, o Juiz analisará, de pronto, se há necessidade de aplicar o disposto no § 1º do art. 19 (deferimento de liminares inaudita altera partes) e, não sendo o caso, abrirá vista ao Ministério Público, para que este adote as medidas pertinentes ao caso, não só as previstas nesta Lei, mas outras que sejam cabíveis e constem do ordenamento brasileiro. Caso seja aplicável o disposto no já mencionado §1º do art. 19 desta Lei, a vista ocorrerá imediatamente após serem adotadas as providências cartorárias necessárias ao cumprimento da medida imposta liminarmente.[59]
Estas medidas objetivam garantir, principalmente, a integridade psicológica, física, moral e material (ou patrimonial) da mulher, vítima de violência doméstica e familiar, para garantir-lhe segurança ao procurar a proteção estatal.[60] Tais medidas poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conforme dispõe o art. 19 da Lei 11.340/06, in verbis:
Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.
§ 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.
§ 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.
§ 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.
O §1º deste artigo estabelece que as medidas podem ser concedidas pelo Juiz independentemente de oitiva do Ministério Público e audiência com as partes. Sobre este parágrafo específico Souza[61] faz a seguinte interpretação:
Parece que a melhor interpretação é de que o legislador está autorizando o juiz a, diante da “representação” a que se refere o art. 12, inc. III, desta Lei, agir na forma preconizada pelo art. 804 do CPC, ou seja, deferir a medida inaudita altera parte, bem como agir ex oficio, seguindo a tradição das cautelares no Processo Penal brasileiro e com sucedâneo também no art. 797 do CPC, que dispõe: “só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará o juiz medidas cautelares sem audiência das partes”. A necessidade da atuação expedita decorre da própria natureza da medida cautelar protetiva, que é de “urgência”.
Nucci[62] tece, sobre este mesmo artigo, o seguinte comentário:
Concessão de medidas das partes: no § 1º do art. 19, prevê-se situação um tanto contraditória com o disposto no caput. O juiz pode deferir de imediato, sem audiência das partes (mulheres – vítima e agressor) e de prévia oitiva do Ministério Público, comunicando-se depois. Para que tal se dê, poderíamos, inclusive, imaginar a hipóteses de decretação de medidas de urgência de ofício. Fora deste contexto, a hipótese seria de requerimento da vítima, exemplificando, sem a oitiva prévia do agressor e do MP, com posterior ciência.
O §2º do referido artigo estabelece que as medidas poderão ser aplicadas cumulativamente ou isoladamente, sem qualquer prejuízo, podendo serem substituídas a qualquer tempo, sempre quando houver ameaça a direito da ofendida ou quando alguma outra medida mostrar-se mais adequada.
Já o §3º estabelece que a ofendida ou o Ministério Público tem legitimidade para requerer novas medidas protetivas de urgência ou, ainda, rever aquelas já concedidas. No caso de o requerimento ter sido feito pela ofendida, o Ministério Público deverá ser ouvido, e no caso de o requerimento ter sido feito por este, a ofendida apenas será ouvida quando a decisão afetar, diretamente, os seus interesses, este é o entendimento de Sérgio Ricardo de Souza.
A Lei ainda criou, em seu artigo 21, o dever do magistrado em notificar a vítima dos atos processuais que envolvem o agressor, especialmente aqueles referente à entrada e saída dos estabelecimentos penitenciários, tal notificação deverá se dar através de qualquer meio lícito, cumpre salientar que não pode o agressor continuar preso em caso de a vítima não ter sido encontrada, n verbis:
Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.
Parágrafo único: A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor.
O parágrafo único do artigo 21 ainda vedou, expressamente, a possibilidade de a vítima entregar intimação ou notificação para o agressor. Prática esta, apesar de parecer grotesca, muito utilizada em algumas Delegaciase em alguns Juizados Especiais, tal atitude era tomada por falta de pessoal nas delegacias e juizados, que sofrem com a míngua de recursos e o excesso de procedimentos. Tal medida ainda, em muitos casos, fazia com que a vítima desistisse de processar o agressor, por medo de enfrentar represálias diretas, já que tinha que entregar a intimação pessoalmente. Sobre este tema temos o seguinte entendimento de Nucci[63]:
Ato do Estado e não da vítima: a entrega de qualquer comunicação policial ou judicial é, no Brasil, ato estatal, como regra. Logo, essa hipótese nem precisaria constar em lei, não fosse o mau hábito de se buscar auxílio da ofendida para cumprir papel que não deveria, em hipótese alguma, ser seu.
A Lei buscou, nestes dispostos citados, garantir à mulher a sua condição de saúde, visou garantir-lhe o direito a vida, criando medidas que a protejam, em caráter de urgência.
No art. 22 da lei em análise, encontram-se relacionadas tais medidas protetivas de urgência vinculadas ao agressor, que podem ser aplicadas em conjunto ou separadamente, in verbis:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
Para garantir a efetivação de seus objetivos, a Lei 11.340/06 prevê ainda, em seu arts. 23 e 24, algumas medidas que visam garantir a integridade moral, física, psicológica, material e patrimonial da mulher, vítima de violência domestica e familiar.
Far-se-á, portanto, uma breve análise destas medidas a seguir. Dispõe o art. 23, in verbis:
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
Posteriormente, no art. 24, encontram-se previstas medidas protetivas de cunho patrimonial, voltadas a impedir a prática comum de o cônjuge, companheiro ou convivente, dilapidar o patrimônio comum ou simular transferência de bens em prejuízo da vítima. Desta forma, preceitua o art. 24, in verbis:
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.
A competência para processar, julgar e executar as causas cíveis relacionadas à violência doméstica e familiar contra a mulher foi definida no artigo 15 da referida Lei; a competência para processar, julgar e executar as causas cíveis relacionadas à violência doméstica e familiar contra a mulher fica a critério da ofendida. Ela poderá escolher qual juízo pretende propor a ação cível: a) no seu domicilio ou de sua residência; b) do lugar do fato em que se baseou a demanda; e d) do domicílio do agressor.
Este artigo não altera a competência prevista no Código de Processo Penal, pois se eventualmente ocorrer a violência em Comarca diversa da residência dos envolvidos, a ofendida poderá entrar com processo cível na sua cidade, enquanto o inquérito policial continuará a ser instaurado na cidade onde ocorreu a agressão.
6 USO DISTORCIDO DA LEI – uma analise diante da experiência prática cotidiana da pesquisadora
Conforme se pode observar, a Lei Maria da Penha procura viabilizar as necessidades imediatas da mulher - vítima de violência doméstica e familiar -, dando-se prioridade no cumprimento das medidas de urgência e permitindo a aplicação eficaz das penalidades sócio-educativas ao agressor. Vê-se, ainda, que a lei garante o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher.
A Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006, não transformou o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em Vara de Família, somente passou a permitir que o juiz criminal pudesse conceder certas medidas, em caráter de urgência, de natureza cível, tão somente. Caso não fosse assim, não haveria possibilidade de se proteger a mulher eficazmente, pois tais medidas só poderiam ser concedidas através do devido processo de separação judicial, nos termos do Código Civil (Título IV – Do Direito de Família, tais como, alimentos definitivos, separações judiciais, divórcios, anulação de atos jurídicos etc.).
A referida lei procura conciliar as medidas de natureza civil com as de caráter criminal, tão somente, para atender as necessidades imediatas da mulher – vítima dessa violência. Uma vez cessados os motivos que levaram a concessão dessas medidas de urgência, encerra-se também a competência civil, cuja questão deverá se deslocar para o foro competente.
Na atividade prática diária da pesquisadora, tem-se observado que, em muitos casos, por orientação equivocada ou ainda, por malícia da parte ou de seu procurador/defensor, os mecanismos dispostos na Lei Maria da Penha, colocados a disposição da mulher, vitima de violência domestica, são utilizados como um atalho para dirimir conflitos da esfera cível.
Ora, o direito penal, há que ser utilizado em ultima instancia para a resolução dos conflitos, por se tratar de braço forte do estado e que, interferindo na resolução de conflitos interfere diretamente sobre a liberdade do individuo, não devendo ser amparada sua utilização indevida, principalmente na resolução de conflitos domésticos, como solução emergencial, que, na maioria dos casos arrastar-se-iam durante anos.
Atualmente, decisões judiciais para afastamento do agressor do lar são verificadas caso a caso (o que considera-se lógico e justo) pois, em determinados casos, a mulher, objetivando a saída do seu companheiro do lar, após discussão, procura a autoridade policial e, mesmo cientificada das conseqüências que o companheiro poderá sofrer ao responder processo criminal, insistem em seguir com o procedimento, motivando, muitas vezes o indeferimento do pleito pelo poder Judiciário, conforme observa-se nas decisões abaixo, proferidas pelo Poder Judiciário da Comarca de Balneário Camboriú:
Compulsando os autos, verifico que o pleito não merece ser deferido, pois, embora as medidas requeridas possuam previsão na Lei Maria da Penha, ou seja, possam ser deferidas no âmbito penal, entendo que, no presente caso, as medidas confundem-se diretamente com a seara cível, uma vez que o casal esta separado a 3 anos de fato, possuem um imóvel adquirido com esforço incomum dos 18 anos de relacionamento e, como se não bastasse, tal imóvel esta fixado no terreno do pai do autor. Sem falar ainda na guarda das crianças, fruto do relacionamento do casal (Autos nº 005.10.011897-0 – 2ª vara criminal).(grifo nosso)
O escopo visado pela requerente mostra-se nitidamente relacionado a insuportabilidade da vida comum, na medida em que pretende o afastamento do autor do fato do lar conjugal e a proibição de sua aproximação. Logo, o instrumento mais apropriado é a separação cautelar de corpos, medida protetiva a ser intentada no âmbito cível, eis que dotada de característica tipicamente familiar (Autos nº 005.10.013329-5 – 2ª vara criminal). (grifo nosso)
Estes são alguns exemplos, dentre muitos, que comprovam a maleabilidade da lei, principalmente no tocante a observação de que, fatos estranhos aos objetivos da lei, que tenham sido praticados no ambiente domestico/familiar, deverão ser discutidos na esfera cível.
Observa-se ainda, na prática, ocasiões em que advogados utilizam-se dos elementos da lei em estudo para tentar conseguir maior agilidade no deferimento de uma medida liminar, por exemplo: o requerimento de uma liminar de concessão de medida protetiva deverá ser apreciado pelo magistrado no prazo de 48 (quarenta e oito horas) nas disposições da Lei Maria da Penha, enquanto que, na esfera cível, uma medida de separação de corpos terá em media 30 (trinta) dias para manifestação, havendo ainda a necessidade do pagamento de custas judiciais, o que não se faz necessário nos casos da Lei Maria da Penha.
O que deve ser levado em conta é que, a maior gravidade desta inversão, na utilização equivocada da lei é a imputação de um fato criminoso a determinada pessoa, lançando- no banco dos réus, apenas para obter-se uma resposta positiva, rápida e barata, de uma decisão judicial.
Diante destes argumentos é que, as delegacias especializadas devem, cada vez mais, orientar as mulheres acerca dos benefícios e utilização correta da Lei Maria da Penha, para que, realmente, esta lei cumpra com seus objetivos e produza o efeito desejado na sociedade, não caindo em descrédito perante a população.
7 METODOLOGIA
Na fase de abordagem adotar-se-á o Método indutivo, segundo a explicação de LAKATOS[64], seria aquele “[...] cuja aproximação dos fenômenos caminha para planos cada vez mais abrangentes, indo das constatações mais particulares às leis e teorias (conexão ascendente)”. A autora[65] conclui afirmando que: “[...] portanto, o objetivo dos argumentos é levar a conclusões cujo conteúdo é mais amplo do que o das premissas nas quais se basearam”.
Na fase de procedimentos, adotar-se-ão os métodos Histórico e Monográfico.
Segundo preceitos de LAKATOS[66], o método Histórico consiste em:
[...] investigar acontecimentos, processos e instituições do passado para verificar a sua influência na sociedade de hoje, pois as instituições alcançaram sua forma atual através de alterações de suas partes componentes, ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural particular de cada época.
De acordo com os ensinamentos de LAKATOS, o método Monográfico, “[...] consiste no estudo de determinados indivíduos, profissões, condições, instituições, grupos ou comunidades, com a finalidade de obter generalidades.”[67]
Na aplicação dos métodos acima descritos, serão acionadas as técnicas do referente, das categorias, dos conceitos operacionais e da pesquisa de fontes documentais indiretas, especificamente em fontes secundárias (realizada através da busca em livros, revistas, jornais, documentos legais, artigos científicos e dados eletrônicos).
A área de concentração restringe-se ao “Direito Público” na linha de pesquisa do “Direito Penal”.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sem qualquer dúvida, podemos afirmar que a grande maioria dos problemas sociais brasileiros, tais quais, o crescimento da criminalidade, prostituição, tráfico de entorpecentes, miséria, abandono de menores, etc., tem como causa, ainda que subjetiva, fatos ocorridos no âmbito familiar e doméstico.
A violência ocorrida nos lares e famílias brasileiras é, em muitos casos, o principal motivo pelo qual uma criança foge de casa e passa a viver nas ruas. O menino que cresce vendo o seu pai agredindo a sua mãe passa a aceitar tal comportamento e, fatalmente, virá a dar o mesmo tratamento a sua mulher.
Em hipótese alguma devemos concluir que a criação de uma lei específica para punir e prevenir tais crimes seja a solução para o caso. Todavia, a sociedade, militâncias feministas e de direitos humanos, há muito ansiavam pela edição de uma norma legal que regulamentasse esse tema.
Os fundamentos político-jurídicos da Lei 11.340/06 são admiráveis e incontestáveis. As intenções do legislador também o são, porém os objetivos de proteção e assistência à mulher vítima de violência doméstica e familiar exigirão tempo e vontade política para serem efetivados.
A Lei n.º 11.340/06, com o intuito de proteger a mulher, introduziu em nosso ordenamento jurídico uma série de medidas de prevenção, assistenciais e protetivas, possibilitando, assim, que o juiz possa, efetivamente, garantir à mulher em situação de violência doméstica e familiar as condições mínimas necessárias para que esta se mantenha firme no sentido de processar o agressor. No entanto, muitos dispositivos foram redigidos de maneira confusa e assistemática, contrariando vários princípios e algumas normas específicas.
Com toda a certeza podemos afirmar que a promulgação desta Lei constitui um marco na sociedade, não apenas na brasileira, mas em toda a sociedade, porque não, também, mundial. Trata-se de previsão legal pioneira, com diversos mecanismos de proteção à mulher, que se efetivada somente trará benefícios à sociedade. Porém, como já comentado, esta referida norma legal prescindirá de muita força de vontade por parte dos órgãos públicos e da sociedade.
Por ser texto absolutamente inovador, a legislação ainda terá muito o que evoluir, provavelmente, através de futuras e diversas interpretações, até que a jurisprudência e a doutrina encontrem a interpretação que se aproxime do ideal. Somente o tempo nos dirá como estão sendo tratados os casos de violência doméstica e familiar, porém com esta legislação podemos vislumbrar um futuro mais justo, de maior igualdade entre os sexos.
Pode-se salientar que, a Lei Maria da Penha constitui um poderoso instrumento disponibilizado as mulheres no âmbito das relações familiares, que deve ser manejado com prudência e cautela para que as finalidades previstas na lei não sejam deturpadas na substancia.
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