Ketuvim

Por george ferreira | 13/11/2009 | Bíblia

Ketuvim

כתובים

Uma Introdução aos Escritos Sapienciais.

 

·         Prof: George Emanuel

  • Considerações Iniciais:

 

Ketuvim é a terceira e última seção do Tanakh (B.H), depois da Torah (Pentateuco) e dos Nevi'ins (Profetas). No hebraico, a palavra כתובים (ketuvim) significa "escritos". Nas traduções da Bíblia Hebraica esta secção é normalmente intitulado "Escritos". Na tradição judaica textual os livros das crônicas são contado como um unico tomo. Esdras e Neemias também são contados como um único livro chamado "Esdras" (Livros Historicos). Assim, existe um total de onze livros na seção denominada Ketuvim.

Na tradição catolica dá-se o nome de “livros sapienciais” a cinco livros do A.T, respectivamente são: Jó, Proverbios, Eclesiastes, Eclesiastico e Sabedoria de Ben-Siraque, acrescentados de Salmos e Cantico dos canticos. Deve-se salientar que os livros de Tobias e Baruc entram no rol dos sapiencias, segundo a tradição romanista, apenas de forma esporadica por possuir em si mesmos alguns pensamentos retirados da literatura sapiencial oriental.

Na tradição reformada os livros sapienciais estão divididos em quatro seções: livros poéticos (Salmos, Provérbios e Jó), o Megillot (os cinco rolos); Cântico dos Cânticos, Ruth, Lamentações de Jeremias, Eclesiastes e Ester. Consequentemente entram nos “Escritos” o livro de Daniel, e as narrativas de Esdras, Neemias, e I e II Crônicas. Assim, os Ketuvim tornam-se uma coleção diversa de poesia litúrgica, poesia de amor secular, de literatura de sabedoria, de história, de literatura apocalíptica, de narrativas, e de literatura romântica que juntas narram a historia do povo de Israel.

Quanto a doutrina expressa nos livros de literatura sapiencial, o Dr.
Dennis Bratcher, discorre:
“Literatura da Sabedoria é um termo aplicado aos livros canônicos do Antigo Testamento: Jó, Provérbios e Eclesiastes; e às vezes ao Cântico dos Cânticos (Cantares de Salomão). Ele também inclui os livros apócrifos de Eclesiástico (Sabedoria de Jesus Ben Siraque ou Eclesiástico) e da Sabedoria de Salomão. Esses livros compartilham das mesmas características e pontos de vista doutrinário... Sabedoria é realmente um estilo de vida, uma maneira de olhar o mundo. E principalmente,  para os israelitas, torna-se um modus operandi.

As principais características da poesia hebraica são geralmente o seu caráter elegante, seu estilo elevado e uso das palavras em formas de paralelismo (recurso em que uma linha de poesia é seguida por uma segunda que de algum modo reitera ou reforça a primeira) quiasmo (a segunda linha reforça a primeira com inversão da seqüência de palavras ou frases); provérbios numéricos (enumeram um número de elementos ou ocorrências que partilham de uma característica comum); poemas acrósticos (cada verso ou seção começa com uma letra sucessiva do alfabeto hebraico); e recursos retóricos.

 

 

 

I.                  Gêneros Literários.

 

·         Amalgamando temas e estilos, os ketubim dão um destacado lugar ao gênero sapiencial (do latim sapientia, ou seja, "sabedoria"), especialmente representado por Jó, Provérbios, Eclesiastes, por certos salmos e por algumas passagens de outros livros.

·         A sabedoria que esses escritos didáticos fazem permanente referência, tentando inculcá-la nos seus leitores, é de caráter eminentemente prático não consiste tanto em um apelo teórico quanto numa exortação para saber viver, ou seja, para que o comportamento da pessoa seja adequado a todas e a cada uma das múltiplas circunstâncias da vida, que cada qual deve desempenhar de maneira correta no papel que lhe corresponde representar no meio da comunidade humana a que pertence. Assim como o bom artesão possui uma espécie de "sabedoria" que o capacita para esculpir madeira, forjar metal, engastar pedras preciosas ou compor belas telas (cf. Êx 35.31-35), também "o sábio", segundo a perspectiva bíblica, possui a habilidade, a agudeza e as qualidades precisas para enfrentar com êxito as contingências da vida, quaisquer que sejam.

·         A sabedoria é, essencialmente, um dom de Deus desenvolvido prontamente pela experiência e pela reflexão. Porque a experiência do cotidiano é também, por sua vez, fonte inesgotável de sabedoria para aquele que anda com os olhos bem abertos e não se agrada da sua própria ignorância. Por isso, o sábio observa a realidade, julga aquilo que vê e, finalmente, comunica aos seus discípulos aquilo que ele mesmo aprendeu primeiro do seu relacionamento pessoal com o mundo circundante.

·         Para transmitirem o seu ensinamento, os sábios recorrem freqüentemente ao provérbio ou à reflexão que se acha nos Ketubim sob duas diferentes formas: a admoestação e a sentença.

·         A primeira se reconhece logo pela freqüência do uso do modo verbal imperativo, empregado para aconselhar e exortar os discípulos acerca do caminho que devem seguir (cf. Pv 19.18 20.13 Ec 7.21).

·         A segunda, a sentença, consiste na breve descrição objetiva de uma realidade comprovável, de um fato sobre o qual não se pronuncia nenhuma espécie de juízo moral (cf. Jó 28.20 37.24 Pv 10.12 14.17 Ec 3.17 Ct 8.7).

Junto com essas fórmulas proverbiais, a Bíblia recolhe outros modelos didáticos utilizados pelos sábios para a transmissão dos seus conhecimentos: o poema sapiencial (Pv 1-9), o diálogo (Jó 3-31), a digressão no discurso (característica de Eclesiastes), a alegoria (Pv 5.5-19) e também a oração e o cântico de louvor (formas características dos Salmos).

 

 

 

 

 

 

II.               Caráter e Temas:

 

·         Mediante a comunicação dos seus conhecimentos, da sua experiência e da sua fé em Deus, os sábios de Israel tencionam que os seus discípulos, a quem eles costumavam chamar de filhos (cf. Pv 1.8), aprendam a importância de desenvolver determinados aspectos práticos da vida.

·         Entre esses aspectos, pode ser citado o autodomínio, especialmente no falar (Jó 15.5 Pv 12.18 13.3), a dedicação ao trabalho (cf. Jó 1.10 Pv 12.24 19.24 Ec 2.22) e o exercício da humildade, que não é debilidade de caráter, mas antítese da arrogância e do excesso de confiança em si mesmo (Jó 26.12 Pv 15.33 22.4). Os sábios também valorizam altamente a amizade sincera (Jó 22.21 Pv 17.17 18.24), ao passo que condenam a mentira e o falso testemunho (Jó 34.6 Pv 14.25 19.5). Além disso, exortam a preservar a fidelidade conjugal (Pv 5.15-20), a tratar generosamente os necessitados (Jó 29.12 31.16-23 Pv 17.5 19.17 Ec 5.8) e a praticar a justiça (cf. Pv 10.2 21.3,15,21).

·         Característico da literatura sapiencial é o tema da justiça retribuidora. Conforme esta justiça Deus recompensa o justo de conduta e castiga o mau (cf. Jó 34.11,33 Pv 11.31 13.13), de quem são respectivamente figura o sábio e o néscio. De modo semelhante, os discípulos que seguem os conselhos de seu mestre serão premiados com o dom da vida, enquanto que a necessidade de outros (não ainda a intelectual, mas a de uma conduta ética vituperável) lhes acarretará a morte. Importantes são também, sobretudo em Jó e Eclesiastes, os aportes dos sábios ao problema sempre atual do sofrimento humano (Jó 11 22.23-30 36.7-14 Pv 2 Ec 3.16-18 cf. Rm 11.33 1Co 2.6-16) e da inevitabilidade da morte (Jó 17.16 20.11 33.19-22 34.10-30 Pv 18.21 24.11-12 Ec 8.8).

 

2.1.A Sabedoria

·         Nos escritos sapienciais, não só se escuta a voz dos sábios de Israel, mas também, às vezes, se deseja ouvir a dos sábios de outros povos (Pv 30.1 31.1). E, em certas ocasiões, inclusive a Sabedoria (personificada) fala e convida a todos a receberem o seu ensinamento, que é tesouro de valor incomparável (Pv 8.10-11). Como uma diligente dona de casa, a Sabedoria preparou um banquete do qual deseja que todos participem (cf. Pv 9.1-6). Em contraposição a ela, e também personificada, a Loucura tenta atrair com seduções e falsos encantos os ingênuos e os inexperientes (Pv 9.13-18).

·         Numa etapa posterior da sua história, o povo hebreu identificou a sabedoria com a Lei (lit. "instrução") promulgada por Moisés no monte Sinai. Assim, Pv 1.7 estabelece que "o temor do SENHOR é o princípio do saber" (cf. Sl 111.10 Pv 9.10) e Jó 28.28 afirma que "o temor do Senhor é a sabedoria, e o apartar-se do mal é o entendimento", o que contém uma admoestação característica da lei mosaica e também de toda a Bíblia.

 

·         O termo "Sabedoria" tem uma vasta gama de significados. Pode ser descrito como aplicação da mente à aquisição de conhecimentos, a partir da experiência humana; habilidade prática no exercício de uma actividade profissional ou para fugir a situações de perigo; prudência na linguagem e no comportamento; discernimento em ajuizar aquilo que é bom ou mau para o ser humano; capacidade para detectar as formas de sedução e de engano. A SABEDORIA A sabedoria é, pois, um conhecimento baseado na experiência acumulada ao longo da vida e enriquecida através de várias gerações, que se fixou gradualmente em máximas, sentenças e provérbios breves e ritmados, recheados de imagens ou comparações.

 

 

2.2.Implicações:

 

1.      O povo de Deus apercebeu-se da importância que a sabedoria tinha para a vida, pois não era possível regulamentar todas as áreas da vida apenas pela lei de Moisés e pela palavra dos profetas. Havia, portanto, espaços a preencher por opções e iniciativas pessoais. Daí ser preciso adquirir conhecimentos e capacidade crítica para avaliar pessoas e coisas, situações e acontecimentos da vida.

2.      Confrontando o conjunto da sabedoria de Israel com outros corpos literários do AT, não será difícil verificar que os Livros Sapienciais formam um mundo à parte, caracterizado pela fé na sabedoria divina que rege o universo e cada pessoa em particular.

3.      No âmbito sapiencial, o centro de interesse e de atenção desloca-se do povo, enquanto tal, para o indivíduo; da História, para a vida quotidiana; da situação peculiar de Israel, para a condição humana universal; das vicissitudes históricas do povo da Aliança, para a existência no mundo enigmático da criação; das intervenções prodigiosas de Deus, para as relações entre causa e efeito; da esfera da Lei e do culto, para o mundo das opções livres e da iniciativa pessoal; da autoridade de Deus, para a esfera da experiência e da tradição humana; dos oráculos dos profetas, proclamados como palavra de Deus, para o uso de todos os recursos da razão e da prudência, em ordem à orientação da própria vida; da imposição da Lei, para a força persuasiva do conselho e da exortação; do castigo, apresentado como sanção externa, para a conseqüência negativa, resultante de uma escolha errada ou de um acto insensato.

 

·         A sabedoria divina, cósmica, é aquilo que em hebraico se chama "hokmah"; mas o seu conceito pode também ser expresso por "sedaqah" = "justiça". Ao contrário da palavra profética, a sabedoria exige o empenho de todas as capacidades e dons de que o ser humano dispõe (Sir 15,14-20; 17,1-14). Mais do que procedendo do alto, como a Lei, a Profecia e a própria História, a sabedoria surge e cresce a partir de baixo, ou seja, da experiência humana.

·         Sábio é quem sabe adaptar-se a esse sistema cósmico, descobrir o seu mecanismo operativo e entrar na sua essência. "Insensato", ou mesmo "ímpio", é quem não descortina as regras desse jogo ou não se interessa por elas.

 

2.3.A origem da reflexão sapiencial:

 

·         A reflexão sapiencial deve ter acompanhado o ser humano desde os seus primórdios. Contudo, certas épocas históricas privilegiaram a recolha de tradições e impeliram as novas formulações sapienciais.

·         A origem do pensamento sapiencial em Israel é tradicionalmente relacionada com a figura de Salomão (1 Rs 3,4-15; 5,9-14), que se tornou protótipo de todos os Sábios. Ele organizou a sua corte em conformidade com o modelo das cortes de outros países mais evoluídos, especialmente o Egipto; promoveu intensas relações políticas e comerciais com os povos vizinhos. Ora isso exigia uma preparação adequada dos funcionários de Israel, tanto a nível central como local, em escolas apropriadas de carácter sapiencial, também à semelhança do que já existia junto de outros povos. Foi Salomão que protagonizou toda essa dinâmica em Israel. Por isso, não é de admirar o fato de lhe terem sido atribuídas obras do gênero sapiencial muito recentes, que, efetivamente, nada têm a ver com ele. Era o costume antigo da pseudo-epigrafia, que se verifica em muitos casos da Bíblia.

·         Nos tempos a seguir ao exílio da Babilônia procedeu-se à recolha e fixação do patrimônio religioso e cultural de Israel. Da recolha, fixação e ordenamento de todo esse material viriam a surgir os grandes blocos literários do AT, dentre as quais algumas coleções de provérbios. Era necessário preservar a identidade religiosa e cultural de um pequeno povo e relançar a esperança num futuro bem melhor, perante as ameaças de outras culturas dominantes, como a babilônica e, mais tarde, a grega.

·         A esse respeito, é emblemática a passagem de Ne 8,1-8, em que sacerdotes e levitas instruem o povo sobre a lei de Deus. Os homens do culto tornam-se homens do livro. Os profetas estão já em vias de desaparecimento. A palavra de Deus e a sua vontade passaram a ser procuradas no livro, nos textos escritos. Por isso, os responsáveis têm que se dedicar ao estudo, à reflexão, à cultura e à escola. É neste clima de exigência intelectual, onde também aparecem escribas leigos, que se desenvolve a reflexão sapiencial, outrora apanágio do ambiente da corte e dos funcionários do Estado.

·         Na investigação e procura da sabedoria, Israel não foi totalmente original. Este pequeno povo soube assimilar a sabedoria dos povos vizinhos, sobretudo o Egipto e a Mesopotâmia, e adaptá-la segundo a perspectiva da sua própria experiência religiosa.

 

 

III.             Os livros sapienciais:

 

·         Os livros resultantes da compilação dos antigos provérbios e das novas reflexões sapienciais recebem o nome de SAPIENCIAIS porque ensinam a sabedoria como arte de viver. Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes (ou Qohélet), Cântico dos Cânticos, Sabedoria e Ben Siraque (ou Eclesiástico) constituem esse conjunto. Os Salmos são um livro de características especiais, embora integrado neste conjunto.

·         Ao analisar o conjunto dos Livros Sapienciais do AT, verifica-se uma diferença formal, que acabará por conduzir a uma particularização no próprio conteúdo. Trata-se da distinção entre a sabedoria proverbial e a trata dística ou intelectual. A primeira exprime, em frases breves, verdades universais ou condicionadas por determinadas situações. Geralmente são máximas compostas de um só versículo em duas partes ou dísticos (existem, por vezes, unidades maiores) e encontram-se mais nos livros dos Provérbios, de Ben Siraque e em parte do Eclesiastes e da Sabedoria. O seu objetivo é oferecer observações sobre a vida concreta. Seguindo tais instruções, o homem adapta-se à ordem social, que é o reflexo da ordem cósmica.

·         Esta forma de sabedoria não se ocupa das coisas últimas da existência humana, mas assume o pragmatismo e a crítica face à sociedade em que se desenvolve. A sociedade é considerada como um fato consumado que o sábio não pretende mudar, mas apenas adaptar-se a ela, descobrindo as suas regras do jogo. É uma atitude que difere profundamente da posição assumida pelos profetas da época anterior ao Exílio; mas não se trata de uma atitude alheia à fé.

·         Diferente é o conteúdo da sabedoria trata dística, que, por vezes, como em Jó, assume a forma de diálogo, ou a de um monólogo-confissão, como no Eclesiastes. Ocupa-se essencialmente de problemas fundamentais da existência humana. E a solução que ambos propõem - submeter-se aos planos de Deus - é tipicamente israelita, mesmo se desligada de qualquer enquadramento histórico. Assim, vemos semelhanças entre Provérbios e Ben Sira. Também Job e Eclesiastes se assemelham no seu temperamento inconformista. A Sabedoria, por seu lado, é uma espécie de enclave tardio, do âmbito cultural grego.

·         O mundo que o sábio procura conhecer é o mesmo que foi criado por Deus: um mundo que não é fundamentalmente hostil, porque foi criado bom desde o princípio (Gn 1); um mundo que se submete a Deus e do qual o próprio homem é constituído senhor (Gn 1,3-31). A principal preocupação dos Sábios é o destino pessoal dos indivíduos. Daí a importância dada ao problema da retribuição.

·         Mas os Sábios, que tanto apelam à experiência, têm que enfrentar situações de contradição na própria esfera da experiência. É o confronto dramático entre Jó e os seus amigos, com estes a defenderem a tese tradicional de que a justiça ou sabedoria leva automaticamente à felicidade, ao passo que a injustiça conduz à ruína. Perante o problema do justo infeliz, não há resposta que satisfaça a compreensão humana. Contudo, o livro sugere que, apesar de tudo, é preciso aderir a Deus pela fé.

·         Também o livro do Eclesiastes, embora com uma perspectiva diferente de Jó, realça a insuficiência das respostas tradicionais ao problema do justo infeliz, dentro da perspectiva terrena; mas não admite que a felicidade possa ser exigida como algo devido necessariamente ao homem, pois não se pode pedir contas a Deus.

 

1)      Ben Siraque assume plenamente a doutrina tradicional dos Provérbios e exalta a felicidade do sábio (14,20-15,10); mas sente-se perturbado perante a idéia da morte e intui que, afinal, tudo depende dessa última hora (11,26).

2)      Foi o livro da Sabedoria, originário do ambiente cultural grego - onde a filosofia platônica proporcionava a idéia da imortalidade espiritual, sem a necessária ligação com o elemento material - que veio afirmar pela primeira vez e de um modo explícito: "Deus criou o homem para a imortalidade" (2,23). Um novo caminho se abre à reflexão sapiencial sobre o destino do justo infeliz: depois da morte, a alma fiel gozará de uma felicidade eterna junto de Deus, enquanto os ímpios receberão o devido castigo (3,1-12).

3)      É sintomática a insistência dos sábios de Israel na idéia do temor de Deus, sobretudo no período mais tardio: "O temor do Senhor é o princípio da sabedoria." (Pv 1,7) É que, sem o temor de Deus, qualquer tipo de sabedoria perde o seu próprio fundamento e, por isso, a sua validade para uma reta condução da vida.

 

 

 

 

IV.             Personificação da Sabedoria.

 

1.1.   Na fase do desenvolvimento sapiencial anterior ao Exílio, a sabedoria parece limitar-se ao âmbito da experiência histórica e religiosa de Israel.

1.2.   Mas, depois do Exílio verifica-se uma evolução substancial: a partir daí, a sabedoria tende a ser considerada como uma realidade autônoma, distinta de Deus e do homem. Quer dizer: começa a surgir um processo da personificação da sabedoria.

1.3.   Para além de uma sabedoria proverbial, que regula com sucesso a vida do homem, os sábios começam a desvendar e a admirar uma sabedoria observável a partir da ordem, harmonia e movimento do Universo. É o que o livro do Gênesis no capítulo 1 apresenta em linguagem catequética, e os Salmos 8,19 e 104 apresentam em forma de oração.

1.4.   O próprio livro do Deuteronômio fala de "leis tão sábias" dadas a Israel que provocam a admiração dos outros povos vizinhos (Dt 4,5-8). Ben Siraque chega mesmo a identificar a sabedoria com a lei do Altíssimo (24,22-23) e diz que a sabedoria estabelece a sua morada em Israel sob a forma de lei (24,8). Também o livro dos Provérbios fala da sabedoria presidindo à obra da criação (Pr 8,25-36). Trata-se sempre da mesma sabedoria que leva o homem ao encontro com o universo de Deus e ao encontro com o Deus do Universo.

1.5.   A apresentação da sabedoria como um ser distinto de Deus e do homem, que age por si - ou seja, como uma pessoa - mais do que qualquer outra coisa ou aspectos, quer, sobretudo realçar a preciosidade e autenticidade dessa mesma sabedoria. Temos aqui algo que ultrapassará os limites da simples personificação literária, mas que ainda não chega verdadeiramente ao conceito de "hipóstasis", guardando o seu mistério, que o Novo Testamento virá, em parte, desvendar.

1.6.   No prólogo dos Provérbios, vemos a sabedoria a convidar para a sua mesa (9,1-6); a ameaçar quem a rejeita, porque a vida ou a morte do homem depende da sua capacidade de acolher ou de rejeitar a sabedoria (Pv 8,25-36). Ela pertence à esfera de Deus: só Ele a possui verdadeiramente e pode enviá-la como companheira e amiga do homem. É por isso que Ben Siraque e o autor do livro da Sabedoria se dirigem a Deus em atitude de oração, pedindo o dom da sabedoria (Sb 8,21; Sir 39,5-6)

 

 

 

V.                Uma Leitura Cristã.

 

1.1.   Por meio dos sábios, e num ambiente de mentalidade sapiencial, Israel faz uma leitura do seu passado histórico, perscrutando a sabedoria de Deus em ação na vida das grandes personagens do passado (Sir 44-50), conduzindo o povo no período mais significativo da sua História: o Êxodo (Sb 10-12; 16-19).

1.2.   Em síntese, mediante a aplicação da inteligência e da reflexão, a sabedoria acaba por constituir a mentalidade dominante no Judaísmo do pós-exílio, recuperando e atualizando, tanto o patrimônio peculiar de Israel enquanto povo da aliança, como a sua experiência humana mais vasta, comum a outros povos da região do Médio Oriente.

1.3.   Esta teologia sobre a sabedoria prepara já o ambiente para o NT, onde Jesus aparece como aquele que é "mais sábio do que Salomão" (Mt 12,42), a "sabedoria de Deus" (1 Cor 1,24.30), o único meio de salvação para todos (Jo 14,6), porque Ele é a sabedoria incriada que encarnou no seio da humanidade.

 

·         Os livros sapienciais são aqueles em que o tema é a Sabedoria. Estão muito despojados de normas jurídicas e distanciam-se claramente da experiência de Deus que dá origem à Lei para afirmarem a primazia de uma experiência de Deus que dá origem à Sabedoria como arte de viver. O sábio, na perspectiva bíblica, é aquele que saboreia a vida e a história com o próprio “paladar de Deus”, isto é, com os seus critérios e horizontes. Por isso o sábio é aquele que vive e testemunha a harmonia entre fé e vida, não dois blocos separados e ligados apenas pelo vínculo jurídico do cumprimento de leis religiosas, mas a fé como coração orientador da vida. Na bíblia, os livros que formam este grupo sapiencial são sete, e com bastantes diferenças.

 

1.      O livro de Job é uma longa reflexão em forma de diálogo sobre a causa do sofrimento injusto (tema revolucionário porque punha em causa a lógica clássica do judaísmo que era a de que ao justo, Deus dava a bênção, e ao injusto, o castigo…) e a linguagem sobre Deus.

 

2.      O livro do Eclesiastes, ou Qohelet, é o livro mais triste e desanimado da bíblia… Numa linguagem permanentemente irônica e cinzenta, Qohelet debate-se com a questão da morte como fim absoluto de tudo, numa altura em que a revelação ainda não tinha chegado à compreensão da ressurreição. A questão era a seguinte: se com a morte acaba tudo, porquê viver assim ou assado? “Tudo acontece igualmente a todos… justos e injustos, bom e maus… No fim, o destino é o mesmo para todos!” (Ecl 9, 2-3). Se é assim, viver não precisa de ser mais que isto: “Come, bebe e goza nos breves dias de que dispões…” (Ecl 5, 17). Este livro clama urgentemente a Deus uma resposta de compreensão para a morte! Para que a vida não seja apenas o que Qohelet vai repetindo durante todo o texto como um refrão: “Tudo é apenas ilusão e correr atrás do vento…” (Ecl 1, 14).

 

3.      Depois há outro tipo de escritos sapienciais, já não temáticos, como os anteriores, mas muito ao jeito da sabedoria popular ainda dos nossos dias, alimentada de adágios e provérbios com lições que brotam da vida. É o caso dos livros dos Provérbios, Sabedoria e Ben Siraque, embora estes dois últimos tenham também alguns poemas e reflexões mais longas à volta do tema da sabedoria como maior tesouro que o homem pode encontrar na vida: “Se a riqueza é um bem desejável na vida, que há de mais rico que a sabedoria, que tudo pode?” (Sab 8, 5) “Segue-lhe os passos, procura-a e ela se dará a conhecer; possuindo-a, não a deixes mais, pois acharás nela, finalmente o teu repouso, e transformar-se-á para ti em alegria.” (Sir 6, 27-28).

 

4.      O Cântico dos Cânticos é um livro único na bíblia, sem par em nível de gênero literário e linguagem. Segue a estrutura poética e a linguagem lírica dos hinos núpcias cantada nas festas de casamento no oriente médio, e usa também as mesmas personagens, isto é, o esposo e a esposa, acompanhada das amigas. É muito rica e freqüente na linguagem profética do Antigo Testamento a imagem do esposo e da amada para falar da relação de Deus com o seu povo. Deus é o esposo, Israel é a esposa, nem sempre fiel ao casamento-Aliança selado no monte Sinai. O Cântico dos Cânticos é o poema por excelência desta relação amorosa e apaixonada entre Deus e o Seu povo, em linguagem alegórica e simbologia própria dos modelos de beleza presentes no contexto em que nasceu.

VI.           A Poesia Hebraica e Suas Características.

 

A poesia do Antigo Testamento é a mais significativa contribuição do povo hebreu à literatura universal. Tal como qualquer outro povo, sua literatura primitiva era poética. Não dispomos, no AT, de um conjunto completo dos escritos poéticos israelitas; apenas alguns poemas de significação religiosa foram incluídos nos livros sagrados e nem todos estão no cânon. Por exemplo, além de proferir Salomão três mil provérbios, "foram os seus cânticos mil e cinco"( 1Reis 4.32). Também, foi recordado o refrão do cântico popular das mulheres de Israel que diz: "Saul feriu os seus milhares, porém, Davi os seus dez milhares"( 1 Samuel 18.7). Ainda mais, são referidas no AT duas antigas coleções de poesias, as quais não temos acesso, que são denominadas de "As Guerras de Yahweh"(Números 21.14) e o "Livro de Jasar", ou seja, "O Livro do Justo"(Josué 10.12; 2 Samuel 1.17-18: "lamentação sobre Jonatas: eis que está escrito no Livro de Jason".

Mais de uma terça parte do AT é de poesia. Tal fato é obscurecido pela maioria das nossas versões por não indicarem os trechos poéticos através de um arranjo especial das linhas. Até a versão de Acordo com os Melhores Textos em Hebraico e Grego espera até Gênesis 27.28-29 para indicar pela primeira vez um trecho de poesia. Na realidade, é claro que contamos com poesias nos trechos de Gênesis 2.23; 3.14-19; 4.23-24; 9.25-25; 14.19-20; e 25.23. Há também falta de reconhecimento de passagens proféticas que são pura poesia quanto à sua forma, tais como: Isaías 1.2-31; 2.2-3.17,24-26; 5.1-30; 6.3b,9-13; 40.1-44.8; 44.21-52.2; 52.7-59.20; 60.1-66.16; 66.22-23; Jeremias 1.5-8, 9b-10; 2.2b-3; 2.5-3.5, etc. Certamente os livros de Salmos, Provérbios, o Cântico de Salomão, porções de Eclesiastes e a maioria de Jó(3.3-31.40; 32.6-42.6), são de poesia. A Bíblia de Jerusalém, entretanto, serve como bom guia a este respeito, além de fazer uso de materiais arqueológicos  mais avançados do que fez uso a versão de Acordo com os Melhores Textos em Hebraico e Grego.

6.1.Paralelismo: Definição e Tipos.

Relação de equivalência, por semelhança ou por contraste, entre dois ou mais elementos. Em poesia, paralelismo é o termo que designa, habitualmente, a correspondência rítmica, sintáctica e semântica entre estruturas frásicas. Para S. Jerônimo e Stº. Agostinho, paralelismo (Gr. “lado a lado”) significa o fenômeno da aparente repetição das frases verificado em textos bíblicos. Sendo entendido como uma figura de estilo, que justificaria uma nova poesia divina em vernáculo a exemplos da Bíblia, paralelismo é,  desde logo integrado nos manuais de retorica onde, ainda hoje, subsiste como uma figura de posição por insistência na disposição regular, associado, sobretudo, à correspondência sintáctica: paralelismo (isocolo, compar). Neste sentido, o paraleslimo ocorre freqüentemente na poesia de tradição oral, produzindo, muitas vezes, o efeito de litania.

No séc. XVIII, o Bispo Angliano Robert Lowth procura explorar o valor estético dos textos hebraicos e cunha o termo “paralelismo de membros”, em 1778, distinguindo três espécies de paralelismo sinonímico, antitético e sintético.

6.2.Paralelismo Sinônimo é a forma mais simples no qual a segunda linha, em termos diferentes, repete o pensamento da primeira linha. Perceba que esta forma equilibra dois pensamentos iguais com palavras semelhantes. Assim, o paralelismo não indica necessariamente duas colocações diferentes mas uma colocação expressa de duas maneiras. Muitas vezes, a segunda linha serve para esclarecer ou ampliar o sentido da primeira. Quando uma linha contém três ou mais unidades, uma é muitas vezes omitida na linha paralela, na qual uma unidade é alongada por compensação; este tipo é chamado às vezes de paralelismo incompleto.

6.3.Paralelismo Antitético no qual uma linha exprime a mesma idéia da primeira, mas de uma maneira negativa ou em termos de contraste. A maioria dos 376 versos em Provérbios 10.1-22.16 são antitéticos.

“Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi,

mas agora te vêem os meus olhos.” (Iyov/Jó 42:5)

“Porque YHWH conhece o caminho dos justos;

porém o caminho dos ímpios perecerá.” (Tehilim/Salmos 1:6)

 

mas àqueles que buscam ao YHWH bem nenhum faltará.” (Tehilim 34:10)

“O filho sábio alegra a seu pai,

mas o filho insensato é a tristeza de sua mãe.” (Mishlei/Provérbios 10:1)

“A resposta branda desvia o furor,

mas a palavra dura suscita a ira.” (Mishlei/Provérbios 15:1)

 

6.4.Paralelismo Sintético que é mais bem denominado de paralelismo progressivo, no qual a segunda linha complementa a primeira, oferecendo ambas um pensamento completo. Onde quer que encontremos o paralelismo sintético, a segunda linha deve continuar a mesma idéia da primeira, expandindo-a.

 

“[1] Bendito o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios,

[2] nem se detém no caminho dos pecadores,

[3] nem se assenta na roda dos escarnecedores.” (Tehilim/Salmos 1:1)

“[1] Pois será como a árvore plantada junto a ribeiros de águas,

[2]a qual dá o seu fruto no seu tempo;

[3] as suas folhas não cairão,

[4] e tudo quanto fizer prosperará.” (Tehilim/Salmos 1:3)

 

6.5.Paralelismo Inverso = esta é uma forma de paralelismo onde as frases são arranjadas quiasticamente.

6.6.Paralelismo Climático/Escalável:  paralelismo climático, ou escalável, é uma vertente do paralelismo sintético, incorporando também a idéia do paralelismo sinônimo. Nele, a segunda frase repete um conceito da primeira, porém com uma extensão de seu sentido, dando a ela uma espécie de ‘clímax.’

“[1] Pois eis que os teus inimigos, YHWH,

[1+] eis que os teus inimigos perecerão;

[2] serão dispersos todos os que praticam a iniqüidade.” (Tehilim/Salmos 92:9)

“[1] Os rios levantam, ó YHWH,

[1+] os rios levantam o seu ruído,

[1+] os rios levantam as suas ondas.” (Tehilim/Salmos 93:3)

“Tributai a YHWH, ó filhos dos poderosos,

Tributai a YHWH glória e força.” (Tehilim/Salmos 29:1)

6.7.Quiasmo: Assim chamado por sua semelhança estrutural com a letra ‘qui’ do grego, e também conhecido como ‘paralelismo inverso’, trata-se de uma estrutura poética onde o paralelismo aparece ‘espelhado’ (por exemplo: 1,2,3,4,3,2,1). Normalmente, o quiasmo é apenas uma estrutura de construção das frases, as quais podem se relacionar por paralelismo sinônimo, antitético, ou sintético.

6.8.Rima Ritmo e Métrica: além dos paralelismos a poesia é caracterizadas pelos padrões acrósticos (Salmo 119), repetições de consoantes e vogais(Salmo 122.6 a: sha’alu shelom yerushalaim) e jogo de palavras(Amós 8.2). Rima é muito rara na poesia do Antigo Testamento, acontecendo em Juízes 16.24 e Isaías 40-66(ocasionalmente) e no primeiro verso do Salmo 14, por exemplo. Pode-se, portanto, afirmar que a poesia do AT omite essa característica, via de regra, e que quando acontecer é acidental. A maioria dos eruditos do passado argumentou fortemente pela presença de ritmo e métrica, possivelmente pela influência de sua herança nos poetas gregos e latinos da antigüidade. Desde que começaram a ser interpretadas as evidências arqueológicas provenientes da antiga Síria tem se tornado claro que o AT não mostra realmente padrões regulares nem de ritmo nem de métrica. Entre as placas de Ugarite há boa quantidade de textos religiosos, inclusive de poesia muito semelhante aquela encontrada no AT. Deve-se reconhecer, no entanto, no AT certos padrões de acentos tônicos, dos quais se podem discernir variações de ritmo na pronúncia.

6.9.Quanto as Figuras de Linguagem.

·         Símile: Estabelece um termo de comparação entre dois elementos através de uma qualidade. É uma comparação expressa

·         Salmos 2:9b; 1:3; 102:6; Provérbios 25:11.

·         Metáfora: É uma comparação abreviada. Consiste quando um objeto é assemelhado ao outro, afirmando ser o outro, ou falando de si como se fosse o outro.

·         Salmos 71:3; 84:11; 23:1

·         Alegoria:É uma seqüência de metáfora

·         Salmos 80:8-15

·         Parábola: É uma espécie de alegoria apresentada sob a forma de uma narração relatando fatos naturais ou acontecimentos possíveis, sempre com o objetivo de declarar ou ilustrar uma ou várias verdades importantes.

·         Antropopatia: É a atribuição de emoções, paixões e desejos humanos a Deus.

·         Antropomorfismo: É a atribuição de características corporais e atividades físicas a Deus.

·         Salmos 34:16; 10:12; 8:3

·         Metonímia: Consiste em designar um objeto por uma palavra designativa de outro objeto que tem com o primeiro uma relação de causa/efeito; continente/conteúdo; lugar/produto; matéria/objeto; abstrato/concreto; autor/obra.

·         Sinédoque: Figura que se funda na relação de compreensão e consiste no uso do todo pela parte, plural pelo singular, gênero pela espécie e vice-versa.

·         Personificação: Quando se atribui ações ou feito de pessoas a coisas inanimadas.

·         Jó 12: 7,8;

·         Zoomorfismo: Atribuição de características animais a Deus

·         Jó 12: 7,8

·         Eufemismo: Consiste em disfarçar, abrandar, suavizar expressões rudes, chocantes, desagradáveis.

·         Ironia ou Antífrase: Expressão que contém censura ou ridículo sob a capa de louvor ou elogio. (Consiste em dizer o contrário do que pensamos e geralmente em tom de zombaria)

·         Jó 12:2

·         Hipérbole: É um exagero que extrapola o sentido literal para destacar a idéia e chamar a atenção.

·         Salmos 119:136

·         Jó 21:25

·         Litotes: Afirmação moderada que suaviza o sentido literal. É o oposto da hipérbole.

·         Salmos 51:7

·         Pergunta Retórica Interrogação: Figura pela qual o orador se dirige ao seu interlocutor, ou adversário, ou político, em tom de pergunta, sabendo de antemão que ninguém vai responder.

·         Pleonasmo: É a palavra ou expressão redundante: repetição da mesma idéia, com a finalidade reforçar e avivar a expressão e o pensamento.

·         Antítese: É a inclusão na mesma frase de duas palavras ou dois pensamentos que faz um contraste um com o outro. (O mau e o falso servem de contraste ou fundo que dá realce ao bom e ao verdadeiro).

·         Paradoxo: É uma proposição ou declaração oposta à opinião comum; a uma afirmação contrária a todas as aparências e à primeira vista absurda, impossível, ou em contraposição, ao sentido comum.

 

 

Conclusão:

 

Em primeiro lugar, quanto a literatura sapiencial bíblica. Ela é fruto da reflexão israelita e também da sabedoria oriental antiga a respeito da vida humana. Esta reflexão é fundamentalmente marcada pela fé israelita. A literatura sapiencial tem sua origem na tentativa humana de evitar a morte e de viver melhor. Para isso, era preciso descobrir as leis que Deus colocou no mundo, para que, seguindo-as, conservassem a vida. A sabedoria nasce, assim, da observação da natureza e da vida em geral. Essa observação traz como conclusão a verificação de que, na natureza, toda ação tem uma reação. Assim, o fundamento básico da doutrina sapiencial é o princípio de causa e efeito.

A preocupação do sábio era o sentido da vida e a felicidade. Deste modo, a partir do princípio de causa e efeito, eles iam colocando as regras para que as pessoas, de um modo especial os jovens, pudessem viver bem. Diferentemente da Torá e dos Profetas, o sábio não parte da revelação de Deus, mas da observação da vida e das leis que Deus colocou no mundo.

A afirmação principal da literatura sapiencial, proveniente do princípio de causa e efeito, era a felicidade dos justos e a infelicidade dos ímpios. Em muitos casos esse princípio funciona perfeitamente; no entanto, a observação da realidade nos faz perceber que nem sempre acontece assim. É no contexto de questionamento do princípio de causa e efeito, no contexto da “crise da sabedoria”, que devem ser situados os livros de Jó e Qohélet. Não temos como ocupação em nossa pesquisa aprofundar sobre o livro de Jó, este parece ter outro objetivo: a reflexão sobre a questão do sofrimento humano. Enquanto, o Qohélet analisa a questão da “vida humana e sua frugalidade”.

Em segundo lugar, quanto a poesia hebraica, especialmente na forma de cânticos ou hino, ocupa um importante lugar na literatura dos hebreus. Os judeus evidentemente era um povo amante da música e famoso por seus cânticos. Ezequias em 701 a.C., inclui em seu tributo a Senaqueribe músicos masculinos e femininos, e os exilados da Babilônia eram insistentemente convidados por seus captores que entoassem suas canções sobre cuja fama devem ter ouvido (Sl 137.3). Pouco resta de sua poesia secular, mas existem referências no Antigo Testamento que parecem indicar que essa poesia era de considerável volume. O "Cântico da Fonte" (Nm. 21.17,18) era, provavelmente, um cântico de trabalho ou coro usado na fonte ou pelos escavadores do mesmo. Outras ocupações provavelmente, tinham seus cânticos especais acompanhantes: a sega (Is 9.3) e a vindima (Is 16.10). Também eram usados cânticos em ocasiões especiais. Labão teria feito uso de cânticos, se pudesse ter-se despedido formalmente de Jacó (Gn 31.27). Nenhuma festa de casamento seria completa sem os cânticos (Jr 7.34). As lamentações pelos mortos freqüentemente assumiam forma poética. As elegias de Davi a respeito de Saul e Jônatas (2 Sm 1.19-27), e a respeito de Abner (2 Sm 3.33,34), são composições poéticas da mais excelente ordem. O breve lamento acerca de Absalão tem sido chamado de "obra prima do ritmo" (2 Sm 18.33).

Os cânticos eram quase sempre acompanhados por música instrumental (Êx 15.29; Is 23.16; 1 Cr 25.6). De fato, parece que existiam instrumentos para o propósito exclusivo de acompanhar os cânticos (Am 6.5). A poesia hebraica tem sido corretamente denominada de poesia lírica, e como tal, é uma classe por si mesma.

Entre os termos empregados para as composições poéticas, podemos alistar: shir (com ou sem instrumento acompanhante); mizmôr, "salmo ou hino" (com instrumentos); qiná, "elegia ou lamento"; tehillâ "hino de louvor"; mãshãl, em adição a seu significado mais usual de "provérbio", é um cântico satírico.

A maior coleção da poesia hebraica em existência é o livro de Salmos, e é justamente aqui que temos o mais rico material para o estudo de formas poéticas. Todavia, não há consenso de opinião, entre os eruditos, quanto à natureza da poesia hebraica. Alguns afirmam que num conjunto de escritos, tal como os Salmos, que abarca muitos séculos, não se pode esperar nenhum sistema uniforme. Outros afirmam que sem conhecimento do pronunciamento original, é impossível recuperar as formas originais. Outros, ainda, pensam que a introdução posterior dos sinais vocálicos talvez tenha provocado muitas inovações quanto a vocalização. Outros levantam o problema da possibilidade de erros de transição. Certamente seria arriscado, na ausência de qualquer indicação de padrões vocálicos e padrões de acentuação, defender dogmaticamente qualquer teoria sobre os princípios da prosódia hebraica.

É geralmente aceito que a métrica, conforme a entendemos, está ausente da poesia hebraica. Nada existe que correspondia à unidade de medida métrica, (o pé), quer no tocante à quantidade de vogais quer no tocante a quantidade à formação de acentos. Na ausência de "pés", a seqüência medida entre os "acentos" dificilmente pode ser esperada. Há larga concordância que a poesia hebraica é caracterizada por "acentos", e que os "acento" (o ieto) coincide com o acento gramatical. Assim como o número e a disposição de sílabas não-acentuadas parece não desempenhar qualquer parte essencial, seriam desprezadas na verificação do metro. O ritmo variável, portanto, toma o lugar do metro. O ritmo variável, portanto, toma o lugar do metro definido. A ausência da medida mecânica pode parecer indicar que seja um tipo de vers libre, porém, no hebraico não existe mistura deliberada. Seria enganoso, igualmente, comparar isso com o ritmo da prosa e o da poesia, encontrada ocasionalmente na poesia grega, pois se trata de poesia verdadeira. Talvez uma descrição tão boa como qualquer outra seria o termo "ritmo derivado". Esse ritmo consiste em examinar os acentos apenas, sem levar em consideração o número de sílabas, pelo que uma medida métrica pode ser uma sílaba forte ou pode ser muitas sílabas fracas e uma forte.

No exame da poesia hebraica, portanto, deve-se meramente enumerar os ictos, as "unidades de acento rítmico", cada qual, irrespectivo do número de sílabas, provendo apenas um "compasso". Os agrupamentos resultantes, correspondendo de forma imperfeita as dímetro, trímetro, etc., e combinações desses, poderiam ser feitas. Na natureza do caso o procedimento aqui está ligado, em maior ou menor grau, ao elemento subjetivo. Não obstante parece haver muitas instâncias de padrões rítmicos (Sl 29). Entretanto, não seria razoável esperar rígida uniformidade numa poesia tão subjetiva como a hebraica. O tratamento procrusteano, mediante o qual a poesia hebraica é estudada por alguns eruditos, é sintomático de insensibilidade e não de introspecção.

Certo tipo de poema, o lamento ou cântico fúnebre (qiná) tem, conformidade com o ponto de vista de muitos eruditos, uma métrica especial. O verso, nesse caso, consiste de cinco anapestos como uma cesura depois do terceiro. Nesse caso, o uso dessa espécie de poema em coros bem poderia ter-lhe ditado a forma. No caso de outros poemas, usados no cântico congregacional, provavelmente eram empregadas as "notas recitantes".

Com exceção da rima, o hebraico faz pleno uso de artifícios literários comuns na poesia. Não se faz ausente a assonância. O símile e a metáfora abundam. A aliteração, usualmente como aliteração "oculta" também aparece. Anadiplose e anáfora são empregados com belos efeitos (Jz 5.19,27). A ajuda mnemônica dos acrósticos é utilizada. O exemplo mais bem conhecido é do Salmo 119, o qual é arranjado em estâncias de oito versos, e no qual alguma letra do alfabeto encabeça cada estância, e no qual cada verso começa com essa mesma letra.

Em terceiro lugar, o que está por trás da letra. Em parte alguma o gênio da poesia hebraica é mais evidente do que em seu simbolismo. Utiliza-se do céu e da terra. Furta a música das estrelas matutinas como a luz do noivo que necessita de lâmpadas virginais. Seu verão eterno, jamais se acaba, e suas neves não ficam nunca maculadas. Governa o rugir do mar, cavalga na nuvem, e viaja nas asas do vento. Torna mais rico o ouro real, a mirra se torna mais fragrante, e o incenso é mais suave. As ofertas que toma dos pastores não sofrem morte, e os rebanhos estão sempre em pastos verdejantes. O pão de sua colheita nunca se estraga, o azeite de seus lagares nunca falta, e seu vinho é sempre novo. Enquanto os homens puderem respirar, suas linhas eternas formarão a litania do coração que ora. As cordas que ele toca são as cordas da harpa de Deus.

O ritmo da poesia hebraica não é o compasso medido do corpo prisioneiro da terra. Mas é antes o ritmo majestoso do espírito altaneiro, sentido apenas por aqueles em cuja alma soa a música celestial. Eleva-se acima da métrica, a um nível mais elevado, pois chega mesmo a nova dimensão - a dimensão do espírito, onde aqueles que adoram a Deus adoram-no em espírito e verdade. Seu sujeito apropriado é o Yahweh; sua origem e fonte, as profundezas do coração faminto de Deus. Seu grande tema é o encontro pessoal com o Deus vivo.