Je suis Aylan
Por Paulo Eduardo de Oliveira Corrêa | 18/02/2016 | CrônicasO medo assombra o mundo desde o século passado, quando extremistas religiosos resolveram agir em nome de interpretações equivocadas de seus textos sagrados, ou mesmo por ideais políticos , ou os dois somados. Desde o fim da Segunda Grande Guerra, atentados terroristas sacodem diversas regiões do planeta. A criação do estado de Israel, por exemplo, em 1948, trouxe a guerra entre judeus e mulçumanos. A Grã-Bretanha vivia sob tensão por causa do grupo extremista IRA, que lutava pela independência da Irlanda do Norte; matou muitos britânicos ao longo da história. O grupo basco ETA aterrorizou a Espanha por causa do movimento separatista do país Basco. Grupos rivais distribuíam bombas na Índia e no Paquistão por conta da região da Caxemira. Guerrilheiros das Farc sequestraram e mataram milhares de pessoas tentando implantar na Colômbia um regime comunista. Iraque e Afeganistão são castigados diariamente por diversos atentados terroristas ,que ferem e matam muitas pessoas. Diversas ex-colônias europeias africanas até hoje são castigadas com guerras civis entre etnias para ver quem vai tomar o poder. Agora, no Oriente Médio, etnias mulçumanas lutam entre si para tomar o poder em seus países e impor sua doutrina religiosa.
Nesse terreno fértil da intolerância e da gana por poder, centenas de milhares de seres humanos deixam tudo para trás em busca da paz. Passam fome, sede, são agredidos, humilhados e colocam suas próprias vidas em risco para tentar encontrar a tão sonhada tranquilidade espiritual e reiniciar suas jornadas aqui na Terra em um lugar onde possam ser respeitados.
Foi em um processo como o citado acima que uma família síria tentou a sorte num barco no Mar Mediterrâneo, mas a embarcação não suportou tamanha quantidade de pessoas e afundou próximo à Grécia. Pai e o filho mais velho sobreviveram ao naufrágio, mas a mãe e o menino mais novo morreram afogados. A foto do corpo do menino Aylan em uma praia da costa da Turquia chocou o mundo inteiro. Ele se tornou a imagem do desespero desses imigrantes para a fuga do inferno que viviam em seus países.
O ano de 2015 foi marcado por extrema violência na Europa. Grandes cidades foram alvos de extremistas, causando a morte de centenas de pessoas. A mais violenta ocorreu na cidade de Paris. Um supermercado que vendia produtos judeus foi atacado, gerando diversas mortes. O jornal satírico francês “Charlie Hebdo” foi atacado por terroristas, que mataram vários de seus funcionários, incluindo os editores da revista. Esse acontecimento trouxe uma profunda indignação por parte da população mundial. Criou-se no Facebook o “Je suis Charlie”, em homenagem aos mortos no atentado.
Fiquei sem palavras quando li ontem (16/01/2016) que o mesmo jornal Charlie Hebdo publicou uma sátira essa semana tendo como enredo o garoto Aylan. A capa apresenta dois desenhos. O maior mostra homens tentando apalpar as bundas de mulheres que corriam deles. O menor reproduzia o corpo do garoto Aylan na praia. É feito uma pergunta : “Migrantes : no que teria se transformado o pequeno Aylan se tivesse crescido?". A resposta : “Apalpador de bundas na Alemanha” referindo-se às agressões sexuais registradas na Alemanha durante a virada do ano.
Todos sabem que essa revista cresceu satirizando políticos de várias partes do mundo, mas o grande foco eram autoridades religiosas e grandes nomes das maiores religiões, como Jesus, Buda, o profeta Muhammad (conhecido nos países de línguas latinas como Maomé), entre outros. Ridicularizou dogmas e rituais das grandes religiões e polemizou ao abordar temas religiosos “proibidos”, em forma de charges.
Estou extremamente revoltado. Procurei um só comentário no Facebook e não encontrei nada, mesmo em outros idiomas. Somente no site da UOL, onde li a notícia, pude ver que a ira de outros internautas se igualavam a minha. Ainda tiveram comentários de idiotas que acham que eles têm o direito de se expressar.
Existe uma enorme diferença entre o humor sarcástico e a ofensa . Fazer piada cáustica de algo que não é engraçado torna o humorista um verdadeiro agressor, que deve ser punido severamente, não dando margens para que outros humoristas impiedosos rirem da desgraça alheia.
“Talvez eu seja um sonhador, mas não sou o único”, diria a letra de Imagine, de John Lennon. Espero não ter que ligar mais a TV ou abrir um site de notícias e ver que seres como eu e como você possam não mais morrer em busca da tão sonhada paz. Um dia, quem sabe.
JE SUIS AYLAN!