Inventário e partilha
Por Luiz Carlos Teixeira | 09/07/2012 | DireitoLUIZ CARLOS TEIXEIRA
RODRIGO BARBOSA VIEIRA
INVENTÁRIO
Consoante previsão legal esposada pelo Código Civil (Lei nº 10.406/09), o procedimento de liquidação dos bens que compõe o universo patrimonial do de cujus e apuração das possíveis dívidas deixadas pelo mesmo, para posterior satisfação e partilha do saldo positivo remanescente, faz-se mediante instituição de inventário.
Para César Fiúza:
“Inventário é meio de liquidação da herança. É processo pelo qual se apura o ativo e o passivo da herança, pagam-se as dívidas e legados, recebem-se créditos etc.”
Conforme entendimento do autor acima mencionado, apenas ao final da realização da árdua atividade necessário para efetiva liquidação, apuração dos haveres do morto e satisfação dos débitos deixados, é que o patrimônio a ser herdado, resultante da operação acima mencionada, será canalizado aos herdeiros.
O procedimento de inventário sobeja imprescindível para que se tome conhecimento da real condição financeira e patrimonial do de cujus, devendo ser deflagrado até 60 dias após a abertura da secessão, sob pena multa ou demais penalidades impostas por lei. Sendo iniciado o procedimento de liquidação dos haveres tempestivamente, o inventariante (habilitado conforme o regramento civil ou indicado pelo juiz) deve concluir os trabalhos a ele endereçados em no máximo 12 meses, todavia, muitas das vezes o interregno imposto para conclusão dos trabalhos é assaz escasso, seja em função da dificuldade em identificar e avaliar com precisão a universalidade deixada ou mesmo ocasionado pelo vultuoso patrimônio legado e eventuais habilitações de herdeiros necessários da linha dos descendentes não reconhecidos em vida ou por testamento, e em função disso o legislador opta por flexibilizar a regra permitindo que o magistrado competente por nortear os trabalhos possa, quando necessário, realizar sua prorrogação.
O procedimento do inventário e da partilha acha-se regulamentado pelo Código Civil, arts. 1.991 a 2.027, e pelo Código de Processo Civil, arts. 982 a 1.045.
Gozam de legitimidade para requerer a liquidação patrimonial através do procedimento de inventário, consonante previsão legal: o cônjuge sobrevivente, o herdeiro, o cessionário, o credor, o testamenteiro, o curador do herdeiro interdito, o administrador da falência do herdeiro ou do cônjuge sobrevivo, o Ministério Público (caso haja herdeiro incapaz), por fim, a Fazenda Pública. Caso nenhum dos postulantes acima requeira a deflagração da partilha no lapso temporal previsto, o Juiz, de ofício, determinará que seja iniciado o procedimento.
O foro competente para realização do inventário é o do ultimo domicílio do finado. Caso haja mais de um domicílio, a competência será definida por prevenção, competindo decidir acerca de todas as questões relacionadas à herança, mesmo se localizada em foro diverso.
O inventariante é gestor da herança e responsável por representar ativa e passivamente o espólio sob a fiscalização do juiz e do Ministério Público. Deve prestar compromisso de bem gerir e sempre que se fizer possível evitar o perecimento dos bens dentro de no máximo cinco dias após sua nomeação, consequentemente, compete ao inventariante ressarcir eventuais danos ocasionados, seja de natureza moral ou material além de gozar do direito de requerer o reembolso das benfeitorias úteis e necessárias realizadas a título de urgência. Enquanto o inventariante não assumir seu posto laboral, a administração provisória do patrimônio legado pelo finado compete a um gestor provisório, a este compete realizar os atos de representação judicial e extrajudicial do espólio, promover a liquidação dos bens e realização do inventário até que seja nomeado definitivamente administrador ao inventário seguindo a regra imposta por lei.
Consoante assevera Fiúza ao tratar do procedimento a ser realizado:
“Os herdeiros, legítimos ou testamentários, deverão comparecer ao processo espontaneamente ou mediante intimação, constituindo procurador que os represente. Todos os atos do inventário devem ser acompanhados pelos herdeiros. Sua audiência é necessária em tudo que lhes diga respeito: descrição de bens, avaliação, pagamento do passivo, plano de esboço de planilha, prestação de contas do inventariante.”
O entendimento acima aduzido traduz limpidamente a necessária atenção despendida pelos principais interessados no êxito do inventário, seus herdeiros. A simplicidade e celeridade necessários à efetiva prestação patrimonial varia de acordo com o número de herdeiros habilitas, pois o Código Civil prevê algumas peculiaridades a serem observadas de acordo com cada caso. Serão citados os herdeiros conhecidos e ainda não habilitados, e, se for o caso, o Ministério Público. Dispensa-se citação aos que comparecem espontaneamente.
Depois de serem colocadas todas as questões pertinentes e formado o arcabouço dos bens, sua avaliação deverá ser realizada. Caso haja impugnação por parte dos herdeiros da avaliação inicialmente empreendida, é possível requerer que seja realizada nova avaliação para definição de valor pecuniário do bem.
Finalmente, realizada identificação e avaliação dos bens que compõem o acervo patrimonial do finada, o passo seguinte será a satisfação dos débitos, os credores deverão habilitar seus créditos para obtenção de sua satisfação financeira. Após o pagamento das dívidas deixadas pelo de cujus, o restante dos bens sofrerá divisão de acordo com o regramento sucessório traçado pela Lei nº 10.406/02, será deflagrada a segunda fase sucessória: a partilha.
Demais questões pertinentes acerca do inventário e que estão diretamente intrincadas ao seu procedimento são: arrolamento (quando a herança for de pequena monta, ou se os herdeiros forem capazes e entrarem em consenso acerca da partilha amigável), colação(forma de equilibrar eventuais benesses feitas pelo morto em favor de algum de seus descendentes, se o valor do bem for considerado assaz discrepante este bem deverá ser computado no sentido de integralizar seu respectivo quinhão), inventário negativo(quando não existirem bens a serem inventariados), sonegados(ocultação de bem dificultando a realização do procedimento e mesmo lesando os herdeiros), por fim, inventário partilha extrajudicial(processado por escritura pública lavrada em cartório de notas).
PARTILHA
De acordo com a sistemática normativa instituída pelo título IV do capítulo V do Código civil de 2002 (Lei 10.046/2002), concluído o inventário, inicia-se o procedimento de partilha. Neste momento, desaparece do mundo jurídico a figura do espólio, entrando em cena o direito individualizado de cada herdeiro ou legatário. Partilha é sinônimo de divisão. Trata-se da divisão judicial do monte líquido constatado no inventário. Neste momento, separada a parte da meação do cônjuge supérstite, realiza-se a separação do restante dos bens deixados pelo autor da herança entre os herdeiros e legatários. A sentença neste caso se incumbe de declarar a propriedade dos herdeiros e retroage à data de abertura da sucessão. Isto se dá porque o herdeiro adquire a o domínio e a posse dos bens não em virtude da supracitada sentença, mas sim em virtude da abertura da sucessão.
O direito do herdeiro a requerer a partilha encontra-se insculpido no art. 2.013 do Código civil vigente:
“Art. 2.013. O herdeiro pode sempre requerer a partilha, ainda que o testador o proíba, cabendo igual faculdade aos seus cessionários e credores.”
Aqui se percebe que o direito de requerer a partilha é extensível aos cessionários e credores.
Nos moldes do art. 1.022 do Código de processo civil (Lei 5.869/73), concluído o inventário, o juiz facultará as partes que formulem pedido de quinhão, julgando-o no prazo de 10 dias, e proferindo em seguida o despacho de deliberação de partilha, dando resposta aos pedidos das partes e designando os bens concernentes ao quinhão de cada herdeiro ou legatário.
Feito isto, o partidor terá como guia tal decisão para elaborar o esboço da partilha, que terá a seguinte ordem no que tange aos pagamentos (art. 1.023 do CPC):
I - dívidas atendidas;
II - meação do cônjuge;
III - meação disponível;
IV - quinhões hereditários, a começar pelo co-herdeiro mais velho.
Espécies de partilha
A partilha é classificada pela doutrina, primordialmente, em amigável (ou consensual) e judicial. Esta classificação encontra base legal nos artigos 2.015 e 2.016 do Código Civil, in verbis:
“Art. 2.015. Se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz.”
“Art. 2.016. Será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como se algum deles for incapaz.”
A partilha amigável decorre do encontro de vontades dos interessados capazes, que o poderão fazer por escritura pública, termo nos autos do inventário ou escrito particular homologado pela autoridade judiciária. É partilha realizada extrajudicialmente. Nas palavras de Maria Helena Diniz:
“A partilha amigável, também chamada extrajudicial, pode ser feita pelos herdeiros, se forem capazes, e se houver unanimidade entre eles. E negócio jurídico plurilateral. Todos os herdeiros têm de participar dele, e consentir. Se faltar um só deles, não é somente nula a partilha, mas inexistente.” (Código Civil Anotado, 2006)
Tal partilha pode ser feita por ato inter vivos ou por ato post mortem. No primeiro caso, a partilha deverá ser realizada por testamento ou por escritura pública por qualquer ascendente, desde que não invada a parte dos bens que cabe aos herdeiros necessários (art. 2.018, CC).
Trata-se de verdadeira antecipação de herança, tendo o condão de dispensar a feitura de inventário, funcionando como um verdadeiro inventário antecipado caso sejam discriminados os bens e valores de cada quinhão hereditário. Entretanto, pode haver reajuste nos quinhões para que sejam respeitados os bens destinados aos herdeiros legítimos.
No que concerne a partilha amigável post mortem, dispõe o art. 2.014 do Código Civil:
“Art. 2.014. Pode o testador indicar os bens e valores que devem compor os quinhões hereditários, deliberando ele próprio a partilha, que prevalecerá, salvo se o valor dos bens não corresponder às quotas estabelecidas.”
Tal modalidade de partilha pode ser concretizada no desenvolver no próprio procedimento de inventário, “por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz” art. 2.015, CC/02). Para tanto, os herdeiros devem ser capazes (art. 2.016). Neste caso, conforme o art. 1.031 do Código de Processo Civil, a partilha será homologada de plano pelo juiz mediante a prova da quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas. Entretanto, há entendimento doutrinário do qual Euclides Oliveira se insere de que sendo caso de partilha amigável feita por escritura pública, não há necessidade de homologação judicial.
Já a partilha judicial é obrigatória sempre que haja divergência entre os herdeiros ou se for constatado que algum dele é menor ou incapaz, ou ainda no caso do de cujus que deixa testamento. Assim dispõe o Código Civil:
“Art. 2.016. Será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como se algum deles for incapaz.”
De tal modo, devem os herdeiros elaborar pedido de quinhão, a ser apreciado pelo juiz, em sede de despacho de deliberação (irrecorrível para a jurisprudência, mas recorrível por meio de agravo de instrumento para parte da doutrina). O esboço de partilha será norteado por tal despacho, tendo as partes 5 dias para impugná-lo.
Decididas as reclamações dos herdeiros, a partilha será lançada nos autos, conforme art. 1.024.
Neste ponto, deverão os autos de partilhar assim constarem:
“Art. 1.025- A partilha constará:
I- de um auto de orçamento, que mencionará:
a)os nomes do autor da herança, do inventariante, do cônjuge supérstite, dos
herdeiros, dos legatários e dos credores admitidos;
b)o ativo, o passivo e o líquido partível, com as necessárias especificações;
c)o valor de cada quinhão;
II- de uma folha de pagamento para cada parte, declarando a quota a pagar-lhe, a razão do pagamento, a relação dos bens que lhe compõem o quinhão, as características que os individualizam e os ônus que os gravam.
Parágrafo único. O auto e cada uma das folhas serão assinados pelo juiz e pelo escrivão.”
Também dispõe o CPC acerca da sentença:
Art. 1.026- Pago o imposto de transmissão a título de morte, e junta aos autos certidão ou informação negativa de dívida para com a Fazenda Pública, o juiz julgará por sentença a partilha.
Art. 1.027- Passada em julgado a sentença mencionada no artigo antecedente, receberá o herdeiro os bens que lhe tocarem e um formal de partilha, do qual constarão as seguintes peças:
I- termo de inventariante e título de herdeiros;
II- avaliação dos bens que constituíram o quinhão do herdeiro;
III- pagamento do quinhão hereditário;
IV- quitação dos impostos;
V- sentença.
Parágrafo único. O formal de partilha poderá ser substituído por certidão do pagamento do quinhão hereditário, quando este não exceder 5 (cinco) vezes o salário mínimo vigente na sede do juízo; caso em que se transcreverá nela a sentença de partilha transitada em julgado.
Art. 1.028. A partilha, ainda depois de passar em julgado a sentença (art. 1.026), pode ser emendada nos mesmos autos do inventário, convindo todas as partes, quando tenha havido erro de fato na descrição dos bens; o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, poderá, a qualquer tempo, corrigir-lhe as inexatidões materiais.
A doutrina civilista, conforme já exposto, é pacífica no entendimento de que a sentença em comento é declaratória e seus efeitos retroagem ao tempo da abertura da sucessão, e em nenhum momento tem natureza constitutiva.
Anulação e rescisão da partilha
A partilha será anulável se se tratar de partilha amigável, eivada de qualquer modalidade de vício ou defeito comumente atribuíveis aos atos e negócios jurídicos. Será rescindível a partilha judicial, julgada por sentença.
Traz o Código civil prazo para anulação da partilha:
“Art. 2.027. A partilha, uma vez feita e julgada, só é anulável pelos vícios e defeitos que invalidam, em geral, os negócios jurídicos.
Parágrafo único - Extingue-se em um ano o direito de anular a partilha.”
Complementando, dispõe o Código de Processo Civil neste sentido:
“Art. 1.029. A partilha amigável, lavrada em instrumento público, reduzida a termo nos autos do inventário ou constante de escrito particular homologado pelo juiz, pode ser anulada, por dolo, coação, erro essencial ou intervenção de incapaz.”
De tal modo, uma vez havendo vícios como o dolo, a coação e o erro essencial, a partilha poderá ser anulada no prazo de um ano, contado da seguinte forma:
Parágrafo único. O direito de propor ação anulatória de partilha amigável prescreve em 1 (um) ano, contado este prazo:
I- no caso de coação, do dia em que ela cessou;
II- no de erro ou dolo, do dia em que se realizou o ato;
III- quanto ao incapaz, do dia em que cessar a incapacidade.
Já no que tange à rescisão da partilha judicial, dispõe o art.1.030 do CPC:
Art. 1.030- É rescindível a partilha julgada por sentença:
I- nos casos mencionados no artigo antecedente;
II- se feita com preterição de formalidades legais;
III- se preteriu herdeiro ou incluiu quem não o seja.
Como no caso da partilha judicial há proferimento de sentença que enfrenta uma relação litigiosa, cabe perante esta a ação rescisória. O prazo para o ajuizamento desta é de dois anos. Entretanto, se a sentença é meramente homologatória, não havendo impugnações por parte dos herdeiros envolvidos quanto ao mérito da mesma, o prazo é de um ano, não se tratando de hipótese de ação rescisória.
Sobrepartilha
A sobrepartilha se resume a outro procedimento de partilha que visa abarcar bens que não foram contemplados na partilha primária, seja porque não tenham sido descobertos até então, ou porque não foram partilhados por qualquer outro motivo. Assim, destaque-se o dispositivo legal do estatuto processual:
Art. 1.040- Ficam sujeitos à sobrepartilha os bens:
I- sonegados;
II- da herança que se descobrirem depois da partilha;
III- litigiosos, assim como os de liquidação difícil ou morosa;
IV- situados em lugar remoto da sede do juízo onde se processa o inventário.
Parágrafo único. -Os bens mencionados nos números III e IV deste artigo serão reservados à sobrepartilha sob a guarda e administração do mesmo ou de diverso inventariante, a aprazimento da maioria dos herdeiros.
A sobrepartilha pode ser feita nos mesmos moldes da partilha, entretanto não está vinculada à ela quanto a sua forma. Pode ser feita na via extrajudicial mesmo se a partilha foi feita judicialmente, e vice-versa.