Kew Gardens (Relação Presente e Passado)

Por Gisely Marques Gomes | 24/09/2013 | Contos

Kew Gardens (Relação Presente e Passado)

            Virginia Woolf foi uma escritora, ensaísta e editora britânica, conhecida como uma das mais proeminentes figuras do modernismo. (http://pt.wikipédia.org/wiki/Virginia Woolf, 2012). A grande maioria dos textos da escritora possui uma peculiar: eles não têm um enredo de fácil apreensão por parte do leitor, constituindo-se, em grande parte, de mergulhos na interioridade dos personagens. No conto “Kew Gardens”,vemos que o enredo é posto em segundo plano, para dar lugar a uma narrativa que explore outros aspectos considerados secundários para um conto, como por exemplo, a descrição.

            O narrador do conto se depara com os visitantes do Kew Gardens ,por alguns instantes, nos apresenta personagens e suas ações passageiras enquanto se alterna na focalização do lugar e de um animal em particular: um caracol.

            Tem-se, inicialmente, apresentação do lugar e do caracol. Em seguida, são introduzidos, em seguida, são introduzidos outros personagens e suas histórias, enquanto caminham pelos canteiros de flores de Kew Gardens. O texto não traz uma história única, mas fragmentos de histórias que não são aprofundadas pelo narrador. Sendo assim, o texto não é constituído por um grupo central de personagens, mas de descrições e de tonalidades de cores e luzes.

Do canto oval erguia-se talvez uma centena de caules se esparramando a meia altura em folhas em forma de coração ou de língua e desabrochando na ponta em pétalas vermelhas ou azuis ou amarelas marcadas com manchas de cor erguidas sobre a superfície; e da escuridão vermelha, azul ou amarela da garganta emergia uma barra esguia, áspera de pó dourado e levemente intumescido na extremidade. As pétalas eram volumosas o superfície para serem agitadas pela brisa de verão, e, quando se moviam, as luzes vermelhas, azuis e amarelas passavam umas sobre as outras, manchando um pouquinho a terra marrom com um salpico da mais delicada e complexa cor. A luz caía sobre a superfície lisa do seixo cinzento, ou sobre a concha de um caracol com suas veias escuras, circulares, ou incidindo numa gota de chuva, expandia com tal intensidade de vermelho, azul ou amarelo. (Kew Gardens, p.1)

                O título do conto já denota para superioridade do espaço e do que nele se encontra em prejuízo dos personagens e de suas ações. Tem-se a ideia, graças ao título e aos vários momentos de descrição do local, que o lugar onde os personagens transitam é mais importante do que os próprios personagens e suas ações. O conto também não apresenta, concretamente, um protagonista. Todos os personagens, incluindo o caracol, encontram-se em um momento de passeio. Eles são flagrados em uma ocasião de completa descontração, sem que haja aprofundamento em suas histórias e nem resoluções de conflitos o narrador nos apresenta personagens indo e vindo em desorganização comparando-os aos movimentos das borboletas que cruzam no canteiro em ziguezague, de um lado para o outro.

Os vultos desses homens e mulheres passavam pelo canteiro com um movimento curiosamente irregular, semelhante àquele das borboletas brancas e azuis que cruzavam a gramado voando em ziguezague de canteiro. O homem estava pouco mais de um palmo à frente da mulher, caminhando despreocupado, enquanto ela andava mais determinada, apenas voltando a cabeça de vez em quando para cuidar que as crianças não ficassem muito para trás. (Kew Gardens,p.1)

                 No conto, acompanhando os diálogos dos personagens e o modo como eles interagem uns com os outros, vemos que não há uma sincronia ou uma organização em suas interações, mas percebemos como aquelas pequenas ações causam efeito nos personagens e nos leitores, naquele momento, no parque, é como, se eles entrassem em contato com seu intimo, envolvidos em pensamentos e lembranças de situações rotineiras que em dado momento se transformava em algo tão sublime para eles.

“Quinze anos atrás vim aqui com Lily”, pensou ele. Nós nos sentamos em algum lugar por ali à beira de um lago e eu implorei a ela que se casasse comigo durante toda aquela tarde quente. Como a libélula ficou voando em círculos ao nosso redor: como vejo claramente a libélula e seu sapato com a fivela quadrada de prata na ponta. Todo o tempo que eu falava eu via seu sapato e quando ele se movia impacientemente eu sabia, sem olhar para cima, o que ela iria dizer: ela parecia estar inteira em seu sapato. E meu amor, meu desejo, estavam na libélula. (New Gardens, p.1)

 

            Esses momentos apresentados, em que os personagens entram em contato com o intimo, são momentos epifanicos, que relata uma experiência aparentemente simples e rotineira, mas que acaba por mostrar toda a força de uma inusitada revelação. É o que vemos nos personagens primeiro Simon lembra-se de uma namorada, Lily, e de um pedido de casamento que fez para ela nesses mesmos jardins; a esposa, lembra de um beijo que ganhou, a vinte anos atrás, de uma velha senhora a que a personagem caracteriza como “mãe de todos os meus beijos de toda a minha vida” (Kew Gardens,p.2). esses momentos apresentam a percepção de uma realidade nova e atordoante, quando os objetos mais simples e as situações mais cotidianas produzem uma ilustração súbita em suas consciências.

            Em Kew Gardens, Virginia Wollf nos transporta por meio de pequenas coisas a um mundo que dificilmente conseguiríamos ver e nos faz pensar na questão existencial do homem, a cidade moderna se caracteriza pela exclusão da natureza, com um lugar que não há vida, e nos parques o homem tem a possibilidade de encontrar-se com a sua identidade com sua individualidade, e na natureza pudesse fugir dessa realidade. “Kew Gardens” nos transmite tal sentimento, somos levados a perceber ações que nos passam despercebidos.

BIBLIOGRAFIA

WOOLF, Virginia. “Kew Gardens”. In: Kew Gardens. O status intelectual da mulher, Um toque feminino na ficção, Profissões para mulheres. Tradução de Patrícia de Freitas Camargo e José Arlindo F. de Castro. São Paulo: Paz e Terra, 1997 (Col. Leitura), pp.7-18