Inundação global por impacto de cometas: estimativa de parâmetros e implicações posteriores

Por Gabriel Beraldo Affá Ferreira | 05/12/2016 | Arte

  1. Resumo

Este projeto teve como objetivo estimar parâmetros envolvidos em uma hipotética colisão entre Terra e um cometa que resultaria na pulverização deste corpo e admitindo-se que parte de sua composição é água, imaginou-se um cenário de acresção deste material na atmosfera terrestre e as chuvas consequentes. Por cálculos simples chegou-se ao resultado de que um cometa como o Halley sozinho não seria suficiente para inundar o planeta e que se faria necessária a presença de corpos com massas significativamente maiores ou numerosos cometas (~3x107) como o Halley. Para a maior massa de água , desconsiderando-se o volume das massas continentais, a altura da coluna de água depositada sobre o nível médio dos mares foi da ordem de 500 metros.

Por fim discutiu-se a relação deste tipo de impacto e a formação dos oceanos terrestres, onde conclui-se que a origem mais provável dos oceanos se deu pela colisão de corpos com origem proxima a dos asteroides e não a dos cometas., teoria esta apoiada na comparação das proporções de deutério e hidrogênio na água destes corpos.

  1. Introdução

O estudo da composição química dos cometas nos permite entender melhor a formação do Sistema Solar e da própria Terra, uma vez que estes corpos, carregam consigo compostos orgânicos e voláteis como a água, que se mantem preservada desde os primórdios do sistema devido às grandes distâncias e excentricidades de suas orbitas. A grande disponibilidade de água no planeta Terra é alvo de estudo constante da comunidade científica e o modelo mais difundido é o da acreção dos voláteis vindos dos corpos citados (Marty,2016).

 As superfícies dos planetas telúricos e as luas em geral são marcadas por crateras de impacto. Impactos deste tipo são comuns no Sistema Solar desde seus primórdios, sendo inclusive um dos principais mecanismos para que a este apresentasse a atual conjuntura observada. A Terra, apesar de possuir atmosfera e ser geologicamente ativa, também preserva crateras de impacto distribuídas por todo o globo, as quais provam que o planeta já passou por eventos de grande magnitude no passado e pode vir a enfrenta-los novamente. A partir destas premissas, desenvolveu-se o presente trabalho, que visou simular um cenário catastrófico de colisão, onde um cometa seria responsável por formar um disco de acreção de pequenas partículas em torno da Terra e estas, migrando para a atmosfera causariam chuvas torrenciais de longa duração, suficiente para cobrir toda a parte continental do planeta.

  1. Metodologia & Resultados

Para a realização dos cálculos envolvidos neste projeto adotaram-se parâmetros para o tamanho e porcentagem de compostos do(s) corpo(s) responsáveis pela geração do disco de acreção, volume de precipitação e área na qual ela se concentraria.

3.1 Parâmetros do cometa

Segundo Marty (2016) a porcentagem de voláteis nos cometas varia entre 30 e 50% de seu peso total. Adotou-se então neste trabalho o valor de 50% massa do cometa HALLEY (3x1014 kg) como sendo água e que apenas metade da massa total seria feita parte do disco de acreção, portanto foi considerada para os cálculos de precipitação 25% (7,5 x1013 kg) da massa total do cometa HALLEY.

Os mesmos cálculos foram repetidos para um corpo hipotético de maiores proporções, comparáveis ao corpo trans-netuniano localizado na nuvem de Oort (região a qual acredita-se ser a origem de diversos cometas periódicos, inclusive o Halley) denominado Sedna, de massa estimada em 1021 kg sendo que também 25% de sua massa seria de água, portanto 2,5 x 1020 kg. A comparação tem como objetivo mostrar o efeito do impacto de um cometa bastante e conhecido versus um objeto com potencial de catástrofe muito mais tangível.

3.2 Precipitação

  • O valor típico de precipitação para regiões de clima equatorial como a Amazônia brasileira varia entre 2000mm e 3000mm por metro quadrado por ano, segundo a classificação climática Köppen-Geiger. Adotou-se então neste trabalho o valor de 2000mm por metro quadrado por ano. Este valor pode ser entendido como uma coluna de água com altura de 2 metros e uma base de 1m2. A área considerada para a precipitação foi a região imediatamente proxima ao equador, considerando-se o a circunferência da Terra, que se considerada perfeitamente esférica , pode ser calculada por
  • C = 2πR

Onde R é o raio equatorial da Terra (6371000 metros).

  • Obtido o valor de C como 40.075.000 m, multiplicou-se por uma largura de 100000m obtendo-se uma área de 4,0075 x1012 m2 ao redor do equador terrestre. Poderia-se adotar uma largura de maiores ou menores dimensões, o valor escolhido neste trabalho foi de modo a obter-se os intervalos de tempo de chuvas mais facilmente assimiláveis. Esta área seria a qual receberia a maior parte das moléculas de água vindas do disco de acresção, representado artisticamente na Figura 2.

Figura 2. Representação artística do disco de acrescção causado pela pulverização do corpo de impacto. Retirado da série Evacuate Earth , National Geographic, episódio “Flooded Earth”.

  • Multiplicando-se o valor de de precipitação (colunas de 2m por m2) pela área descrita acima obteve-se o volume total de água que precipitaria em 1 ano : 8,015 x1010 m3. Segue tabela comparando resultados para o cometa Halley e para o corpo hipotético, onde (2) Tempo de chuvas = Volume d’água fornecido / Volume de precipitação em 1 ano.
 

HALLEY

CORPO HIPOTÉTICO

Massa (kg)

3x1014

1021

Volume de água fornecido (m3)

7,5x1010m3

2,5x1017m3

Tempo de chuvas

Aproximadamente 0,018 ano ou 7 dias

Aproximadamente

600 mil anos

Tabela 1. Resultados.

3.3 Elevação do nível dos oceanos

É possivel estimar o nível dos oceanos ao fim do periodo de chuvas. Considerou-se a área da superfície da Terra como sendo lisa a partir do nível médio dos mares , ou seja , o volume das áreas continentais será desconsiderado para simplificar os calculos. A área de uma esfera pode ser escrita por (2):

  • A = 4πR2

Onde R é o raio equatorial da Terra (6371000 metros). Obtem-se que a Terra tem a área de 5,101 x1014 m2. Sendo a medida de  (4) Volume de chuvas = Área da Terra x Altura da coluna d’água, obtem-se para o cometa Halley uma coluna de água desprezível, menor que 1mm. Já a mesma extrapolação para o corpo hipotético resulta em uma coluna de água com altura da ordem de 500 metros, valor significativo e que já seria o suficiente para cobrir grandes regiões altamente povoadas do globo. Caso o volume dos continentes fosse considerado, esta altura seria ainda maior.

  1. Discussão

Os resultados encontrados mostram que o impacto de um cometa semelhante ao Halley não seria suficiente para inundar expressivamente o planeta Terra quando se divide seu volume de água pelo globo igualmente, porém se forem consideradas tempestadas concentradas em determinada região o volume torna-se bastante expressivo. Já uma inundação global de grande porte se daria para corpos signficativamente maiores , com dimensões de planetas-anões como o corpo hipotético sugerido , ou ainda por uma quantidade maior de corpos. O corpo hipotético poderia causar chuvas ininterruptas na região equatorial por volta de 600 mil anos.

 A teoria da formação dos oceanos terrestres considera que a Terra teria sido atingida por corpos carregados de água de modo mais intenso por um determinado intervalo de tempo geológico. A análise da composição química da água presente nos asteróides e cometas tem sido utlizada para ilucidar esta questão. Segundo Marty (2016) a relação entre os átomos de deutério (isótopo do hidrogênio com número de massa 2) e hidrogênio comum verificada nos cometas não é compativel com a dos oceanos terrestres, que tem uma quantidade muito pequena de deutério. A proporção observada nos asteróides é mais próxima à dos oceanos , o que indicaria uma grande participação de corpos planetesimais relacionados aos asteróides e pequena participação dos planetesimais e cometas trans-netunianos como os apresentados neste trabalho.

  1. Referências

MARTY, Bernard. Origins of volatile elements (H, C, N, noble gases) on Earth and Mars in light of recent results from the ROSETTA cometary mission. Earth and Planetary Science Letters 441 (2016) 91–102. 2016.