Invertendo prioridade das vias
Por Francisco Figueiredo Silva | 02/04/2009 | AmbientalQuando pensamos em reduzir os impactos ao meio ambiente decorrentes do transporte, é necessário fazermos uma análise histórica e cultural sobre as opções adotadas, para podermos planejar e viabilizar mudanças que promovão a cidadania, visto que o espaço da cidade é para o homem, que a cada dia busca uma melhor qualidade de vida.
No processo de urbanização das cidades, as ruas são necessárias para organização dos espaços urbanos, garantindo acessos às propriedades (testadas) e para a circulação quer de pessoas ou veículos de tração animal ou motora, o que já dava importância às ruas (vias) desde que as cidades eram vilarejos ou vilas; com o surgimento do automóvel, os avanços tecnológicos, o desenvolvimento industrial pós-guerra, a prioridade para as vias passou a ser preocupação dos governantes, e os investimentos em obras viárias passarão a ser fator de desenvolvimento, pois garantir a circulação significava dirigir o crescimento da cidade.
No Brasil, na década de 70, com a desaceleração da economia, as cidades com suas grandes vias, e com grandes problemas de circulação (congestionamentos), somados ao crescimento e adensamento populacional nas cidades, devido à mecanização e industrialização da lavoura, os problemas sociais e ambientais já apresentam dimensão que exigem planejamento e respostas dos administradores públicos e entre os quais a Gestão do Transporte, visando promover a circulação das pessoas e cuidar do meio ambiente.
As cidades adotaram soluções priorizando o transporte coletivo, e um exemplo foi o que aconteceu em Curitiba, quando já nesta época já promovia uma inversão nas vias, antes com prioridade ao automóvel, se criava vias especiais (canaletas) para o transporte coletivo o que funciona bem até os dias atuais, e em outras cidades de maior porte, soluções como metro foram adotadas, e em nível de governo federal incentivos e financiamentos para promover o transporte coletivo, visando diminuir o uso do automóvel, o transporte individual, o qual em função da quantidade é responsável por grande parte da poluição ao meio ambiente.
Apesar de alternativas visando priorizar o transporte coletivo, cresceu muito nos últimos anos o número de automóveis, quer pelo crescimento da indústria automobilística, ou por uma questão cultural do uso automóvel (status), somando o alto custo do transporte coletivo (tarifa); a questão da tarifa acredito ser atualmente o dificultador para promover o transporte coletivo, tanto que em todo o país aparece como prioridade nos programas de governo de candidatos a prefeitos das grandes capitais, os quais propõem alternativas para redução da mesma.
Na cidade de Curitiba, o transporte coletivo é de qualidade, a tarifa única permite vários deslocamentos, mas sem fazer muita matemática, conclui-se que em trajetos pequenos, o uso do automóvel é favorecido, quer pelo conforto ou custo, este último nem sempre é apurado de maneira correta, levando em contas fatores de manutenção e depreciação do veículo, mas o que observamos é que a quantidade de usuários tem diminuído ao longo dos anos e aumentado do número de veículos em circulação.
Na minha opinião, uma das primeiras maneiras de inverter a prioridades nas vias públicas é através do transporte coletivo, sendo que o momento é propicio ao nível de país, visto que os nossos governantes e população estão preocupados com problemas sociais e ambientais; a redução da tarifa no transporte coletivo é o começo para promover o uso do mesmo pela população, e aqui esta o grande desafio aos nossos governantes, será via subsídios, redução de impostos, como fazer, eis a questão; campanhas de conscientização e mudanças de hábito devem fazer parte do processo, como elementos fundamentais para a mudança; é evidente que outras medidas á médio e longo prazo terão que ser implantadas, algumas delas até impopulares, talvez rodízio de veículos pelo final das placas, bloqueio de vias, pedágio urbano, restrição a automóveis em determinadas áreas, o que no caso da cidade de Curitiba já existe, talvez criar um novo anel, restrição a estacionamentos; manter e melhorar a qualidade do transporte coletivo é fundamental, desde embarque até o desembarque, extensão de linhas, visando chegar o mais próximo do usuário, freqüência e regularidade dentro de padrões que atenda aos interesses dos usuários, e segurança ao usuário.
Com um transporte coletivo de qualidade e tarifa acessível e conseqüente redução do número de automóveis, menos poluição ambiental, podemos começar a pensar em outras prioridades paraas vias.
Na cidade de Curitiba, as ciclovias são vias que possibilitam trabalhadores se locomoveram, bem como o uso de lazer aos ciclistas, vias estas favorecidas pela topografia do terreno da cidade; outras ciclovias poderão ser planejadas e executadas ao longo de vias existentes, no espaço da própria via, através de canaletas, ou ainda implantar faixa de calçadas maior, dentro de um plano de circulação da cidade para este tipo de transporte; é necessário implantar estacionamentos para bicicletas, e garantir a segurança dos ciclistas; é importante que as vias exclusivas para ciclistas não concorram com o automóvel e nem com o pedestre, evitando conflitos; a iluminação pública das ciclovias é outro fator importante que garante segurança aos usuários; quando pensamos em promover o uso de bicicletas, a manutenção das ciclovias é prioridade, pois evita acidentes.
A opção por ciclovias poderá incentivar o uso de bicicletas e parcerias comserviço público e iniciativa privada para implantação de trechos da via, aquisição da bicicleta ( uma parceria poderia ser a empresa descontar a bicicleta do vale transporte – criar legislação), bem como campanhas de educação e conscientização dos ganhos ao meio ambiente.
Outra modalidade de transporte que deverá ser incentivada é a pé, que foi o primeiro meio de transporte do homem. As cidades não promoveram ao longo do seu desenvolvimento e planejamento a mobilização e incentivo da população para este meio de transporte; é o transporte de poluição zero.
Para incentivarmos e criarmos uma mudança de hábito na população é necessário priorização ou criar um plano de calçadas e iluminação, visto que mesmo em áreas centrais das cidades brasileiras ao calçadas são irregulares, e muitas vezes construídas com materiais que não permitem a circulação dos pedestres com seguranças, muito menos a acessibilidade a deficientes físicos; nos bairros periféricos o problema se agravar, visto a falta de calçadas.
Na questão da segurança pública há necessidade de criar policiamento preventivo em vias priorizadas para evitar assaltos, garantindo ao pedestre tranqüilidade no andar á pé.
Quando pensamos em transporte a pé, podemos criar programas de mobilização a caminhadas,bem como definir determinados caminhos ou vias que serão modificadas para este tipo de transporte, incentivar grupos de trabalhadores, estudantes para dentro de bairros ou determinadas distâncias a pé.
Em todos os meios de transportes citados, a preocupação é com o homem e o meio ambiente; pensar no futuro, pensar na qualidade de vida que queremos ou que podemos ter, não é uma decisão individual, mas sim uma preocupação coletiva, e que precisa ser pensada e planejada por governos e sociedade em geral.
Inverter prioridades no transporte, não significa retirar o automóvel de circulação e sim priorizar outros meios,que conseqüentemente promoverão redução do uso do automóvel, além de priorizarmos o social e econômico.
O econômico porque deixaremos de fazer grandes obras que demandam deelevados recursos do orçamento público, fazendo um planejamento para o uso das vias e do transporte.
No campo social, benefícios da redução de custos, uso dos espaços públicos para relacionamentos e convivência do homem.
A implantação de políticas e programas que visem à redução do uso do automóvel, são melhores aceitas na classe média, que esta mais conscientizada para melhoria da qualidade de vida das cidades, enquanto classes mais pobres, o carro representa status, portanto a necessidade de programas de educação visando criar uma conscientização para o meio ambiente é de fundamental importância para o sucesso de novas alternativas de transporte.
Outro programa importante é começar nas escolas um processo de educação ambiental, que entre os conteúdos apresentados na área de transporte e transito consiga criar uma cultura de uso de outras modalidades de transporte, e ainda que o uso do automóvel poder ser também compartilhado com outras pessoas, evitando uso individual do mesmo, criando uma conscientização na criança e no jovem, que estas alternativas são fundamentais para a nossa cidade, pais e nosso planeta; programas que envolvem mudanças de cultura têm de ser de longo prazo; campanhas de rádio e televisão, e até o envolvimento de órgãos de comunicação é de fundamental importância para o sucesso das alternativas de mudanças.
Enfim, inverter as prioridades das vias públicas não é uma questão apenas de pequenas obras ou intervenções nas vias, mas de amplitude bem maior, pois exige mudanças de cultura da população e de nossos governantes.
Francisco Carlos de Figueiredo Silva, engenheiro civil (1985) UFPR, funcionário da Prefeitura Municipal de Curitiba; administrador regional de 1.989 á 2004.