INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA: UMA VISÃO DE SUA APLICAÇÃO NOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES MILITARES DA BRIGADA MILITAR

Por Marcelo da Silva Bueno | 06/04/2018 | Direito

O presente trabalho tem por escopo o estudo da interceptação telefônica já deferida judicialmente, atentando-se precipuamente à sua utilização em processo diverso do criminal, mais especificamente nos processos administrativos disciplinares militares da Brigada Militar. Inicialmente, será aduzido o conceito de interceptação telefônica, seu embasamento constitucional e infraconstitucional, bem como, os limites para sua utilização e consequente problemática de sua utilização em processo administrativo. A posteriori, serão trazidos conceitos de alguns princípios da administração pública de interesse da pesquisa, passando também a dissertar sobre o poder-dever de agir da administração pública no âmbito geral. Logo após, a partir disso, passar-se-á de fato para ceara militar, onde será conceituado poder hierárquico e disciplinar, autoridade disciplinar, hierarquia e disciplina, supedâneos das instituições militares. Conduzindo ao fechamento do conteúdo, será tratado sobre processo administrativo disciplinar em geral e no âmbito militar, conceito de provas, dentre elas a emprestada. Finalmente, como fontes conclusivas, as pesquisas jurisprudenciais e doutrinárias relevantes acerca da utilização do conteúdo obtido por meio de interceptação telefônica, a ser utilizado como prova emprestada em processos vinculados a outros ramos do direito que não o penal, fundamentando no dever de agir da administração, princípios, normas e regras da administração militar. Como método, foi utilizado o hipotético-dedutivo, quanto à classificação, a pesquisa é aplicada, qualitativa, descritivo-explicativa, bibliográfica e jurisprudencial. Por fim, fundamentado em tudo que foi coligido ao trabalho, nas considerações finais será demonstrada a posição a respeito da problemática do assunto tratado no estudo proposto.

1 INTRODUÇÃO

Tem sido comum em nosso país tomarmos conhecimento de incontáveis crimes e escândalos envolvendo pessoas dos mais diversos tipos de profissão ou classe social. Destarte, muitos desses escândalos são materializados por meio de gravações de conversas colhidas de interceptação telefônica, mais conhecida popularmente como “grampos”. Desses escândalos, a sua ocorrência na administração pública, mais especificamente na administração militar envolvendo os Militares dos Estados1 (Policiais Militares), não é diferente, sendo noticiado ao público de casos onde criam, integram e/ou participam de organizações voltadas para práticas delituosas, constituindo como, por exemplo, as conhecidas “milícias cariocas”.
A interceptação telefônica é uma ferramenta extremamente protegida, pois tem previsão constitucional, sendo garantida como direito fundamental, a inviolabilidade do sigilo de comunicação está como regra. Excepcionalmente, pode ocorrer a interceptação para fins de investigação criminal e instrução processual penal, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer. Nesse condão, foi editada a lei de interceptação telefônica, de nº. 9.296 de 24 de julho de 1996, preenchendo a lacuna existente com referência à matéria, que até então era suprida por doutrinas e jurisprudências.
Tanto a Constituição Federal como a Lei de Interceptação, foram taxativas limitando a utilização do seu dispositivo à investigação criminal e à instrução processual penal, silenciando quanto à possibilidade de sua utilização na instrução de outras demandas judiciais ou administrativas. Surge então a larga discussão se os diálogos interceptados podem ou não ser utilizados como prova emprestada, com questionamentos sobre sua validade e quais os limites para sua utilização.
Existem argumentos com ambas as interpretações, com aqueles que se opõem à utilização em outras esferas, alegando que a regra constitucional é estanque e que seria usada indevida e exageradamente, caso se admitisse o emprego dos resultados de uma interceptação fora dos casos previstos na Constituição. De outra banda, existem aqueles que entendem ser legalmente possível sua utilização como prova emprestada, baseando no fato de que a inviolabilidade protegida pela Constituição, já fora quebrada na esfera penal, logo, pode sim, ser utilizada em outra esfera, desde que os envolvidos no processo sejam as mesmas pessoas.
Diante do acima exposto, o presente trabalho tem por escopo analisar a interceptação telefônica, baseando-se na interpretação de que é possível sua utilização como prova emprestada em outras esferas, especificamente na administrativa disciplinar militar. Como fonte precípua de análise, será utilizada a instituição Brigada Militar, a qual servirá de subsídio para caracterizar que ilícitos administrativos poderão ser investigados utilizando Interceptações Telefônicas por meio da prova emprestada, tanto em casos de pequenas faltas disciplinares, até mesmo as de maior complexidade envolvendo Militares Estaduais.
O trabalho será realizado por meio da utilização do método dedutivo, de natureza básica, com objetivo do estudo de forma exploratória por meio de pesquisa bibliográfica, jurisprudencial e doutrinária, bem como estudo de documentos produzidos na Corregedoria-Geral da Brigada Militar. Este tipo de pesquisa é desenvolvida com base em materiais já elaborados, constituídos fundamentalmente de livros, determinações, súmulas, orientações e artigos científicos elaborados pela Polícia Militar Estadual do Rio Grande do Sul, conhecida como Brigada Militar. Conforme Prodanov e Freitas o processo dedutivo se conceitua em:
O método dedutivo, de acordo com o entendimento clássico, é o método que parte do geral e, a seguir, desce ao particular. A partir de princípios, leis ou teorias consideradas verdadeiras e indiscutíveis, prediz a ocorrência de casos particulares com base na lógica (PRODANOV e FREITAS, 2013, p. 27).
O levantamento bibliográfico tem a finalidade de dar embasamento teórico à pesquisa, através de livros, artigos científicos, revistas, matérias de jornais, conteúdos de sites especializados da Internet e documentos emitidos pela Brigada Militar, com a finalidade de confrontar a visão teórica, com os dados empíricos, além de um melhor tratamento das informações levantadas.
O levantamento documental foi realizado através de um processo investigativo, com a busca do maior número de informações através de arquivos armazenados na Corregedoria-Geral da Brigada Militar, conversa com oficiais do referido órgão de Comando responsáveis pela gestão e administração dos processos Administrativos da Brigada Militar.
Por intermédio de uma cadeia de raciocínio em ordem descendente, de análise do geral para a Militar, traz-se no primeiro capítulo o assunto Interceptação Telefônica, conceituando-o e trazendo seus embasamentos legais, introduzindo, assim, a discussão sobre os limites para sua utilização em esferas diversas da criminal.
No segundo capítulo, no intuito de tornar o terreno fértil para justificar o uso das transcrições oriundas de interceptação telefônica na esfera administrativa, se conceitua legalidade, moralidade e eficiência, princípios da administração pública em geral, não diferente nas instituições militares e que devem, portanto, ser rigorosamente seguidos.
A fim de conduzir o estudo para o âmbito militar, nos demais capítulos, conceitua-se poder hierárquico e disciplinar, autoridade disciplinar militar, hierarquia e disciplina, os quais servem de supedâneos para as instituições militares, que se dividem em Forças Armadas e em Brigada Militar.
Apresenta-se, ainda, no nono capítulo, tessituras sobre o processo administrativo disciplinar em geral e no âmbito da Brigada Milita. No capítulo subsequente apresenta-se o conceito de provas em geral e as especificações sobre as provas emprestadas.
Finalmente, para fontes conclusivas, nos capítulos onze e doze, se traz as pesquisas jurisprudenciais e doutrinárias relevantes acerca da utilização do conteúdo obtido através da interceptação telefônica e de seu uso como prova emprestada em processos vinculados aos outros ramos do direito, que não o penal, fundamentando no dever de agir da administração, princípios, normas e regras da administração militar.
No capitulo décimo terceiro e último, usa-se o silogismo, ou seja, construção lógica, em busca de extrair das premissas, logicamente decorrente das demais, as denominadas considerações finais.
A elaboração da presente pesquisa está justificativa e alicerçada no fato de que, em que pese à sensação de insegurança e impunidade que assola nosso país, é possível a detecção de ferramentas investigativas de extrema utilidade, para aqueles agentes públicos que atuam dentro da legalidade e da moralidade, utilizem-nas em processos criminais e administrativos, visando extirpar do convívio profissional os que atuam fora do sistema ético, moral e legal das instituições públicas.
Destarte, é de suma importância que a inviolabilidade de tais sigilos, prevista constitucionalmente, não permita que se chegue ao extremo, ou seja, a impunidade de pessoas que cometem crimes dos mais diversos aspectos e tentam proteger-se por essa regra. Visto que, em alguns casos, fica claro a supremacia do interesse público sobre o particular, bem como, para a devida transparência de todas as formas de instituições existentes em nosso país, que tanto sofrem com as ilegalidades. Como exemplo, imaginemos um caso hipotético de um Militar Estadual, que fala ao telefone sobre o recebimento de uma elevada propina, a fim de permitir o livre tráfico de drogas em sua área de responsabilidade. Nesta situação, é desnecessário privar a Administração Militar de elementos para motivar a exclusão do referido, forçando-a a mantê-lo em seus quadros até o trânsito em julgado de processo criminal.
O processo administrativo disciplinar militar, em regra, é bem mais célere em relação ao processo criminal militar, já que o último se estende por anos devido às possibilidades recursais e às elevadas demandas do poder judiciário militar. Logo, a administração militar tem o poder-dever de instaurar procedimento administrativo disciplinar Militar, com base nos elementos da investigação criminal, tendo o dever de agir dentro dos princípios da administração pública. Dentre esses princípios, estão a moralidade, legalidade e eficiência que servem de supedâneo para a manutenção da credibilidade da população na Polícia Militar e, ainda, no âmbito interno, a não quebra da hierarquia e da disciplina.

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