Judicialização envolvendo contratos da Administração Pública do Estado de São Paulo

Por Luiz Fernando Roberto | 10/04/2013 | Direito

Judicialização envolvendo contratos da Administração Pública do Estado de São Paulo

Luiz Fernando Roberto 

Resumo:  O presente trabalho tem por objetivo identificar as principais causas que levam à judicialização em matéria de contratos da Administração Pública do Estado de São Paulo e, a partir da análise de acórdãos recentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, buscar elementos que permitam traçar um panorama de como a Corte decide estas ações. 

Palavras-chave: Contratos Administrativos; Administração Pública do Estado de São Paulo; Judicialização; Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 

  1. 1.      Introdução 

Nos contratos em geral, a existência de partes com interesses diversos e contrapostos traz consigo uma relação potencialmente conflituosa. Nos contratos administrativos, a presença do Estado em um dos polos acentua essa tensão, porque o regime jurídico a que se submete a Administração Pública, com suas especificidades, acrescenta uma série de pontos de atrito entre os contratantes. A exigência de licitação, as restrições orçamentárias, a existência de interesses indisponíveis, a submissão aos diversos órgãos de controle e o exercício da autoridade pelo Poder Público são alguns exemplos que ilustram essa realidade.

Muitos dos conflitos surgidos em decorrência de contratos administrativos são levados ao Poder Judiciário, o que revela o interesse no estudo do fenômeno da judicialização neste campo.

Por judicialização, para os fins do presente estudo, deve-se entender a tendência ao aumento da interferência do Poder Judiciário em questões típicas dos outros Poderes da República. Como decorrência deste fenômeno - que no Brasil decorre do modelo de constituição e de controle de constitucionalidade adotados - as ações judiciais passam a ser palco de discussão de matérias constitucionalmente reservadas ao Executivo ou ao Legislativo, fazendo com que o Judiciário acabe substituindo as esferas ordinárias de decisão política. Nesse sentido, ensina Luís Roberto Barroso[i]:

“Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade”.

Tal estudo se justifica tanto para identificar quais são os motivos que levam as partes de um contrato administrativo a juízo, quanto para entender como o Poder Judiciário se comporta em relação a esta matéria.

Dos motivos que levam as partes a acionar o Judiciário podem ser extraídas lições valiosas para ambas as partes, porque nos conflitos subjacentes às ações judiciais podem ser encontrados equívocos ou ilegalidades que merecem ser identificados e prontamente corrigidos. O aproveitamento dessa experiência, assim, é essencial para que seja evitada a repetição de erros já verificados e para a prevenção de desvios em contratações futuras.

Razões ainda mais claras justificam o trabalho de tentar entender como os juízes decidem essas questões. Uma vez judicializado o conflito, cabe unicamente ao Poder Judiciário fixar a interpretação jurídica que se tornará definitiva para o caso. Daí a importância de se traçar um perfil dessas decisões na tentativa de conferir às partes contratantes parâmetros mínimos de segurança e de previsibilidade.

O presente trabalho, orientado por tais objetivos, procurou identificar os principais focos de judicialização envolvendo contratos da Administração do Estado de São Paulo e, a partir deles, entender como o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem se pronunciado a respeito desses temas.

 

Metodologia

 

No trabalho de pesquisa foram encontradas algumas dificuldades para obter dados precisos a respeito da judicialização envolvendo contratos administrativos no Estado de São Paulo. Inicialmente, a ideia era realizar uma pesquisa por assuntos no banco de sentenças das Varas da Fazenda Pública da Comarca da Capital com o intuito de identificar os mais atuais focos de conflitos em matéria de contratos administrativos. A partir dessa identificação, os dados encontrados seriam submetidos a uma nova pesquisa de jurisprudência por assuntos em segunda instância para uma análise dos fundamentos das decisões.

Ocorre que tanto o banco de sentenças quanto o sistema de jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo apresentaram problemas que não permitiram uma pesquisa confiável por assuntos. Isso porque a indexação de assuntos feita pelos sistemas mostrou-se pouco fiel à matéria buscada, o que gerou resultados distorcidos e dissociados da realidade.

Diante de tal dificuldade, o método foi alterado. A pesquisa foi feita apenas no banco de dados das Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo pelo critério da “pesquisa livre”, mediante a utilização do termo “contrato administrativo”. O trabalho restringiu-se à classe da apelação, recurso que, por suas características processuais, permite uma visão geral dos elementos debatidos desde o início do processo. Ante o grande número de resultados obtidos, a análise foi limitada aos acórdãos registrados no ano de 2011 (de janeiro a outubro), o que também acabou atendendo ao intento de formular um panorama atual da jurisprudência da Corte sobre a matéria.

Dos cerca de 880 acórdãos selecionados por este método de pesquisa, foram separados manualmente os 136 que tinham pertinência com o objeto estudado[ii]. Estes julgados foram então agrupados de acordo com a matéria central debatida no processo.

Ainda que os processos muitas vezes tratem de mais de um tema e que a linha de raciocínio dos julgados mescle fundamentos relacionados com variadas matérias, foi buscado em cada acórdão o ponto central da controvérsia. A partir da identificação da matéria predominante em cada processo, as decisões foram classificadas e agrupadas sob os seguintes critérios: execução contratual, equilíbrio econômico-financeiro, sanções contratuais, rescisão e anulação.

Após a separação dos acórdãos de acordo com os fatos predominantes que originaram o litígio, foi efetuada uma análise das decisões em si. Nestas, o trabalho buscou identificar o resultado da tutela concedida e, em seguida, os fundamentos que levaram o Tribunal de Justiça a decidir.

O método empregado procurou, mediante a investigação dos fatos e dos interesses levados a juízo, criar condições para se entender quais são os principais focos de conflitos judiciais envolvendo os contratos administrativos paulistas. Além disso, pela análise dos posicionamentos do Tribunal de Justiça, notadamente dos fundamentos empregados pelos desembargadores, o trabalho buscou estabelecer alguns padrões e critérios orientadores da atividade judicial neste campo.

Assim, ainda que circunscrita a um universo de decisões limitado e a um período curto, a pesquisa procurou, mediante uma análise crítica dos elementos encontrados, esboçar um retrato atual e plausível da judicialização dos contratos da administração paulista, que passará a ser exposto nos itens a seguir.

 

Equilíbrio econômico-financeiro

 

O equilíbrio econômico-financeiro corresponde ao direito do contratado de manter a equação econômica estipulada inicialmente no pacto durante todo o período da execução. Tradicionalmente, este direito é apresentado pela doutrina como um contraponto à prerrogativa da Administração de alterar unilateralmente o contrato administrativo, o que revela o caráter potencialmente litigioso deste aspecto da relação. A previsão legal se encontra no art. 65, parágrafos 4º, 5º e 6º, da Lei nº 8.666/93, e seu espírito é bem sintetizado na obra de Hely Lopes Meireles[iii] nos seguintes termos:

“a relação estabelecida inicialmente pelas partes entre o encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração do objeto do ajuste. Essa relação encargo-remuneração deve ser mantida durante toda a execução do contrato, a fim de que o contratado não venha a sofrer indevida redução dos lucros normais do empreendimento.”  

No presente trabalho, sob o título equilíbrio econômico e financeiro, foram agrupadas as ações propostas com o intuito de obter um provimento judicial que incidisse sobre a equação econômica prevista no contrato. Esse critério abrange tanto os casos em que o Estado, em decorrência de mudanças legislativas, alterou unilateralmente os critérios de remuneração do contrato, quanto aqueles em que a contratada buscou reparação por uma suposta alteração do equilíbrio econômico da relação contratual.

Dos 136 acórdãos analisados pelo trabalho, 61 referiam-se ao equilíbrio econômico e financeiro, o que representa um percentual importante das ações judiciais estudadas. O grande número de ações relacionadas com este tema deve-se, principalmente, ao fato de o Tribunal de Justiça ter julgado no período estudado muitas ações originadas na época da estabilização econômica.

Isto porque, em meados da década de 1990, com a implantação do Plano Real, houve grandes dificuldades de adaptação dos contratos administrativos à nova realidade econômica. As cláusulas contratuais da época traziam embutidos critérios de correção monetária e de juros em índices e periodicidade compatíveis com a expectativa inflacionária, o que gerou distorções a partir da contenção da corrente inflacionária.

Esses fatos suscitaram diversas discussões, tendo em vista que o Estado, diante da estabilização econômica, ora deixava unilateralmente de aplicar as cláusulas de correção monetária na periodicidade pactuada com base em pareceres interpretativos das alterações legislativas, ora pleiteava reparação por diferenças supostamente devidas em razão de pagamentos já feitos. As empresas, por seu turno, ainda que tivessem pactuado o contrato após a estabilização econômica, continuavam a pleitear a incidência da correção monetária com índices e periodicidade relativos ao período de inflação.

Afora os casos relacionados com a estabilização econômica, as ações propostas para pleitear reequilíbrio econômico e financeiro encontradas versavam sobre situações variadas nas quais as contratadas deparavam-se com um custo não previsto ou não calculado na época da pactuação. Nestas ações, era comum a suscitação das teorias da imprevisão, da onerosidade excessiva, ou do fato do príncipe. O ponto comum a todas as ações era a tentativa de transferir esse custo adicional surgido no curso do cumprimento do contrato à Administração Pública.

Quanto aos resultados contidos nos julgados, notou-se que, dos 61 acórdãos estudados, em apenas 10 deles o reequilíbrio pretendido foi deferido. Desses 10 acórdãos, 7 continham decisões favoráveis ao particular e, em todos estes casos, o  fundamento foi a intangibilidade do equilíbrio econômico financeiro do contrato[iv].

Nos 3 acórdãos em que foi deferido o pedido de alteração do equilíbrio econômico financeiro em favor da Administração Pública, o fundamento foi a constatação de ilegalidade nas cláusulas de correção monetária previstas no contrato[v].

Nos 51 demais acórdãos, a pretensão de alteração do equilíbrio econômico e financeiro foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça. Dentre estes, 21 acórdãos expressaram decisões favoráveis à entidade contratada. Da análise dos fundamentos contidos nestas decisões, verificou-se que 10 delas foram baseadas na tese do ato jurídico perfeito[vi], 8 delas na falta de prova do pagamento a maior[vii] e 3 no “pacta sunt servanda”.

Por seu turno, dos 30 acórdãos decididos a favor da Administração Pública, 12 deles foram fundamentados no “pacta sunt servanda”[viii], 10 foram fundamentados na previsibilidade dos fatos que geraram o desequilíbrio alegado[ix], 5 foram decididos com base na falta de prova do desequilíbrio e 3 deles foram resolvidos com fundamento na falta de prova da onerosidade excessiva.

Dos dados obtidos, pode-se depreender que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo rejeitou a grande maioria das pretensões relacionadas com reequilíbrio econômico financeiro do contrato administrativo. Dos acórdãos analisados, pode-se deduzir, ainda, que a solidez do conjunto probatório influencia no resultado dos processos, o que fica demonstrado pelo grande número de casos em que a pretensão é rejeitada com base na falta de prova do desequilíbrio econômico, ou da onerosidade excessiva. Além disso, o número de pedidos acolhidos com base em prova pericial[x] (4 dos 7 decididos em favor do particular) também aponta nessa direção.

Os acórdãos, ainda, indicam que a segurança jurídica e a força vinculante do contrato são valores relevantes para o Tribunal de Justiça, que deixou de acolher grande parte dos pedidos de alteração do equilíbrio econômico com fundamento no ato jurídico perfeito e no “pacta sunt servanda”. Também corrobora esta constatação a interpretação restritiva dada pela Corte ao art. 65, II, “d”, da Lei nº 8.666/93[xi], que resultou na rejeição de grande parte dos pedidos baseados na teoria da imprevisão, do fato do príncipe ou do fato da Administração[xii].

 

Execução Contratual

O art. 66, da Lei nº 8.666/93, prevê que o contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas da lei, respondendo cada uma pelas consequências de sua inexecução. Dessa previsão legal são extraídos tanto o dever das partes de cumprir o contrato, quanto o direito do prejudicado de pleitear uma reparação pelos danos sofridos em decorrência do descumprimento de alguma das cláusulas.

A execução é, efetivamente, uma das fases mais complexas do contrato administrativo[xiii], o que comumente se traduz em diversos litígios entre contratada e Poder Público.

No critério execução contratual, o trabalho reuniu as ações judiciais em que os demandantes foram a juízo pleitear direitos supostamente originados do descumprimento de alguma obrigação contratual pela outra parte. Tais processos remetem aos casos em que a parte autora pretende um provimento judicial que obrigue a parte contrária a cumprir o que pactuou, ou, ainda, uma reparação por prejuízos decorrentes do alegado descumprimento.

Foram analisados 37 acórdãos relacionados com este tema. Destes, 34 eram referentes à inexecução contratual pela Administração Pública e 3 à inexecução pela entidade contratada.

O maior número de ações propostas pelas contratadas justifica-se ante a existência de outros meios à disposição do Poder Público para coagir a entidade privada a cumprir o contrato ou para adaptá-lo a alguma circunstância nova surgida no curso da execução[xiv].

Dentre as causas relacionadas com o descumprimento por parte da Administração Pública, chama atenção o número de ações geradas pela excessiva burocracia estatal. Das 34 ações propostas sob alegação de inexecução pela contratante, 24 eram fundamentadas na alegada existência de entraves burocráticos para o cumprimento da principal obrigação do ente estatal: o pagamento.

Essa circunstância, em alguns casos, ficou bem evidente nos acórdãos examinados, ante a expressa referência nesse sentido feita pelas decisões. Em outros, foi deduzida da ausência de justificativas pelo atraso no pagamento por parte da Administração Pública[xv].

Em todos os casos nos quais ficou comprovado o atraso no pagamento, a Administração Pública foi condenada a pagar os valores devidos conforme pactuado, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros moratórios[xvi], o que evidentemente implicou em graves prejuízos ao patrimônio público.

Além da burocracia, verificaram-se 5 casos em que a inexecução pela Administração Pública teve origem na conduta da contratada, como nos casos de falta de comprovação da regularidade fiscal, ou de existência de dívidas trabalhistas[xvii]. Nos demais acórdãos, a inexecução teve origem em causas diversas, não enquadráveis em nenhuma das duas anteriores.

Em 26 dos 34 acórdãos analisados, o Tribunal de Justiça limitou-se a determinar o estrito cumprimento do contrato. Em 4 acórdãos foi notado algum temperamento das cláusulas contratuais em prejuízo da Administração Pública[xviii] e em apenas 1 acórdão o contrato foi flexibilizado em favor desta. Os demais casos foram resolvidos por saídas processuais, sem referência específica ao contrato, ou à legislação administrativa.

Na fundamentação dos acórdãos examinados, foi notado um estilo enxuto e conciso, com poucas divagações sobre princípios ou teorias doutrinárias. Na grande maioria dos casos, a argumentação jurídica foi circunscrita à enunciação das cláusulas contratuais e da legislação, o que revela a tendência do Tribunal de Justiça de ater sua atividade à garantia do estrito cumprimento das obrigações pactuadas pelas partes.

 

Sanções por inexecução da contratada

 

Como mencionado no início do trabalho, o contrato administrativo apresenta diversas peculiaridades capazes de gerar atritos entre contratante e contratado. Muitos desses pontos de atrito decorrem da posição de supremacia que a Administração Pública ocupa na relação contratual, da qual decorre uma série de prerrogativas. Conforme ensina Odete Medauar, “dentre as prerrogativas da Administração está a imposição de sanções ao contratado, por atraso ou inexecução total ou parcial do contrato (art. 58, IV), sem necessidade de pronunciamento de qualquer outro poder ou órgão” [xix].

Esta prerrogativa deu origem ao terceiro tema mais comum nos acórdãos examinados. De fato, a discussão sobre as sanções aplicadas pela Administração Pública em decorrência da inexecução contratual pela entidade contratada foi objeto de 25 dos 136 acórdãos examinados.

Nessas ações, as empresas objetivavam a declaração da nulidade, ou, ainda, a redução das sanções. Estas, por seu turno, referiam-se à multa, à suspensão do direito de contratar ou à declaração de inidoneidade. Além das ações propostas pela contratada, alguns acórdãos vistos foram prolatados em ações propostas pelo ente público com o objetivo de executar civilmente a sanção imposta. Nestes casos, a questão da validade da penalidade aparecia de forma incidental, como argumento de defesa da entidade sancionada.

Das 25 decisões estudadas, 17 foram favoráveis à Administração Pública. Ou seja: nestes casos, o Tribunal de Justiça entendeu serem perfeitamente válidas as sanções aplicadas. Para tanto, o fundamento mais comum encontrado nos acórdãos foi simplesmente a previsão de tal faculdade no contrato ou na lei.

Neste ponto, em 11 dos 17 acórdãos favoráveis à Administração Pública, o raciocínio dos desembargadores foi estritamente formal, limitando-se a fundamentar a manutenção da sanção na autorização legal e contratual[xx].

Além disso, nos outros 6 acórdãos favoráveis ao Poder Público, a par das referências à previsão legal ou contratual, os desembargadores mencionaram a observância, pela entidade sancionadora, do devido processo legal[xxi].

Apenas 3 dos acórdãos foram totalmente favoráveis à entidade contratada, acarretando a declaração da nulidade da sanção aplicada. Destes 3 acórdãos, 2 foram decididos com fundamento na inobservância do devido processo legal[xxii] e 1 na desproporcionalidade da pena aplicada.

Por fim, em 5 acórdãos a decisão foi parcialmente favorável à contratada, o que acarretou a atenuação da penalidade aplicada. O fundamento comum a todos estes acórdãos foi a inobservância da proporcionalidade na cominação da sanção[xxiii].

Dos dados encontrados, pode-se dizer que, também em matéria de sanções contratuais, o Tribunal de Justiça tem uma posição de muita reverência em relação à vontade expressa no contrato. Na maioria dos casos analisados, a decisão foi favorável à manutenção da penalidade e o fundamento mais encontrado nos acórdãos foi a existência de expressa cláusula autorizando a imposição de pena. Além disso, como visto, os desembargadores consideram, com frequência, a observância do devido processo legal na esfera administrativa e a proporcionalidade da sanção.

 

Rescisão contratual

Na lição de Odete Medauar, rescisão é “a cessação da eficácia do contrato antes de encerrado o término de seu prazo de vigência” [xxiv]. O art. 79, da Lei nº 8.666/93 prevê três hipóteses de rescisão: a rescisão unilateral pela Administração, a rescisão amigável e a rescisão judicial.

Em linhas gerais, a rescisão unilateral pela Administração Pública pode se dar nos casos de inexecução do contratado ou por razões de interesse público. A rescisão amigável, por seu turno, é aquela feita com anuência da Administração e do contratado, por meio de um termo de distrato no qual são estipulados os direitos e obrigações das partes. A rescisão judicial, finalmente, é a promovida por determinação judicial em ação proposta com este objetivo (normalmente pelo particular, em face do descumprimento de obrigações contratuais cometidas à Administração).

Entre os acórdãos estudados, foram encontrados 9 relacionados com a rescisão unilateral do contrato pela Administração Pública. Dessas 9 decisões, 7 se referiam a rescisão decorrente da inexecução da contratada e 2 a rescisão fundada no interesse público.

No exame dos acórdãos, foi adotado o critério da fixação ou não de indenização pelos desembargadores em favor do requerente, a fim de constatar eventual abuso por parte do Poder Público no exercício do seu direito de rescindir o contrato.

Como adiantado, a legislação confere à Administração Pública a prerrogativa de rescindir unilateralmente o contrato em caso de inexecução por parte da contratada ou em caso de interesse público (indenizando o particular caso não haja culpa deste) [xxv]. Assim, a pesquisa procurou investigar a ocorrência de abuso no exercício desta faculdade pelo exame da imposição ou não de indenização pelo tribunal em favor do requerente. Isso porque a fixação de indenização pela via judicial pressupõe a constatação de um equívoco da Administração Pública, seja porque esta imputou indevidamente falta à contratada, seja porque não indenizou o particular quando deveria fazê-lo.

Das 9 ações examinadas, em apenas 3 foi notada a fixação de indenização em favor da contratada. Nos 6 demais acórdãos, não foi fixada qualquer indenização, o que permite inferir que, na visão do Tribunal de Justiça, na maioria dos casos em que o Poder Público rescinde unilateralmente o contrato administrativo, exerce de forma regular esta prerrogativa.

Na fundamentação dos acórdãos, verifica-se que, também nesta matéria, o Tribunal de Justiça tende a realizar uma interpretação restrita do texto legal, muitas vezes limitando a fundamentação jurídica à enunciação da legislação pertinente e das cláusulas contratuais.

Além disso, tanto na apuração da inexecução, quanto na fixação da indenização, pareceu ter especial relevância a prova da inexecução[xxvi] e dos prejuízos alegados, sem os quais a tendência da corte é rejeitar o pedido reparatório[xxvii].

 

Anulação

Conforme entendimento sedimentado na Súmula nº473 do Supremo Tribunal Federal, a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos. No campo dos contratos administrativos, este enunciado foi transposto para a lei pelo art. 59 da Lei nº 8.666/93, que regula o conteúdo e os efeitos da declaração de nulidade na matéria. Na lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro[xxviii]:

“A Administração Pública, estando sujeita ao princípio da legalidade, tem que exercer constante controle sobre seus próprios atos, cabendo-lhe o poder-dever de anular aqueles que contrariam a lei; é prerrogativa que alguns chamam de autotutela e que não deixa de corresponder a um dos atributos dos atos administrativos, que diz respeito à sua executoriedade pela própria Administração.”

De 136 acórdãos estudados, 4 faziam referência à anulação do contrato. Da análise dos fundamentos fáticos que ensejaram a propositura das ações, verificou-se que, em todos os casos, a causa da nulidade do contrato administrativo foi a apuração de alguma irregularidade na fase de licitação pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

A constatação revela que a licitação é objeto de intensa fiscalização por parte dos órgãos de controle e, além disso, que eventuais falhas no procedimento licitatório colocam o contrato administrativo em uma situação de constante insegurança jurídica.

Quanto ao resultado das decisões, foi notado que, em 3 dos 4 acórdãos, o Tribunal de Justiça invalidou a anulação do contrato. Em todas as decisões, o fundamento da corte foi a inobservância do devido processo legal na apuração administrativa que resultou na anulação do contrato[xxix].

Das decisões depreende-se uma preocupação do Tribunal de Justiça em garantir à entidade contratada o direito de participar dos processos administrativos de verificação de legalidade que possam influir em sua esfera de direitos.

Os direitos à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal parecem ter grande importância para os desembargadores neste ponto, o que ficou evidenciado na frequente referência à Súmula Vinculante nº 3 do Supremo Tribunal Federal[xxx] notada nos acórdãos.

Conclusões

A análise do conjunto de elementos reunidos pela pesquisa permitiu estabelecer uma breve descrição dos principais fatos que têm levado à judicialização dos contratos da Administração Pública Paulista.

A partir desses fatos, foram identificados alguns padrões que serviram para apontar como o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decide tais temas e, o que é mais importante, por quais fundamentos o faz.

E os fundamentos encontrados nos acórdãos revelam que, nesta matéria específica, o tribunal tem tido uma atuação confirmatória. Em todos os temas pesquisados, percebe-se uma grande reverência dos desembargadores à vontade expressa nos contratos e à legislação pertinente. A fundamentação concisa e sempre remissiva às cláusulas contratuais é característica dos acórdãos, que criam muito pouco e, na grande maioria das vezes, se limitam a determinar o estrito cumprimento do que foi pactuado pelas partes.

Na matéria estudada, apesar de sua franca judicialização, não foi verificado o ativismo judicial, notório em outras áreas, como, por exemplo, nas ações de medicamentos (nas quais o Tribunal de Justiça claramente administra o patrimônio público[xxxi]), ou, ainda, nas ações de servidores públicos (nas quais a Corte assume flagrantemente uma função legislativa[xxxii]).

Esta constatação é importante porque, nas análises jurisprudenciais mais recentes, tem sido notado que, muito comumente, a judicialização vem acompanhada do denominado ativismo judicial. Nesses casos, além da transferência do campo da discussão de questões políticas ao Judiciário, o que ocorre é uma ultrapassagem dos limites da própria função jurisdicional, que acaba sendo descaracterizada. A esse respeito, discorre Elival da Silva Ramos[xxxiii] ao propor um conceito para o fenômeno:

“Ao se fazer menção ao ativismo judicial, o que se está a referir é à ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas, também, da função administrativa e, até mesmo, da função de governo. Não se trata do exercício desabrido da legiferação (ou de outra função não jurisdicional), que, aliás, em circunstâncias bem delimitadas, pode vir a ser deferido pela própria Constituição aos órgãos superiores do aparelho judiciário, e sim da descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes.”

Ante os conceitos expostos e a análise das decisões trazidas, pode-se inferir que o grande número de acórdãos indica uma tendência à judicialização da matéria, mas o conteúdo dos acórdãos revela um posicionamento pouco ativista do Poder Judiciário Paulista neste campo específico.  

As referências nos acórdãos ao conceito de ato jurídico perfeito e à força obrigatória do contrato também evidenciam o destaque dado pelas decisões à segurança jurídica, ao passo que a importância conferida pelo tribunal à solidez do conjunto probatório revela objetividade nas decisões, muitas vezes vinculadas às ponderações técnicas da perícia.

Em matéria de anulação e de imposição de multas às contratadas, é marcante a menção nas decisões do princípio do devido processo legal, conceito que é prestigiado pela constante exigência de respeito ao contraditório e ao direito de defesa nos processos tendentes à tomada de decisões potencialmente prejudiciais à contratada.

Esse é, pois, o panorama criado a partir dos elementos examinados no trabalho. Dessa reunião de dados, espera-se que possam ser extraídos elementos úteis à compreensão de como têm funcionado, concretamente, os contratos da Administração Pública do Estado de São Paulo e de como o Tribunal de Justiça Paulista tem se posicionado a respeito da matéria.

A análise das questões que estão sendo levadas ao Judiciário e do modo como são decididas estas ações revela mais que um simples retrato de casos passados. A correta interpretação dos fatos e fundamentos jurídicos contidos nas decisões permite, além da elaboração de um padrão da atuação judicial, a identificação de erros e acertos na conduta das partes envolvidas no contrato.

O estudo da dinâmica da judicialização neste campo, portanto, não se volta apenas para a constatação de fatos pretéritos, mas para a construção de uma experiência que projeta soluções para o futuro e pode ser utilizada para o aperfeiçoamento das relações entre o Poder Público e os particulares.

9. Referências

 

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo e Legitimidade Democrática. Consultor Jurídico, 22 de dezembro de 2008. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2008dez2/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica?pagina=16. Acesso em 05/03/2013.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2002.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

 

MEDAUAR Odete. Direito Administrativo Moderno, 17ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

 

MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial Parâmetros Dogmáticos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

Acórdãos (todos disponíveis em www.tj.sp.gov.br): Apelação nº 0065673-33.2006.8.26.0000; Apelação nº 9060397-62.2006.8.26.0000; Apelação nº 9072406-22.2007.8.26.0000; apelação N° 994.07.063872-7; Apelação nº 0132558-63.2005.8.26.0000; Apelação n. 0048464-27.2001.8.26.0000; Apelação nº 0176407- 51.2006.8.26.0000; Apelação nº 0008061-46.2004.8.26.0053; Apelação nº 9130797-67.2007.8.26.0000; Apelação nº 0022235-94.2003.8.26.0053; Apelação nº 0166923-41.2008.8.26.0000; Apelação nº 9161697-67.2006.8.26.0000; Apelação nº 994.08.160388-1; Apelação nº 990.10.497690-1; Apelação nº 0001800-31.2005.8.26.0053; Apelação nº 9118020-79.2009.8.26.0000; Apelação nº 9110565-39.2004.8.26.0000; Apelação nº 9117562-67.2006.8.26.0000; Apelação Nº 0114929-71.2008.8.26.0000; Apelação nº 9218534-74.2008.8.26.0000; Apelação nº 0005949-19.2010.8.26.0272; Apelação nº 0217399.83.2008.8.26.0000.

 



[i] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo e Legitimidade Democrática. Consultor Jurídico, 22 de dezembro de 2008. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2008-dez-22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica?pagina=16. Acesso em 05/03/2013.

[ii] Esta redução brusca no número de acórdãos efetivamente estudados se deve à circunstância de a grande maioria dos acórdãos sobre contratos administrativos estar relacionada com as Administrações Municipais.

[iii] MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros: São Paulo, 35ª ed. P. 218.

[iv] O posicionamento a respeito desse ponto ficou bem claro no julgamento da Apelação nº 0065673-33.2006.8.26.0000, de cujo acórdão constou: “a equação financeira do contrato administrativo estabelecida pelas partes entre encargos do contratado e retribuição da Administração deve ser mantida durante toda a execução do contrato, a fim de que não resulte indevida redução nos lucros normais do contratante ou enriquecimento ilícito da Administração”.

[v] Exemplo claro desta posição é notada no acórdão da apelação nº 9060397-62.2006.8.26.0000, em que foi declarada a ilegalidade da correção monetária prevista no contrato pelos seguintes fundamentos: “É inegável que antes de tal período havia marcante pressão inflacionária, o que propiciava a todos os sujeitos a contrato com a Administração a apresentação de valores com inconteste expectativa de inflação, o que até certo ponto era justificável, tendo em vista a incerteza e a ilimitação percentual dos índices inflacionários.

Então, é de ser entendido que a reportada Resolução SF/PGE n. 2/95, apenas regulamentou a previsão da Lei n. 9.069/95 (artigo 23, § 1.), uma vez que a situação financeiro-econômica a partir de normas "estabilizadoras" não toleram mais aquela expectativa de inflação, a qual causaria sim um desequilíbrio financeiro do contrato, implicando isto em refletir o que já vinha previsto da então Medida Provisória n. 542/94 (artigo 21), convertida para a Lei n. 9.069/95. De fato, a amplitude de aplicação da mencionada Resolução decorre em boa parte do Decreto estadual n. 27.133/87, no que respeita a revisão de valores contratuais, sempre em prol do equilíbrio financeiro e econômico do contrato administrativo”.

 

 

 

[vi] A esse respeito, v. fundamentos da Apelação nº 9072406-22.2007.8.26.0000, em que foi decidido: “A lei nova não pode alterar relação jurídica já consumada, sob pena de ver-se violado o princípio da irretroatividade das leis, ferindo-se o direito adquirido e o ato jurídico perfeito”.

 

[vii]  Nesse sentido, o acórdão da apelação N° 994.07.063872-7, de cuja ementa se lê: AÇÃO DE COBRANÇA — CONTRATO ADMINISTRATIVO — CONVERSÃO MONETÁRIA URV/REAL — EXPURGOS INFLACIONÁRIOS — Pretensão de restituição de valor correspondente ao expurgo não efetuado da expectativa inflacionária embutida nos valores pactuados — Ausência de prova do efetivo pagamento a maior — Prescrição afastada. Sentença de improcedência mantida. Recurso improvido”.

 

[viii] Dessa posição, é exemplo o acórdão da Apelação nº 0132558-63.2005.8.26.0000, assim ementado: CONTRATO ADMINISTRATIVO - construção de conjunto habitacional - apresentação da proposta, na licitação, em cruzeiro real, que era a moeda vigente na ocasião - assinatura do contrato com o valor expresso já em real, porque na época era essa a moeda vigente - alegação de prejuízos decorrentes da conversão unilateral realizada pela ré - alegação, também, de prejuízos pela alteração do prazo de correção, de mensal, para anual, e por força de aditivos contratuais que elevaram o prazo de conclusão da obra em sete meses - concordância da autora com a conversão efetuada, tanto que assinou o contrato já com o preço na nova moeda - previsão de reajuste anual, e não mais mensal, por força da legislação então aplicável, que proibia o reajuste mensal - ausência de prejuízo com a prorrogação do prazo do contrato - ação procedente - recurso provido.

 

[ix] Por este fundamento, foi decidida a apelação n. 0048464-27.2001.8.26.0000, de cujo acórdão constou: “No caso dos autos, não se exsurgem acontecimentos extraordinários e imprevisíveis externos ao contrato que provocou deslocamento do sinalagma econômico inicialmente estabelecido. Eventual gravame experimentado pela autora configura-se como álea econômica ordinária, decorrente de má previsão, que não pode ser suportado pela Administração”.

 

[x] Bem ilustra a importância da prova técnica a fundamentação da Apelação nº 0176407- 51.2006.8.26.0000: “O laudo pericial acostado às fls. 331/344 é concludente pela ocorrência do prejuízo, o que ensejou o acerto da r. sentença guerreada. Ressalta-se, ainda, que a apelante não trouxe aos autos qualquer elemento capaz de apoucar a força probante da prova técnica, limitando-se a tecer argumentos genéricos”.

[xi] Art. 65.  Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

(...)

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

[xii] Nesse sentido, foi decidido na Apelação nº 0008061-46.2004.8.26.0053: “a preservação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos não deve entender-se como se fosse um “seguro” para a cobertura de déficits seja dos particulares, seja da Administração Pública”.

[xiii] Marçal Justen Filho, por exemplo, cita diversos incidentes que podem ocorrer na fase de execução contratual, como a alteração dos prazos contratuais, a alteração das condições por ato unilateral da Administração, o inadimplemento da Administração, caso fortuito ou de força maior, fato de terceiro e a prorrogação do contrato. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Saraiva: São Paulo, 2ª ed. 2005. P. 374.

[xiv] O número de ações propostas para reduzir ou anular sanções aplicadas pelo Poder Público - o que será examinado a seguir - demonstra que este é um método comumente utilizado para prevenir ou reprimir a inexecução da contratada.

[xv]No julgamento da Apelação Cível nº 9130797-67.2007.8.26.0000, ficaram evidentes tanto a falta de impugnação da Administração Pública quanto a burocracia no pagamento: “A ré, em sua contestação, admite que houve pagamento em atraso e apenas alega que a sua condenação não pode ultrapassar a quantia de R$ 92.958,80 (fls. 229).

(...) a verificação do direito do credor, que tem por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito, pressupõe a emissão da fatura, com a atestação firmada pelo fiscal da obra, ou ainda, com a lavratura do termo circunstanciado previsto no artigo 73. O ato de liquidação finda precisamente com o despacho exarado pela autoridade competente, determinando que a despesa seja paga, como está no artigo 64 da Lei federal nº 4.320/64 (Jessé Torres Pereira Jr.).

Pois bem, a emissão da fatura, pressuposto da liquidação, estava condicionada à medição, a encargo do contratante. Aquilo que as partes contratantes chamam “medição” é precisamente um dos atos que integram o procedimento a que o Direito Financeiro brasileiro dá o nome de “liquidação de despesa”. Para estas verificações, a Administração tem o prazo de noventa dias a contar da data em que a contratada requer a medição (art. 73, b, e § 3º, da Lei Federal nº 8.666/93)”.

 

[xvi] Nesse sentido, foi decidido na Apelação nº 0022235-94.2003.8.26.0053: “Se o Poder Público-contratante, confessadamente se descuida de pagar no prazo convencional (cf. cláusula 68.7 das condições gerais às fls. 219) o valor da empreitada, consistente em obras e serviços de melhoramentos e pavimentação da estrada vicinal de ligação da Rodovia Presidente Castelo Branco (SP-280) aos municípios de Araçariguama e Pirapora do Bom Jesus, que mandou executar, comete ilícito contratual cuja reparação reclama ampla correção monetária, a partir do agravo patrimonial, sob pena de enriquecimento de uma das partes em detrimento da outra e conseqüente quebra da equação financeira do sinalagma”.

[xvii]  Para ilustrar esta segunda hipótese, pode-se mencionar trecho do voto proferido na Apelação nº 0166923-41.2008.8.26.0000 em que foi observado: “o direito de glosar os pagamentos decorre de a apelada figurar como corré da apelante nas reclamações trabalhistas.

As reclamações trabalhistas ora existentes se originam na execução do referido contrato e, é lícito à SABESP sustar, reter ou glosar valores do consórcio, assim respeitando-se a cláusula 10.3”.

 

[xviii] Exemplo dessa situação pode ser verificado no julgamento da Apelação nº 9161697-67.2006.8.26.0000, em que o Tribunal de Justiça determinou o pagamento pelo fornecimento de gases medicinais e pela locação dos respectivos cilindros em quantidade superior à contratada e em período posterior à vigência do contrato, pelos seguintes fundamentos: “mesmo que os serviços prestados à administração não se enquadrem na exceção legal de contratação verbal artigo 60 parágrafo único da Lei Federal nº 8.666/93 -, é verdade que face ao caráter emergencial dos pedidos e ao notório interesse social que cerca o produto em tela, viu-se a autora compelida a prosseguir com o fornecimento, mesmo sem previsão contratual. Nesse caso, a ausência de lastro contratual não pode exonerar o poder público do dever de indenizar a autora pela entrega dos produtos aos hospitais do Estado, sob pena de enriquecimento sem causa da Administração Pública”.

 

[xix] MEDAUAR Odete. Direito Administrativo Moderno, 17ª ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2013, p. 250.

[xx] A título de exemplo, veja-se o decidido na Apelação com Revisão nº 994.08.160388-1, cuja ementa é a seguinte: “A discussão a respeito de serviços contratados e prestados em parte, permitem a contratante a aplicação de apenamento, cuja previsão decorre de lei e é regulamentada no contrato entre as partes”.

 

[xxi] Ilustrando este posicionamento, segue o que foi decidido na Apelação Cível n: 990.10.497690-1: “Deveras, durante a esfera administrativa, a autora fora devidamente cientificada, tendo oportunidade para se defender, inclusive por meio de recurso (fls. 203 e seguintes).

Desse modo, somente após o devido processo legal, com o pleno exercício do direito de defesa por parte da recorrente, é que a autoridade manteve a penalidade aplicada, corretamente fundamentada e lastreada nos robustos elementos de convicção acostados ao feito.

Frise-se que, a autora acompanhou todos os atos do procedimento em apreço, com acesso irrestrito aos documentos e provas carreadas ao expediente, tudo em estrita observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa”.

 

[xxii] A esse respeito, manifestou-se a Corte no julgamento da Apelação nº 0001800-31.2005.8.26.0053: “No caso em tela, após a constatação das irregularidades na execução do contrato, a autora simplesmente aplicava a multa prevista na Cláusula Nona, item 9.13, do referido contrato, emitindo Notas de Débito para que a ré efetuasse o pagamento em 5 (cinco) dias.

Em outras palavras, a apelante era punida de forma imediata, inclusive com retenção de parte do pagamento devido pelo Metrô, sem qualquer possibilidade de defesa ou justificativa prévia, a fim de evitar aquelas penalidades.

Ora, a ausência de oportunidade de defesa na esfera administrativa configura flagrante ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório, o que não se pode admitir”.

 

[xxiii] Nesse sentido, foi decidido na Apelação nº 9118020-79.2009.8.26.0000, cuja ementa é a seguinte: “Contrato administrativo Multa contratual -Retardamento na execução de serviços de construção de prédios escolares Possibilidade de aplicação, a teor das condições gerais do edital, do contrato por expressa disposição e do sistema regulatório das sanções administrativas aplicáveis Lei 8.666/93, art. 86 Redução, todavia, do grau máximo em que fixada Admissibilidade sob pena de violação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade”.

 

[xxiv] MEDAUAR Odete. Direito Administrativo Moderno, 17ª ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2013, p. 259.

[xxv] Esse critério também decorre da leitura conjunta do art. 78, com o art. 79, § 2o , da Lei nº 8.666/93.

[xxvi] A importância da realização de prova pericial em caso de rescisão fica bem demonstrada no acórdão da Apelação nº 9110565-39.2004.8.26.0000, em que o relator observa: “A perícia de engenharia apurou que a obra, no seu projeto original, tinha o total de 10.227 metros. Depois de efetuados os ajustes, o Contrato nº 211/95 apresentou o total de 10.290,42 metros de coletores (fls. 274).

Do total, a perícia apurou que a autora executou 9.199,15 metros, pendendo de execução 1.091,27 metros. Para a nova licitação (nº 5446/99 reabilitação do Coletor) a extensão da obra é de 1.191,79 metros (incluída nela a Estação Elevatória).

Logo, diante dos quantitativos, nota-se que a autora não concluiu a obra, restando pendente a execução de 1.091,27 metros relativos ao Contrato nº 211/95”.

 

[xxvii] Tanto a objetividade da fundamentação, quanto a relevância da prova ficaram evidentes na apelação nº Apelação nº 9117562-67.2006.8.26.0000, na qual foi observado:  “Por primeiro, convém observar que o contrato firmado pelas partes, em sua cláusula oitava, remete à observância da Lei Federal n. 8.666/93 e Lei Estadual n. 6.544/89, em caso de rescisão contratual. (...)Contudo, a despeito da benesse referida no parágrafo anterior, sobressai inequivocadamente o dever do ente público à indenização dos prejuízos sofridos pelo contratado, desde que este não tenha agido com culpa. (...)Todavia, apesar do amparo jurídico conferido ao particular em casos tais, forçoso convir que, a despeito ainda da ausência de culpa por parte da contratada para a rescisão contratual unilateralmente levada a efeito pela Administração Pública, olvidou-se a apelante da necessária comprovação dos prejuízos para o ressarcimento que se pleiteia, exigência legal do qual não cuidou a interessada de demonstrar”.

 

[xxviii] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2002, p. 261.

[xxix] A título de exemplo, veja-se o decidido na Apelação Nº 0114929-71.2008.8.26.0000: “O processo administrativo n° TC nº 754/009/04 é efetivo processo administrativo de controle, revisando os atos administrativos e anulando os eivados de vícios, sempre respeitado o direito adquirido, como apregoa a Súmula n° 473 do STF.

Ora, como todo procedimento administrativo, exige-se a concessão do direito de defesa aos interessados e, repita-se, não se pode afastar o interesse da autora, já que a questão envolve direito por ela adquirido através da licitação em que se sagrou vencedora, bem como o contrato administrativo dela resultante.

Evidente, portanto, o impacto direto à economia e ao direito da autora, que possui interesse subjetivo em intervir e acompanhar o feito. Contudo, não foi chamada, não pode intervir e, muito menos, exercer direito de defesa e contraditório nos autos”.

 

 

[xxx] Tal referência é encontrada no acórdão da Apelação nº 9218534-74.2008.8.26.0000, em que foi observado: “(...) a empresa contratada, ora autora, sequer foi notificada sobre a existência do referido procedimento administrativo e, em sendo assim, o acórdão ora questionado fere os princípios do contraditório e da ampla defesa previstos nos incisos LIV e LV do art. 5º da Carta Magna, bem como na própria Lei Complementar nº 709, 14.1.93, artigo 51 que garante: “Em todos os processos submetidos ao Tribunal de Contas será assegurada ampla defesa ao responsável ou interessado”.

Isto porque a decisão do TCE afeta diretamente o direito de titularidade da autora, com eventuais prejuízos em sua esfera patrimonial e/ou moral.

Ademais, editou o Supremo Tribunal Federal Súmula Vinculante nº 3 a qual assim dispõe: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão” .

 

[xxxi] V. os fundamentos do acórdão prolatado na apelação nº 0005949-19.2010.8.26.0272: “O Réu afirmou que “O medicamento pleiteado na exordial não integra os protocolos clínicos do SUS, e estão fora do grupo de medicamentos ambulatoriais fornecidos pela Secretaria de Estado da Saúde” (fls. 46), mas não indicou medicamentos efetivamente disponíveis à paciente na Rede Pública, com igual eficiência, tão somente asseverou, genericamente, que o Estado fornece tratamento integral aos pacientes oncológicos nos CACON´s e UNACON´s. Outrossim, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a falta de previsão orçamentária e a Lei de Diretrizes Orçamentárias ou mesmo o fato dos medicamentos ou insumos não constarem da lista de padronizados pelo Estado ou Município não podem ser invocadas como escusa para deixarem de fornecer o medicamento prescrito. Na verdade, impõem-se providências para atualização dos protocolos e aquisição dos medicamentos mediante regular e prévia licitação. A inércia prejudica o cidadão de todas as maneiras, beneficiando apenas o mau administrador”.

 

[xxxii] Bom exemplo é o caso das ações em que o Tribunal defere uma revisão geral anual, com base em interpretação do art. 37, X, da Constituição Federal. Sobre o assunto, decidiu-se na apelação nº 0217399.83.2008.8.26.0000: “Fica a ré obrigada a pagar aos autores a diferença existente entre os valores já pagos aos servidores públicos municipais e aquela que deveria lhe ter sido paga se aplicada à revisão anual, a partir de 01 de fevereiro de 1997, a janeiro de 2004 ano a ano, respeitada a prescrição qüinqüenal, aplicando-se o índice apurado pelo INPC que melhor reflete a inflação, cumulativamente, sem prejuízo da incidência da correção monetária até a data do completo pagamento”.

[xxxiii] RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial Parâmetros Dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010, 2ª ed. P. 116/117.