JOÃO BATISTA RIBEIRO, O POLÍGRAFO INTERESSADO: ASPECTOS BIOBIBLIOGRÁFICOS E SUA LEITURA DE NIETZSCHE
Por Felipe Figueira | 04/01/2010 | FilosofiaSe considerarmos a história humana como um belo e complexo enredo social ancorado por uma rica poética – que implica individualidade e coletividade -, é possível encontrar vários pensadores narrando essa concepção. João Batista Ribeiro, também conhecido como o polígrafo interessado, representou de forma singular essa complexa poética, sendo autor de uma extensa, clássica e crítica produção bibliográfica, ora mergulhando por águas poéticas - mesmo se considerando um péssimo poeta, conforme escrevera a Prudente de Moraes Neto -, ora históricas, filológicas, folclóricas etc.
O polígrafo interessado, com seus estudos e interpretações pioneiras – sobre Nietzsche e sobre o folclore, por exemplo – contribuiu decisivamente para uma formação crítica que se paute no autêntico e complexo enredo da vida social. João Ribeiro afirmaria sobre si mesmo: "Sou um bom intérprete para os curiosos, porque também o sou, não podendo ser mais. – A minha exegese é, em todas as coisas, simplista e superficial. As profundidades causam-me estranhas vertigens". Ao tecer comentário sobre seu livro O Folclore, resultado de oito palestras pronunciadas a pedido do dr. Cícero Peregrino, então diretor da Biblioteca Nacional, reafirmou sua crítica concepção: "Como ensino de generalização, talvez aproveite a alguns folcloristas, que em geral coligam documentos abundantes, mas ignoram o sentido histórico e comparativo do material recolhido. – O livro está bem longe de esgotar a matéria e nem sequer a totalidade de apontamentos do autor. Não passa de tentativa imperfeita, sinal apenas do que é razoável, ou é possível fazer". Ser crítico torna-se, dessa maneira, "sinônimo" de originalidade e de discernimento e é de forma semelhante que Múcio Leão em João Ribeiro - Ensaio Biobibliográfico, se expressaria: "Um traço que convém fixar de João Ribeiro é êsse gôsto que êle revelou sempre pelas renovações" (LEÃO, 1954, 38).
Nascido em Sergipe, na cidade de Laranjeiras,
em 24 de junho de 1860, foi o segundo filho de Manuel Joaquim Fernandes e de D.
Guilhermina Rosa Ribeiro Fernandes. Ficou órfão de pai muito cedo e fora morar
na casa de seu avô, Joaquim José Ribeiro, que era um espírito liberal e
admirador entusiasta de Herculano e de Saldanha Marinho. O polígrafo interessado, conforme declarou no inquérito do Movimento Literário, de João Marinho,
atribuiu a essa fase de sua vida uma maior importância na constituição do seu
espírito.
Desde cedo João Ribeiro revelou sua vocação de professor, sendo apaixonado por temas da História e da Filologia. Em 1885 prestou concurso na Biblioteca Nacional para a função de oficial de Secretaria, mas ficou neste cargo por pouco tempo – apenas cinco anos -, quando foi nomeado, através de concurso, para professor no Pedro II, com a tese Morfologia e Colocação dos Pronomes. No entanto, João Ribeiro não seria nomeado para a cadeira de Português, mas para a de História Universal e especialmente do Brasil (Externato). Em 1894, João Ribeiro formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro.
Ao criar-se a Academia Brasileira de Letras, em 1896, João Ribeiro encontrava-se ausente do Brasil e foi por esse motivo que não fora incluído no quadro dos fundadores da instituição. Em 1898, já estando no Rio de Janeiro, ocorreu o falecimento de Luiz Guimarães Júnior e a Academia o escolheu para essa primeira vaga. Sua eleição ocorreu no dia 8 de agosto de 1898, tendo como concorrente José Vicente de Azevedo Sobrinho. João Ribeiro obteve 17 votos, não recebendo nenhum o seu antagonista. Sua posse aconteceu em 30 de novembro do mesmo ano, saudando-o José Veríssimo. Na Academia, fez parte de várias comissões, sendo um dos principais promotores da reforma ortográfica de 1907. João Ribeiro teve seu nome apresentado diversas vezes para a função de presidente da Academia, mas declinou sistematicamente. Em 22 de dezembro de 1927, não atendendo os seus declínios, a Academia o elegeria presidente, mas o polígrafo interessado apresentou, imediatamente, sua renúncia ao cargo. Augusto Frederico Schmidt comentaria: "João Ribeiro não queria nada, não desejava alterações em sua vida; mas compreendia tudo muito bem".
João Ribeiro não pretendia se enganar e, dessa forma, não ir contra si mesmo. Conforme escrevera Nietzsche, filósofo que o polígrafo fora auspicioso leitor: "É com seu próprio deus que as pessoas são mais desonestas: não lhe é permitido pecar" (NIETZSCHE, 2001, 67). João Ribeiro faria importantes considerações sobre o filósofo alemão, seja em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras - "Frederico Nietzsche via na tragédia grega a forma mais veemente e máscula da poesia clássica e a tragédia era o consórcio do elemento épico e do lírico, da ação e do coro; era a identificação do elemento apolíneo, plástico, sereno e escultural com o elemento dionisíaco, feito de dor, de subjetivismo e de música. Em suma, era a conjugação da palavra à música, a subordinação da narrativa ao ritmo" – seja em seu livro O Fabordão:
Tomava o seu espírito todas as atitudes; era filologo, erudito, era literato e artista genial da palavra, poeta e filozofo.
Póde-se de algum modo liga-lo a Schopenhauer, mas nem essa comunhão o obriga, e ei-lo, em breve, um inovador idealista. Schopenhauer verificava a mizeria animal e não achava outro remedio ou conselho sinão no Nirvana. Ao contrario, Nietzsche sonhava evolução nova a do sobre-homem, mas já não pelo processo darwinico ou goethiano da fome do amor, mas por uma seleção nova, guerreira sem dúvida, e todavia intelectual. Para Nietzsche a luta pela vida não se faria mais pelo pedaço mesquinho de pão, mas, ao contrario, pela vitoria do superfluo, da riqueza, da arte e do genio (RIBEIRO, 1910, 18-19).
O estudo sobre a vida e obra de um autor clássico torna-se essencial numa educação crítica, conforme o próprio sentido do termo "clássico" nos esclarece: "aquilo que resiste ao tempo". Não se trata, com efeito, de uma formação supressora do presente em sua devida singularidade e autonomia, não sendo, portanto, uma educação determinista que oriente os agentes sociais em torno de um reprodutivismo que resulta, não raro, numa supressão da pluralidade e num ideal degenerado de ser humano. Os clássicos permitem-nos compreender de forma honesta o que o ser humano já produziu em matéria de conhecimento e, com isso, o que ainda precisa ser produzido. Diante desta concepção, tal estudo remete de forma inerente à manifestação da originalidade, pois implica discernimento e criticidade, características essenciais de uma formação preocupada com a ética social. João Ribeiro, sempre preocupado com a renovação, marca essencial de um espírito crítico, tornou-se um clássico brasileiro que nos permite compreender de forma singular a formação de nossa belíssima cultura nacional.
Na sociedade do espetáculo – ou a sociedade niilista passiva, conforme escrevera Nietzsche – é comum as pessoas se inclinarem em favor de objetos e ideais pouco significantes para uma vida orgânica e crítica, alienando o ser em ter. A autêntica educação, dessa maneira, pode ser relegada a um segundo plano em prol de meras festas e outras folias próprias de quem inclina seu espírito para objetos alienantes. Nada contra quem festeja, porém, é preferível a lucidez estabelecendo prioridades, não alienando as práticas cotidianas rumo a um eminente vazio de si próprio desta sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LEÃO, Múcio. João Ribeiro: Ensaio Biobibliográfico. Rio de Janeiro: Publicações da Academia Brasileira de Letras, 1954
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Além do Bem e do Mal: prelúdio a uma filosofia do futuro. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001
RIBEIRO, João. Floresta de Exemplos. 2ª edição. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1959
____________. O Fabordão: Cronica de vario assunto. Rio de Janeiro: H. Garnier, Livreiro-Editor, 1910