Introdução à Teoria Democrática Moderna
Por Emanuel Isaque Cordeiro da Silva | 22/11/2018 | PolíticaEmanuel Isaque Cordeiro da Silva
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Teoria Democrática Moderna
Em meados do século XVI, surgiu a ideia de autonomia do indivíduo, que deu origem ao individualismo e ao liberalismo político. A concepção de democracia que se desenvolveu com base nesses princípios assumiu um perfil bastante diferente daquele utilizado na Grécia antiga.
Se antes a democracia estava diretamente ligada à ideia de igualdade, em sua nova versão passou a ser relacionar primordialmente com a ideia de liberdade. Em decorrência dos ideais desenvolvidos naquele momento histórico, o principal dilema político fundamentava-se na limitação de poder do soberano (que às vezes se confundia com o próprio Estado) e na ampliação das liberdades individuais, como o direito a dispor da propriedade material e a defender-se judicialmente. Até hoje, grande parte do debate político tem como tema a defesa dos ideias liberais ou a crítica a eles.
Na perspectiva do filósofo inglês Thomas Hobbes, a constituição e o funcionamento de uma sociedade pressupõem que os indivíduos cedam, por transferência, seus direitos naturais (mantendo somente o direito de conservarem sua vida) ao soberano. O autor entendia que os seres humanos, em estado de natureza (isto é, compartilhando do direito a tudo o que existe, em razão de não haver limitação legal), tendem a agir pela força e pela violência para conseguir o que desejam, o que acabaria provocando uma guerra contínua entre todos.
Para Hobbes, a justificativa para o poder absoluto dos reis residia na compreensão de que os homens em estado de natureza se encontrariam em constante conflito. Na foto, palácio na Arábia Saudita, em 2012, uma das poucas monarquias absolutas da atualidade.
Por isso, para disciplinarem a si mesmos e garantirem o bem-estar físico e material, seria necessário que os indivíduos firmassem um contrato social regulado por uma autoridade soberana. Hobbes manifestou preferência pela monarquia absolutista, pois acreditava que as assembleias e os Parlamentos estimulam os conflitos graças às disputas entre diferentes facções e partidos.
O poder absoluto defendido por Hobbes se justificava pela transferência dos direitos dos indivíduos ao soberano. É um nome desse contrato social que o poder deve ser exercido, e não para a realização da vontade pessoal do soberano. Por conta dessa perspectiva, Hobbes não pode ser considerado defensor da democracia. Entretanto, seu pensamento é importante, pois serve de parâmetro para as reflexões sobre a organização do poder construídas posteriormente.
No século XVII, John Locke, também filósofo inglês, propôs uma reflexão bem diferente das de Hobbes. Para ele, o poder soberano deve permanecer nas mãos dos cidadãos, que são os melhores juízes dos próprios interesses. Cabe ao governante retribuir a delegação de poderes ao garantir as prerrogativas individuais: segurança jurídica e propriedade privada. Assim, o contrato social teve como função garantir os direitos naturais para todos. Esse pensamento é uma das bases do liberalismo político. Entretanto, deve ser ressaltado que sua implantação não permitiu a construção da igualdade propagada por Locke, mas foi uma das estruturas de consolidação do poder da burguesia.
As ideias de Locke são uma das referências para o desenvolvimento da democracia representativa. Na imagem, vemos o palácio de Westminster, em Londres, onde estão situadas as casas do Parlamento e ocorrem as principais decisões políticas do Reino Unido.
Para Locke, o princípio da maioria é fundamental para o funcionamento das instituições políticas democráticas, assim como as leis, que devem valer para todos. Por isso, segundo o filósofo, a elaboração das leis precisa estar a cargo de representantes escolhidos pelo povo, que exerceriam o papel de legisladores no interesse da maioria: o regime político proposto por Locke é, portanto, uma democracia representativa.
O escritor e filósofo político suíço Jean-Jacques Rousseau se preocupou com o problema da legitimidade da ordem política. Para ele, a desigualdade ocasionada pelo advento da propriedade privada é a causa de todos os sentimentos de ruins do ser humano. No contrato social, é preciso definir a questão da igualdade e do comprometimento de todos com o bem comum. Se a vontade individual é particular, a do cidadão, que vive em sociedade e tem consciência disso, deve ser coletiva e voltada para o bem comum.
A participação política é, portanto, ato de deliberação pública que organiza a vontade geral, ou seja, traduz os elementos comuns a todas as vontades individuais. Esse seria, portanto, o núcleo do conceito de democracia. Em seu livro Do Contrato Social , Rousseau afirma que a democracia só pode existir se for diretamente exercida pelos cidadãos, sem representação política, pois a vontade geral não poderia ser representada, apenas exercida diretamente. Para Rousseau, a democracia direta é o único sistema legítimo de autoridade e de ato político.
Em O espírito das leis, o filósofo e político Montesquieu, afirmou que igualdade na democracia é algo muito difícil de garantir plenamente. Partindo do princípio de que é necessário um controle externo para que os sistemas políticos funcionem bem, esse pensador defende a criação de regras que estabeleçam limites aos detentores do poder a fim de manter a liberdade dos indivíduos. Por isso, propôs a divisão da esfera administrativa em três poderes ou funções independentes entre si: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
De maneira resumida, cabem ao poder Legislativo as funções de fiscalizar o poder Executivo, votar leis de interesse público nas instâncias relativas (municipal, estadual e federal) e, em situações específicas, julgar autoridades como o presidente da República ou os próprios membros do Parlamento. O Executivo é o poder do Estado que, nos moldes da Constituição de um país, tem por atribuição governar a nação e administrar os interesses públicos, colocando em prática políticas públicas e leis, e garantindo o acesso aos direitos. Por fim, o poder Judiciário é exercido pelos juízes, que têm a capacidade e a prerrogativa de julgar com base nas regras constitucionais e nas leis criadas pelo poder legislativo.
Para Montesquieu, a democracia não pode prescindir da divisão entre os poderes. Na imagem, foto da Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF), 2013.
A democracia, na perspectiva de Montesquieu, seria garantida pelo equilíbrio entre os três poderes, assegurando assim maior liberdade aos indivíduos. A liberdade, porém, só existiria com moderação, o que equivaleria a fazer tudo o que as leis permitissem (pois, se um cidadão pudesse fazer tudo o que as leis proibissem, não teria mais liberdade, por que todos poderiam fazer o mesmo).
Karl Marx e Friedrich Engels acreditavam que um governo democrático seria inviável numa sociedade capitalista, pois a regulação democrática da vida não poderia se realizar com as limitações impostas pelas relações capitalistas de produção. Seria necessário, portanto, mudar as bases da sociedade para criar possibilidade de uma política democrática. Para entender a posição desses autores com relação à democracia, é necessário entender como eles percebem a função do Estado na sociedade capitalista.
Para Marx e Engels, os princípios que protegem a liberdade dos indivíduos e defendem o direito à propriedade tratam as pessoas como iguais apenas formalmente. O movimento em favor do sufrágio universal e de igualdade política é reconhecido por Marx como um passo importante, mas, segundo esse autor, seu potencial emancipador está limitado pelas desigualdades de classe. Desse modo, as democracias liberais seriam cerceadas pelo capital privado, que restringiria sistematicamente as opções políticas. De acordo com esse olhar, a liberdade nas democracias capitalistas é, portanto, puramente formal, pois a desigualdade de classe prevalece. Nas palavras de Marx: “Na democracia liberal, o capital governa”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Coleção Os Pensadores).
LOCKE, J. Segundo tratado sobre o governo civil. São Paulo: Martin Claret, 2002.
MARX, K. O capital: crítica a economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Coleção Os Pensadores).
MARX, K.; ENGELS, F. O manifesto do partido comunista. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
ROUSSEAU, J. J. O contrato social e outros escritos. São Paulo: Cultrix, 1971.
SILVA, A. et al. Sociologia em movimento. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2016.