LEI DE FALÊNCIAS E AS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA: Os benefícios advindos da aplicação da lei de falências nas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica

Por DAVID COSTA ALVES | 09/10/2017 | Direito

LEI DE FALÊNCIAS E AS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA: Os benefícios advindos da aplicação da lei de falências nas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica.[1]

 

David Costa Alves

Vinicius Machado Maciel[2]

José Humberto Gomes de Oliveira[3]

 

 

SUMÁRIO: Resumo. 1. Introdução. 2. Noções Gerais sobre a Lei de Falências 3. (Im)possibilidade da decretação de falência de sociedades de economia mista e empresas públicas; 3.1. Os benefícios advindos da aplicação da lei de falências nas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica; 4. Considerações Finais.

 

RESUMO

O trabalho tem como objetivo apresentar as características da Lei de Falências e os benefícios advindos da aplicação da lei de falências nas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica, tendo em vista a previsão na lei 11.101/05 que impossibilita a falência de empresas de caráter público. Para tanto, inicialmente se traça uma abordagem conceitual da Lei de Falências, mostrando suas especificidades. Posteriormente será feito uma análise em cima dessa previsão que impossibilita a decretação de falência das empresas de caráter público. Por fim, discorre-se a respeito dos benefícios advindos da aplicação da lei de falências nas empresas públicas exploradoras de atividade econômica, levando em consideração o caráter de sua atividade.

Palavras-chave: Lei de Falências. Sociedade de Economia Mista. Benefícios. Atividade Econômica.

1 INTRODUÇÃO

                   As leis são estáticas e representam os valores e o momento histórico de determinada época. Contudo, a sociedade e sua historicidade são dinâmicas e evoluem em velocidade bem superior ao arcabouço legal-normativo positivado. O nosso ordenamento ainda possui muitas divergências. O tema em discussão traz uma questão de grande controvérsia no meio doutrinário, que é a possiblidade ou não da decretação de falência de sociedades de economia mista e empresas públicas. A lei 11.101/05, lista em seu rol, mais especificamente no art. 2°, a impossibilidade de falência de empresas de caráter público. Contrário a lei de falências, a doutrina defende através de análise interpretativa do art. 173 da Carta Magna, que garante a possibilidade de falência de empresas públicas.                  

                   Diante dessa questão, resolveu-se delimitar a pesquisa no fato de existirem sociedades de economia mista que exploram atividade econômica, mas que ainda assim não podem ser afetadas pela lei 11.101/05, mesmo desempenhando papel de exploração econômica tais quais outras empresas, estas sim podem ser afetadas pela lei anteriormente mencionada.

 

2. NOÇÕES GERAIS SOBRE A LEI DE FALÊNCIAS

                   O Decreto-Lei anterior a atual Lei de Falência tinha caráter liquidatório, ou seja, não focava na preservação da empresa e no interesse social, mas sim em liquidar os bens do devedor para pagar os credores. Além disso, havia uma ineficiência em tal processo pela lentidão na liquidação, o que acarretava em maiores prejuízos aos evolvidos.

                   Outra característica que contribuía ainda mais para a morosidade na liquidação da empresa era a vedação pelo Decreto-Lei de acordos extrajudiciais. A necessidade de mudanças era visível ainda mais com a inserção da Constituição Federal de 88 e do Código Civil de 2002. A liquidação da empresa não poderia servir como principal forma de solução desses problemas de falência de empresas sendo necessário que a empresa fosse preservada, tendo em vista o caráter social dessa preservação.

                   Era visível a necessidade de se repensar o Direito Falimentar, criando uma legislação que se adaptasse as alterações politicas e sociais. A lei 11.101/2005 representou essa mudança. Foi uma modernização do Decreto-Lei de 1945, buscando-se agora ter mais rigor na fiscalização da conduta do empresário. Houve a transição entre antiga e a atual lei. Extinguiram-se as concordatas, só continuam em vigor as que foram feitas antes de junho de 2005. Fazzio Jr. (2010, p. 22) explica:

As normas do Decreto-lei n2 7.661/45 continuam em vigor para aplicação aos processos de concordata preventiva, concordata suspensiva e falência, em curso no dia anterior ao do início da vigência da LRE (art. 192). Entenda-se bem. Quem se encontra em crise econômico-flnanceira não pode mais pleitear o favor legal da concordata preventiva. Contudo, o agente econômico que se encontra em regime de concordata preventiva continua observando as regras da LFC, se não optar pelo ingresso no sistema da recuperação judicial, ou seja, se possuir os requisitos necessários para tal. O § 2ã do art. 192 declara que a existência de pedido de concordata anterior à LRE não obsta o pedido de recuperação judicial pelo devedor, desde que este não tenha deixado de cumprir obrigação da concordata. Os créditos submetidos à concordata devem ser inscritos, por seu valor original, na recuperação judicial, abatidas as parcelas pagas pelo concordatário.

                   Além da extinção das concordatas, foi criada a figura de recuperação de empresa no âmbito judicial e extrajudicial. O instituto da falência existe para, como é de conhecimento de todos, liquidar os bens do devedor para quitar as dividas com os credores, sem que isso demore muito tempo, tempo este que pode trazer prejuízo a as partes envolvidas. É o último remédio que ira ser aplicado no processo, pois é um meio de extinção da atividade empresária, logo, o empresário não exercerá mais tal atividade e não poderá continuar a frente dos seus negócios.

Art. 102. O falido fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial a partir da decretação da falência e até a sentença que extingue suas obrigações, respeitado o disposto no § 1o do art. 181 desta Lei.

Parágrafo único. Findo o período de inabilitação, o falido poderá requerer ao juiz da falência que proceda à respectiva anotação em seu registro.

                   Há a arrecadação dos bens do devedor, como forma de garantia do pagamento dos credores. Além disso, será feito a reunião de todos os credores desse empresário, suspensão das ações, suspensão da fluência de juros, antecipação dos créditos vincendos e suspensão da prescrição. Tudo isso é feito no intuito de buscar responsabilizar o devedor e conseguir satisfazer todas as dividas para com os credores.

                   A atualização na Lei de Falências trouxe a possibilidade de as empresas se reestruturarem e não somente fecharem as portas, havendo a manutenção dos empregados e pagamentos aos credores, ou seja, dando-se prioridade à manutenção dos recursos produtivos, que se refere ao principio da função social da empresa. Com a recuperação judicial houve uma versatilidade maior no processo de tentativa de recuperação de empresas que passam por um momento economicamente difícil.

                   A nova lei de falência trouxe em seu art. 2° a impossibilidade de falência de empresas de caráter público, sendo esse o motivo de divergência na doutrina especifica.

3. (IM)POSSIBILIDADE DA DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA DE SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA E EMPRESAS PÚBLICAS.

                   A lei 11.101/05 traz logo em seu início, mais especificamente em seu art. 2° a vedação da aplicação em casos que envolvam empresas públicas e sociedades de economia mista. Isto pelo fato de que o Estado não vai se auto declarar falido, portanto, há a exclusão do grupo que podem utilizar a lei de falência, as empresas com capital público em sua totalidade.

                   Faz-se necessário uma breve explanação a respeito dessas duas categorias. Nas sociedades de economia mista a diferença para as empresas de caráter público é que nesta o capital é 100% público e naquela é majoritariamente público, A Empresa Pública possui capital exclusivamente público, no caso da Sociedade de Economia Mista o capital é de origem pública e privada, por isso é denominada como mista. A parte do capital público deve ser superior, pois a maioria das ações deve estar sob o controle do Poder Público.

                   As sociedades de economia mista são controladas pela Administração Pública e não estão sujeitas à Recuperação judicial nem à falência, pois submetê-las ao regime falimentar é aumentar os riscos nas suas operações e isso diminuiria a sua competitividade, tendo em vista o interesse nacional imposto nessa espécie societária. Fazzio Jr. (2010, p. 49) explica o motivo de as sociedades de economia mista não serem submetidas ao regime falimentar do nosso ordenamento:

Submeter as sociedades de economia mista ao regime falimentar poderia comprometer interesses nacionais envolvidos nessa espécie societária, posto que essas empresas precisam preservar sua competitividade por meio da diminuição dos riscos, dos quais a insolvência é o mais destacado.

 Sempre é interessante repisar que a sociedade mista é entidade paraestatal composta pela participação casada do Poder Público e de particulares na construção de seu capital social e em sua administração. Dela são exemplos o Banco do Brasil, a Petrobras, a CESE a SABESP etc.

O art. 173, § I a, inciso II, da CF, sujeita a sociedade de economia mista ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários, mas não quanto ao regime de insolvência, reconhecidamente especial e especifico. Daí por que a LRE exclui expressamente as sociedades mistas do regime falitário.

Nessa mesma linha de raciocínio Fabio Ulhoa Coelho (2010) menciona a impossibilidade de aplicação desta lei as empresas de caráter público.

A lei prevê, no art. 2°, a exclusão completa e absoluta dessas sociedades. Em relação às hipóteses albergadas no inciso I, isso é verdade desde logo. A sociedade de economia mista e a empresa pública não estão em nenhuma hipótese sujeitas à falência, nem podem pleitear a recuperação judicial.(COELHO, 2010, p.27)

                   Portanto, há a participação estatal, logo seu interesse é em não aumentar os risco para essas sociedades, diminuindo o investimento nelas pelo risco de se aplicar o regime falimentar. Diferentemente, com capital integralmente publico, estão as empresas públicas. Exercem atividade econômica que é de interesse coletivo, por esse motivo não faria sentido impor o regime falimentar a esse tipo de empresa.

“As empresas estatais são entidades ciadas pelas pessoas politicas, mediante autorização legislativa, que assumem a roupagem de direito privado, com o capital integralmente público ou misto, para exploração de atividade econômica ou prestação de serviço público - por delegação ou concessão – nos limites delineados pelo art. 173, da Constituição Federal” [4]

3.1. Os benefícios advindos da aplicação da lei de falências às empresas públicas exploradoras de atividade econômica.

            Nossa Constituição Federal traz previsto a livre iniciativa e livre concorrência, ou seja, podemos explorar qualquer tipo de atividade econômica, salvo algumas exceções. Logo, cabe ao particular exercer essas atividades econômicas e não a poder público, mas estes podem exercer atividade econômica de acordo com o art. 173 da Constituição Federal, que diz que tal atividade pode ser exercida pelo poder público quando houver o interesse coletivo e for necessário aos imperativos da segurança nacional.

            Como dito anteriormente, só é aceito a exploração de atividade econômica pelo Estado em situações excepcionais, mas ainda assim quando o Estado explorar tal atividade este estará submetido as normas reguladoras de forma bem semelhante às empresas privadas exploradoras de atividade econômica.

“Mesmo só sendo admitida a exploração de atividade econômica pelo Estado em situações excepcionais, necessário se faz que quando assim atue esteja submetido a uma disciplina bastante avizinhada da que regula as entidades particulares de fins empresariais, com o propósito de se evitar que desfrute de situação de vantagem em relação a essas empresas, garantindo o princípio geral da ordem econômica da livre concorrência, impedindo competição desigual entre o particular e o Estado quando ambos estão a explorar atividade econômica. Neste sentido o artigo 173, §1º, II da Constituição Federal, antes referido, diz que a lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública e sociedade de economia mista, que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou prestação de serviços, dispondo sobre a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, COMERCIAIS, trabalhistas e tributárias.

Note-se que o dispositivo constitucional em comento somente se direciona às estatais exploradoras de atividade econômica, ou seja, não apenas o parágrafo, mas a própria cabeça do artigo, refere-se à exploração de atividade econômica. Está conclusão é transparente, atentando-se que com referência às prestadoras de serviço público não caberiam tais ressalvas, tendo em vista que os serviços públicos são atividades normais do Estado.” [5]

            Portanto, o intuito de usar a regulamentação aplicada as empresas particulares exploradoras de atividade econômica também às empresas publicas exploradoras de atividade econômica é de evitar a competição desigual entre ambos.

            Questiona-se aqui o fato de a regulamentação ser semelhante entre ambas as empresas exploradoras de atividade econômica, tanto para publicas quanto para particulares, mas só estas estão sujeitas a regulamentação falimentar, mesmo a atividade explorada tendo o mesmo caráter da atividade explorada daquelas. Isso pode levar as empresas públicas a ter vantagens no mercado frente às empresas particulares, devendo ser feito a distinção entre as empresas públicas destinadas a prestação de serviços públicos daquelas exploradoras de atividade econômica.

            Se a regulamentação para as empresas particulares exploradoras de atividade econômica engloba o regime falimentar vigente, as empresas públicas de caráter semelhante poderiam sim estar sujeitas ao regime falimentar, isso ocorreria no intuito de evitar que estas empresas se beneficiassem e levassem vantagem frente as empresas particulares, respeitando o principio da livre concorrência.

            Além disso, vale ressaltar aqui que na lei 11.101 /05 não foi explicitado o motivo da não possibilidade de aplicação em empresas públicas e sociedades de economia mista, o que tem sido motivo de divergências. O art. 173 da Constituição Federal visa garantir que as empresas públicas exploradoras de atividade econômica não levem vantagem frente a empresas particulares, mas é exatamente isso que ocorre quando é negado a possibilidade de aplicar a lei de falências as essas empresas.

“Por outro lado, a previsão da responsabilidade subsidiária da pessoa jurídica criadora, pelas obrigações da sociedade de economia mista, constante da segunda parte do artigo revogado, também era incompatível com a norma constitucional em apreço, que sujeita ao regime jurídico próprio das empresas privadas todas as entidades que explorem atividade econômica. Ora, a responsabilidade subsidiária do Poder Público colocaria tais entidades em situação jurídica de vantagem em relação às empresas privadas em geral, uma vez que aquele que com elas negociasse estaria garantido por alguém que é sempre solvente, ou seja, o Estado. Assim, as estatais seriam sempre mais confiáveis do que as demais empresas privadas.” [6]

            A impossibilidade de aplicação da lei 11.101/05 em empresas públicas exploradoras de atividade econômica, garantiria vantagem a estas no mercado, pois estas seriam sempre mais confiáveis devido a sua impossibilidade de falir.

 

REFERÊNCIAS

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

TOURINHO, Rita. As Empresas Estatais e a Revogação do Artigo 242 da Lei nº 6.404/76. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 8, nov/dez – 2006.Disponível em: http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-8-NOVEMBRO-2006-RITA%20TOURINHO.pdf

 

 

[1] Artigo apresentado à disciplina Recuperação de Empresas da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Alunos do 6º período do curso de Direito da UNDB.

[3] Professor Especializado, Orientador.

[4] Disponível em: . Acesso em 29/10/2015

[5] Disponível em: . Acesso em 29/10/2015.

[6] Disponível em: . Acesso em 29/10/2015