INTELIGÊNCIA, RAZÃO E LIBERDADE

Por Ney Carlos da Rocha | 09/10/2016 | Filosofia

Vamos começar conceituando Inteligência, Razão e Liberdade. Tentarei, a luz de algumas correntes filosóficas modernas, me afastar dos lugares comuns com que frequentemente esses palavras tem seus conceitos definidos, numa tentativa de tornar mais claro como podemos entendê-las dentro de um ponto de vista inserido na complexa realidade dos dias de hoje.

Inteligência

 inteligência, no sentido que tem etimologicamente, não quer dizer a habilidade de resolver problemas, a habilidade matemática, a imaginação visual, a aptidão musical ou qualquer outro tipo de habilidade em especial. Quer dizer, da maneira mais geral e abrangente, a capacidade de apreender a verdade.

... A inteligência está na realização da finalidade, e não na natureza dos meios empregados. E se a finalidade dos meios de conhecimento é conhecer, e se o conhecimento só é conhecimento em sentido pleno se conhece a verdade, então a definição de inteligência é: a potência de conhecer a verdade por qualquer meio que seja.

O que nos torna humanos é o fato de que tudo aquilo que imaginamos, raciocinamos, recordamos, somos capazes de vê-lo como um conjunto e, com relação a este conjunto, podemos dizer um sim ou um não, podemos dizer: "É verdadeiro", ou: "É falso". Somos capazes de julgar a veracidade ou falsidade de tudo aquilo que a nossa própria mente vai conhecendo ou produzindo, e isto não há animal que possa fazer.

Razão

 faculdade em virtude da qual o ser humano é capaz de identificar conceitos e de questiona-los. Desta forma, consegue determinar a coerência ou a contradição entre eles e pode induzir ou deduzir outros conceitos diferentes daqueles que já conhece.

A razão apela a distintos princípios tautológicos (que se explicam por si mesmos), como o princípio da identidade (que evidencia que um conceito é esse mesmo conceito), o princípio da não contradição (um mesmo conceito não pode ser e não ser em simultâneo) e o princípio (ou a lei) do terceiro excluído (entre o ser ou não ser de um conceito, não cabe situação intermédia).

No século XVIII, que foi considerado o Século das Luzes, não só para a filosofia, mas também em todas as áreas da ciência, a razão assume tarefa primordial na construção da vida humana em todos os seus aspectos e áreas. Há uma crença muito forte na razão. A razão busca desligar-se de todos os jugos da autoridade e do poder da tradição. Inerente ao conceito e à concepção do Iluminismo está muito presente a ideia de progresso, a ideia de um movimento que caminha para a maioridade. É o processo de emancipação. Para Kant, “o Iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem”. Tanto para Kant como também para outros adeptos do Iluminismo, à razão depositava-se toda confiança. Da razão esperava-se a condução da humanidade à libertação de todos os jugos do passado, das crenças, dos dogmas e das superstições. Para Cassirer, o século XVIII está impregnado da fé na unidade e na imutabilidade da razão. A razão é idêntica, una e uma, para toda a nação, toda a época e toda a cultura. A história é vista, por conseguinte, como um processo evolutivo contínuo. Afirma, nessa perspectiva, Cassirer:

A razão desliga o espírito de todos os fatos simples, de todos os dados simples, de todas as crenças baseadas no testemunho da revelação, da tradição, da autoridade; só descansa depois que desmontou peça por peça, até seus últimos motivos, a crença e a “verdade pré-fabricada”. Mas, após esse trabalho dissolvente, impõe-se de novo uma tarefa construtiva.

Esta tarefa construtiva, citada por Cassirer, tem tudo a ver com as movimentações sociais e os movimentos de transformação e libertação acontecidos nos últimos 100 anos.

Liberdade

 Tentando uma visão mais moderna, a ênfase será dada à liberdade como aspecto essencial à constituição unitária da pessoa. Essa constituição é o ato total e profundo da essência humana. O mestre Lima Vaz mostra-nos que a liberdade é o bem que deve conduzir o ser humano em sua tarefa e desafio de se autor-realizar como pessoa.

A liberdade é um dos temas mais atraentes, fascinantes e centrais das ciências humanas, situando-se entre as mais importantes da filosofia. Constitui-se em um tema-chave da discussão tanto da ética quanto da antropologia. Na modernidade, a liberdade assume uma importância especial. Se antes, na tradição ocidental, à luz da influência aristotélica, sobretudo, afirmava-se que o ser humano era um ser de linguagem, isto é, um ser que fala e discorre argumentativamente, e um ser político, isto é, um ser que vive com os outros e só se realiza na polis, na modernidade, por sua vez, ao ser humano é-lhe atribuída uma característica fundamental, a saber: a liberdade.

O ser humano, segundo Rousseau, é um agente livre, ele escolhe por um ato de liberdade, enquanto os outros animais escolhem por instinto. Afirma Rousseau:

Não é, pois, tanto o entendimento quanto a qualidade de agente livre possuída pelo homem que constitui, entre os animais, a distinção específica daquele. A natureza manda em todos os animais, e a besta obedece. O homem sofre a mesma influência, mas considera-se livre para concordar ou resistir, e é sobretudo na consciência dessa liberdade que se mostra a espiritualidade de sua alma, pois a física de certo modo explica o mecanismo dos sentidos e a formação das ideias, mas no poder de querer, ou antes, de escolher e no sentimento desse poder só se encontram atos puramente espirituais que de modo algum serão explicados pelas leis da mecânica.

Existiria melhor explicação do que é o “homem livre” da maçonaria do que este texto de Rousseau?

Ainda para Lima Vaz, a liberdade apresenta-se como característica básica à compreensão do ser humano, que busca com muito afinco passar a ser protagonista de sua experiência enquanto ser livre e racional, pois ele é capaz de construir seu projeto de vida de modo autônomo. Desnecessário lembrar a correlação com nossa Ordem que não aceita escravos e aqueles que não são livres, seja de corpo, seja de espírito.

Essa linha de pensamento será ainda mais marcante se considerarmos a liberdade não apenas em si mesma, como valor ético, mas também nos fixarmos na sua significação histórica e dinâmica de libertação. Ser livre é da natureza humana.

A filosofia moderna concentrou-se na Liberdade de escolher e decidir os caminhos que queremos trilhar na vida; por isso, a modernidade fundou a ética na liberdade como autonomia, ou seja, liberdade “que dá a si mesma a norma moral; somos liberdade que se obriga a respeitar incondicionalmente os outros”. É de Kant a melhor formulação de liberdade autônoma: “Age de tal forma que a humanidade, presente em tua pessoa e na de todos os outros, seja respeitada sempre como fim e nunca tratado como instrumento”.

Podemos adicionalmente considerar a liberdade como a inclinação transcendental do sujeito para o Bem. O ser humano é aquele que se encontra em uma constante interrogação sobre si mesmo, buscando compreender quem ele é. Ou seja, o ser humano, na abertura ao Verdadeiro e na inclinação ao Bem, busca conhecer-se e dar uma direção à sua vida, percebendo-se capaz de conhecer a Verdade e de rumar para o Bem.

Conclusão

Não pode exercer sua completa humanidade aquele que não é livre, seja de corpo, seja de pensamento. Para o exercício total de sua humanidade, é necessário para o individuo que sua Inteligência, como a conceituamos acima, a potência de conhecer a verdade, une-se à Razão, a capacidade de entender o status quo e questioná-lo, na busca incessante pela Liberdade para transformar a si próprio e a sociedade que nos cerca.

Bibliografia

  • Documento “Inteligência e verdade” – Duas aulas do Seminário de Filosofia, Curitiba, agosto de 1994.
  • Texto de Olinto Pegoraro.
  • Crítica da Razão Prática -Emanuel Kant.
  • O conceito de liberdade na antropologia filosófica de Lima Vaz - Paulo César Nodari e Gerson Bartelli.
  • A Questão da liberdade – Alexandrino Augusto Ribeiro G. de Pinho.
  • Comentários sobre Moral e Dogma – Henry C. Clausen.