INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE DEPENDENTE DE DROGAS: LIMPEZA...

Por MAX RODRIGO DA CRUZ LEITAO | 13/09/2016 | Direito

INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE DEPENDENTE DE DROGAS: LIMPEZA SOCIAL OU PROTEÇÃO URBANA

 

RESUMO

Prevista no art. 9º, da Lei 10.216 de 6 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, a internação compulsória configura um dos três tipos de internações psiquiátricas (juntamente com a internação voluntária e involuntária), requerida ante ao Poder Judiciário pelos familiares de indivíduos que encontram-se acometidos por algum tipo de enfermidade mental, mais comumente relacionada à dependência química. Apesar de ser pugnada com mais frequência do que os outros tipos de internação psiquiátrica, a internação compulsória é uma modalidade que desperta análise crítica acerca do sua finalidade precípua, visto que sua decretação ocasiona o efetivo cerceamento do livre arbítrio do enfermo.

INTRODUÇÃO

            De acordo com Yara Nogueira Monteiro, historicamente, sempre que não se sabe o que fazer com determinadas minorias, a teoria utilitarista e sanitária eugenista entra em cena, para servir como base para a justificação da necessidade de segregação de grupos inteiros. A palavra 'eugenia', denominada por Francis Galton em 1883, compreende "a ciência do melhoramento biológico do tipo humano", sendo que:

Galton estava convencido de que a maioria das qualidades físicas, mentais e morais dos humanos era herdada; desse modo, o progresso humano dependeria de como essas qualidades seriam passadas para as gerações futuras.

A eugenia como movimento médico social dos tempos moderno, aspirava assegurar a constante melhoria da composição hereditária de uma sociedade, encorajando indivíduos e grupos adequados a se reproduzirem e, talvez, mais importante, desencorajando ou evitando que os “inadequados” pudessem transmitir seus legados as gerações futuras.

 Conforme Luzia Aurelia Castañeda os eugenistas entendiam a vida como resultado de leis biológicas. Os médicos e sanitaristas acreditavam ser hereditárias muitas das moléstias comuns entre os pobres, tais como tuberculose, sífilis, “lepra”, alcoolismo e doenças mentais. Estas ideias geravam medo e decadência social, pois os eugenistas acreditavam que os genes determinavam o caráter do indivíduo e não o meio social no qual o mesmo habitava. Os portadores de moléstias figuravam como indesejáveis, sendo assim, retirados do cenário urbano e colocados em instituições fechadas.

1 - HISTÓRICO DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA NO BRASIL E NO MUNDO

 A dependência química que torna os usuários seres humanos vacantes incomodam profundamente a sociedade, e faz com que o sentimento de que algo precisa ser feito aflore nas veias de cada cidadão, que se preocupa muito mais com a sua zona de conforto do que com o dependente em si. Projetos de lei que visam, tão somente, agravar a situação desses dependentes químicos, uma vez que não prevê qualquer critério para o tratamento médico, psicológico, ou mesmo políticas públicas emancipadoras, capazes de contribuir para o enfrentamento do problema, ao contrário, marginalizando a pobreza e fortalecendo estigmas preconceituosos.

A teoria utilitarista é conhecida nas políticas públicas brasileiras, uma vez que foi a justificadora da internação compulsória dos hansenianos, situação similar a internação dos dependentes químicos, como passamos a analisar. Segundo o Manual de Leprologia (1960), a Lepra é uma doença assinalada desde a mais remota antiguidade, a evidência sobre sua origem baseia-se em escritas de diferentes civilizações e em lesões encontradas em restos de ossos. A provável origem da doença é na Índia.

 A lepra foi, durante muito tempo, incurável e mutiladora, e sabe-se que já na idade média, o isolamento dos pacientes em leprosários era a política pública utilizada, principalmente na Europa. Alguns dos Leprosários famosos e mais duradouros foram: Kalaupapa (Hawaii), Chacachacare (Trinidad), The Basin (Victoria) e Spinalonga (Creta). Diversas colônias localizavam-se em ilhas, a fim de melhor segregar os doentes do resto da população.

Segundo Leila Reguna Scalia Gomide (1991), no Brasil, a Lepra e suas formas de controle, através da exclusão e segregação, foram trazidas pelos Europeus, uma vez que a marginalização dos leprosos fazia parte do ideário português. A lepra foi introduzida no Brasil pelos portugueses e escravos africanos. Os índios aqui existentes não a possuíam e, ainda na atualidade, as tribos que se mantém afastadas do meio urbano continuam sem registrar casos da doença.

 No Brasil, não havia, uma normatização quanto ao tratamento e conduta em relação aos “leprosos”. Ao se identificar os primeiros focos, o tratamento passou a ser executado nos doentes, que proliferaram com o crescente número de casos existentes e com a necessidade de recolher os doentes andarilhos. Configurava-se, assim, o isolamento de que se falava na Europa, porém sob a forma de hospital especializado.

As primeiras informações sobre os focos familiares de hanseníase, segundo o Manual de Leprologia (1960), foram fornecidas por pesquisas Censo mais antigo, realizado na então Capitania de São Paulo, em 1820, pelo então Visconde de Oeynhausen. Ele evidenciou a ocorrência de muitos casos de Hanseníase em pessoas da mesma família, mostrando que focos familiares seriam "verdadeiros ninhos de Lepra". Naquela época existia uma crença popular sobre a possibilidade da transmissão da doença de pais para filhos e do contágio entre os membros da família, evidenciando, assim, a importância dos comunicantes na expansão da Hanseníase. Não existia uma política nacional de saúde pública, os ricos tinham seus médicos e seus doutores, enquanto a população pobre vivia à mercê da sorte, aos cuidados de benzedeiras ou hospitais filantrópicos de caridade quase sempre subsidiados pela Igreja.

Nesse sentido, a iniciativa de construção de hospitais para hansenianos deve-se ao fato de as autoridades médicas, principalmente do Rio de Janeiro, terem se convencido de que a doença poderia ser transmitida de uma pessoa a outra e não mais ser de caráter hereditário, como se pensava inicialmente.

No Brasil, o novo século se iniciou com graves problemas na saúde, tais como: epidemias de febre amarela, varíola, cólera, malária, peste bubônica e tuberculose. A Hanseníase era endêmica na maioria das regiões brasileiras, porque se alastrava de forma progressiva e estava fora de controle. As condições de vida da população até essa época também favoreceram esse quadro. Da mesma forma, o atraso da medicina colaborou para que a situação chegasse a um ponto crítico. Quando a situação da hanseníase se mostrou fora de controle, os médicos brasileiros passaram a se interessar por ela, fazendo estudos, pesquisas e cursos no exterior, como na França e na Alemanha, trazendo mais informações sobre o tratamento e medidas de profilaxia. As autoridades médicas sofriam, por um lado, pressões da população, que clamava por medidas urgentes de combate à doença e, por outro lado, submetiam-se à morosidade, à falta de vontade política e ao desinteresse de algumas autoridades estatais.

Quando Oswaldo Cruz assumiu, em 1903, a então Diretoria Geral de Saúde Pública do Estado do Rio de janeiro, a hanseníase passou a ter maior atenção do Poder Público e a fazer parte dos programas governamentais de combate às doenças transmissíveis. Como demostra Yara Nogueira Monteiro, as políticas de controle da “Lepra” no Brasil surgem nessa época e tinham como finalidade a segregação dos doentes, pois a doença não era vista apenas como uma enfermidade grave, mas como uma espécie de condenação divina. Assim, em 1904, entrava em vigor o Regulamento Sanitário da União, determinando que a Hanseníase, além de ser uma doença de internação compulsória, colocava os doentes sob o domínio do poder público.

Conforme Leila Reguna Scalia Gomide (1991, p.39):

o poder público “acionou seus mecanismos de controle e se utilizou de todas as formas possíveis para identificar, no seio da sociedade, aqueles que eram considerados prejudiciais, a fim de isolá- los.

As primeiras vítimas, dessa política pública sanitária, que se espalhou em todo o território nacional tiveram seus direitos fundamentais interrompidos e violados. Surgiram, assim, os primeiros projetos de construção de leprosários, asilos e colônias agrícolas, públicos e gratuitos, tendo como objetivo retirar da sociedade os portadores de Lepra no Brasil, começando uma forte política de segregação e internação compulsória daqueles que sofriam deste mal.

Segundo Lara (2008), a política sanitária da década de 20, que teve Osvaldo Cruz como principal mentor, tinha a finalidade de sanear as cidades, remover as imundices, os focos de infecções, recolher e expulsar dos centros urbanos os que eles consideravam “inaptos” para o convívio social. Dentre essas categorias estigmatizadas, estavam os portadores de doenças mentais, portadores de Hanseníase, mendigos e outros, e a decisão política de criar hospitais-colônias para o isolamento dos portadores de Hanseníase nasceu dessa conjuntura.

No Brasil, durante quatro séculos, a única medida empregada no combate à Hanseníase foi o isolamento dos doentes em asilos e leprosários responsáveis pela desintegração familiar e estigmas sociais. Em Minas Gerais, os dois primeiros hospitais para tratamento da lepra foram a Santa Casa de Misericórdia de São João Del Rei, em 1879, e, posteriormente, o Hospital dos Lázaros de Sabará, além do Hospital Cristiano Machado, inaugurado em 1883. No entanto, vale ressaltar que ambos, hoje, não se dedicam mais ao tratamento da hanseníase. Com o avanço da doença, foi necessária a construção de outras instituições no Estado de Minas Gerais para tratar os portadores da doença.

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