Interfaceando em telas touch-screen (ou de toque)

Por Wallace Vianna | 23/03/2014 | Tecnologia

Wallace Vianna é webdesigner, designer gráfico e autor do blog WallyVianna

Quando se fala em interfaces (digitais ou analógicas, físicas ou virtuais) sempre surge a expressão que termina com "abilidade": usabilidadeencontrabilidadeleiturabilidade e uma série de expressões que nunca havia ouvido falar e que surgem conforme a necessidade - está aí por exemplo a jogabilidade, ou seja ter a capacidade de facilitar o uso do jogo.
Particularmente acho que colocar o sufixo abilidade em qualquer expressão (nova) acaba desgastando o termo (outro dia vi um comercial de cerveja afirmava que a bebida tinha bebabilidade...).

Mas não é sobre isso que quero falar. O que me motivou a escrever essas linhas foi uma constatação que não parece óbvia para "usuários" de tecnologias touch-screen ou "tela de toque" : as interfaces para esses dispositivos, apesar de estarem no mercado muito antes dos celulares (vide caixas eletrônicos de auto-atendimento, seja em bancos ou lugares públicos) ainda estão na idade da pedra, e quero destrinchar alguns motivos.

O problema surgiu quando apareceram celulares com o mesmo número de opções de um controle remoto de TV ou DVD

Vamos voltar aos quiosques ou equipamentos eletrônicos de auto-atendimento, que em muito lembram os CD-ROMs multimídia (aliás, sua interface com certeza veio daí): telas com poucas opções, e todas relativamente bem sinalizadas para chamar atenção para  a navegação. Você clica em palavras, botões e acessa a informação desejada em uma nova tela, com opção de retornar a tela anterior - ou ao menu principal. Qualquer semelhança com os DVDs não é mera coincidência. Fazendo um parêntese, acho os DVDs um primor de interface, pois além da navegação ser clara, é eficiente numa interface onde sequer há o toque direto na tela, e a distância entre a tela e o espectador normalmente é maior do que na interface do microcomputador.
Em, resumo, a interface dos quiosques de auto-atendimento são apropriadas ao contexto.

O problema surgiu quando apareceram celulares com o mesmo número de opções de um programa de computador "de mesa", ou como prefiro comparar, ou de um controle remoto de TV ou DVD. O primeiro erro foi colocar o teclado tradicional no espaço de um aparelho de mão. O segundo erro foi colocar esse teclado na interface "tela de toque". Cada mídia tem de ter uma interface condizente: imagine um jogo como o Counter-Strike com mouse de mão ou acoplado no teclado. Por isso que se usa ou o Joystick ou a combinação de teclado e mouse.

O raciocínio parece simples, mas a Microsoft com seu Windows 8 e interface Metro/Modern parece não ter entendido o óbvio. Se o computador não possui "tela de toque" nem deveria permitir que a interface nova ficasse disponível para o usuário. Mas, se mesmo assim o  usuário quisesse insistir por curiosidade ou teimosia, uma interface intermediária  - a interface "tela de toque" com ícones que sinalizassem onde se deve clicar para abrir as opções  deveria estar disponível. Se o computador tivesse tela de toque, esses ícones seriam omitidos. Simples, não?

Ilustro meu raciocínio (com imagens que peguei emprestado de uma videoapresentação do Clube do Design.com:

Interface Windows 8

Se a interface é para tela de toque, mas o equipamento não...

Interface sugerida para Windows 8

...ícones destacados devem estar à direita informando que ao clicar ou passar o cursor ali...

Interface Windows 8

...irão exibir menus relacionados.

Sugestão para interface do Windows 8

O mesmo deveria haver com menus à esquerda: ícones de navegação deveriam estar ali...

Interface Windows 8

...indicando a navegação oculta.

Se o equipamento é de toque, esses ícones seriam omitidos, já que o usuário irá tatear toda a tela até achar a navegação desejada, mais rápido do que usando o mouse.

Nessas horas bato palmas para a Apple, que fabrica produtos sem manual de instrução e que não demandam cursos para realizar operações básicas.

Por isso que vejo na internet um fenômeno que parece repetir o fiasco do Windows Vista: pessoas tentando instalar o Windows 7 em computadores com Windows 8. Diga-se de passagem, que o Windows 7 foi um grande acerto da Microsoft ao recuperar o que o Windows XP tinha de bom: interface intuitiva, ainda que com novidades.

O suprassumo dessa falta de visão sobre como implementar interface em dispositivos de toque está sem dúvida nos celulares, mais do que nas tablets, que tem espaço para esse tipo  de interface. Você quer rolar a tela e seleciona/abre o que não deseja. Quer selecionar uma coisa e seleciona outra. E não me venham com a famosa caneta para celulares, que no caso do Iphone só aceita canetas próprias ou toque humano. Se você tiver dedos grandes e estiver (ou ficar) sem a caneta própria...

Mas não vamos jogar pedras no Windows da Microsoft ou no Android do Google. Sempre houve softwares com interfaces inovadoras, desde plug-ins para o Photoshop como o Kai's Power Tools até programas de 3D como o Z-Brush. No caso de plug-ins até abro exceção para licenças poéticas: as poucas opções de um plug-in não se comparam com a babel de recursos de um sistema operacional ou um programa de 3D.
Neste caso tanto o Windows 8 como o Z-Brush, ao optarem por uma interface tela de toque em ambientes sem esses recursos, não estão inovando, estão fazendo a coisa certa no lugar errado.