INSTRUMENTOS JURÍDICOS TENDENTES A ABOLIR O TRABALHO ESCRAVO
Por CICERA WESLLANY ALVES SILVA | 09/02/2013 | DireitoINSTRUMENTOS JURÍDICOS TENDENTES A ABOLIR O TRABALHO ESCRAVO
Cícera Wesllany Alves Silva1
Me. Eddla Karina Gomes Pereira2
Resumo: A realidade revela que mesmo após o fim da escravatura, em 1888, ainda é comum para muitos empregadores o uso do trabalho escravo no nosso país. Essa forma de exploração do ser humano somente foi abolida do nosso ordenamento jurídico, pois, de fato, o domínio de uma pessoa sobre outra continua presente, principalmente, em regiões afastadas do país, sobretudo pelo difícil acesso e fiscalização. O presente estudo tem por escopo analisar os instrumentos jurídicos que buscam efetivar as garantias constitucionais da dignidade da pessoa humana, da liberdade individual e dos valores sociais do trabalho, através do combate ao trabalho escravo, explanando alguns instrumentos utilizados para abolir a escravidão no Brasil. Por meio do método dialético, o tema foi analisado sob vários aspectos, sem tratá-lo como algo imutável, buscando contradições inerentes ao assunto, para que ao final encontrássemos a solução mais adequada. Esse tipo de trabalho vem sendo combatido pelo Estado e, para isso, existem diversos instrumentos capazes de mitigar o trabalho escravocrata. Em primeiro lugar, existe um crime específico para enquadrar a conduta de sujeitar alguém a condições análogas à de escravo, qual seja, o art. 149 do Código Penal. Com essa tipificação, o ordenamento jurídico buscou proteger a liberdade – status libertatis – do ser humano, estipulando pena de reclusão da liberdade e multa a quem violar o preceito penal. A repressão criminal gera na mente dos infratores o receio de manter trabalhadores em regime de escravidão e, consequentemente, causa a diminuição destas condutas aviltantes. Tal tipo engloba tanto o trabalho forçado – o trabalhador, sob ameaça de sanção, não pôde optar em começar a relação empregatícia ou, mesmo o obreiro aceitando o emprego voluntariamente, foi coagido a permanecer no local de trabalho laborando para o empregador contra a vontade daquele. Bem como as condições degradantes de trabalho – o obreiro trabalha em condições subumanas, não sendo respeitadas as normas mínimas de proteção do trabalho, assim, havendo a mitigação da dignidade da pessoa humana. Existe, ainda, no Congresso Nacional o Projeto de Emenda à Constituição (PEC 438) que visa, através da desapropriação das terras dos proprietários que mantêm trabalhadores escravos, coibir tal situação. Não caberia para o proprietário indenização alguma, pois tal expropriação consiste em sansão para os que sujeitam um ser humano a condições indignas, tratando-o como se coisa fosse. Ademais, foi constituído o Cadastro de Empregadores – conhecido pelos que têm seus nomes nele contidos, como “lista suja” – que consiste na inserção dos nomes dos empresários e empresas que se utilizaram deste tipo de mão-de-obra com o mister de informar à sociedade e ao Poder Público quem são os delinquentes sociais. Concluímos que um país de imensa riqueza natural e de crescente ascensão econômica, social e jurídica não pode deixar de proteger, veementemente, o trabalhador de todas as crueldades infligidas por seus empregadores. E, para isso, são criados instrumentos jurídicos que buscam a repressão do trabalho escravo, os quais são de relevância extrema, pois tal prática fere os direitos mínimos do trabalhador, não podendo o Estado, nem a sociedade fechar os olhos para as injustas condições pelas quais o obreiro é obrigado a suportar. Assim, deve àquele, através de leis mais severas e de medidas práticas que dificultem as ações delituosas e cabe, também, a esta, através de denúncias contra os infratores, abolir, definitivamente, esta vergonha para a sociedade brasileira.
Palavras-chave: Trabalho Escravo. Dignidade. Código Penal. Desapropriação. Lista Suja.
INTRODUÇÃO
A realidade mostra-nos que mesmo após o fim da escravatura, em 1888, ainda é comum para muitos empregadores o uso do trabalho escravo no Brasil. Essa forma de exploração do ser humano somente foi abolida do nosso ordenamento jurídico, pois, de fato, o domínio de uma pessoa sobre outra continua presente, principalmente, em regiões afastadas do país, sobretudo pelo difícil acesso e fiscalização.
Essas práticas vão de encontro à Constituição Federal, a qual tem como fundamento a Dignidade da Pessoa Humana, pois veda o tratamento desumano e degradante , calcada no princípio da Liberdade individual, direito fundamental posto no patamar de cláusulas pétreas. Ademais, tal prática viola, também, os valores sociais do trabalho, os quais asseguram ao obreiro condições dignas de trabalho.
Nesse sentido reza Marcello Ribeiro Silva:
A exploração do trabalho análogo ao de escravo fere princípios e regras constitucionais, não podendo ser toleradas pela sociedade brasileira, que deve encontrar os meios necessários e suficientes para extirpar de nosso meio esse terrível câncer jurídico-sócio-econômico. ( 2009, p.204)
Esse tipo de trabalho vem sendo combatido pelo Estado e, para isso, existem diversos instrumentos capazes de mitigar o trabalho análogo ao de escravo.
Em primeiro lugar, existe um crime específico para enquadrar a conduta de sujeitar alguém à condições análogas à de escravo, qual seja, o art. 149 do Código Penal. Com essa tipificação, o ordenamento jurídico buscou proteger a liberdade – status libertatis – do ser humano, estipulando pena de reclusão da liberdade e multa a quem violar o preceito penal.
Existe, ainda, a PEC 438 que sanciona o empregador com adesapropriação de suas terras onde foram constatadas a presença de trabalho escravo. Essa punição é muito drástica para o empregador, pois não caberia a este indenização pela expropriação de sua fazenda. Assim, afetaria não só a ele, mas também a sua família.
Ademais, foi constituída a “lista suja” pelo MTE – Ministério do Trabalho e Emprego – com a finalidade de manter uma relação de nomes de empregadores que já se utilizaram dessa prática.
Enfim, o trabalho escravo é uma desonra para qualquer país, pois quando uma pessoa se considera, irracionalmente, superior a outra, tendo o domínio sobre esta, tratando-a como se coisa fosse, há a supressão total do direito à igualdade. Dessa forma, todos os meios tendentes a abolir essa prática são válidos. Por isso é imprescindível que não deixemos somente ao Estado a incumbência de defender esses direitos violados; cabe a toda a sociedade se empenhar para destruir qualquer resquício de trabalho desumano no Brasil, pois o dever de efetivar os direitos humanos é tanto do Estado, como da sociedade e dos próprios beneficiários destas garantias.
1 ANÁLISE CONSTITUCIONAL SOBRE O TRABALHO ESCRAVO
2 CÓDIGO PENAL: condição análoga à de escravo
A conceituação e caracterização do trabalho escravo é divergente na doutrina e na jurisprudência nacionais, mesmo com o advento da Lei 10.803/2003 que modificou o art. 149 do Código Penal, trazendo situações específicas do que seria a condição análoga à de escravo.
Essa disparidade entre os tribunais gera impunidade para os criminosos – pessoas que mantêm trabalhadores nestas condições subumanas – pois sem a devida definição deste tipo penal, muitas condutas criminosas são desprezadas por não haver uma norma específica que trate de todos os casos concretos, o que limita a fundamentação da jurisprudência neste sentido, resultando em decisões bastante divergentes.
Fernando Capez citando Nélson Hungria conceitua o trabalho análogo à de escravo como aquele: “ Entre o agente e o sujeito passivo no qual se estabelece uma relação tal, que o primeiro se apodera totalmente da liberdade pessoal do segundo, ficando este reduzido, de fato, a um estado de passividade idêntica à do cativeiro”. (Curso de Direito Penal, 2009, p. 345)
Este conceito se tornou incompleto com a mudança do Código Penal, pois nele a escravidão se caracteriza somente pela ausência de liberdade. O art.149 estipula duas vertentes para o trabalho análogo à de escravo: O Trabalho forçado e as condições degradantes de trabalho.
Na primeira, o trabalho é caracterizado, realmente, pela mitigação da liberdade do indivíduo. A OIT, ao discutir o tema, considera como trabalho forçado aquela relação onde o sujeito passivo, sob ameaça, não pode decidir, voluntariamente, pela sua admissibilidade no emprego ou não pode escolher quanto ao término do contrato. Ou seja, tanto o trabalhador que não tem o condão de escolher se começa uma relação empregatícia, como aquele que aceita voluntariamente ou por meios de faudes – promessas de salários melhores, de condições salubres – e durante o curso do pacto laboral é coagido a permanecer no local onde labora continuando a prestar serviços para o empregador, há a configuração do trabalho forçado.
São exemplos de trabalho forçado segundo o art.149 I, II CP:
Nas mesmas penas incorre quem:
I- Cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
II- Mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documento ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
Assim, para privar a liberdade do trabalhador, o empregador se utiliza de meios coercitivos que podem ser através de: coação econômica – como ocorre na escravidão por dívida; coação moral ou psicológica, como a ameaça de violência física contra a família do obreiro ; e coação física, que consiste em agressões contra o trabalhador a fim de mantê-lo sob seu domínio.
Nesse diapasão salienta Marcello Ribeiro Silva:
(...) Trabalho forçado significa todo trabalho exigido de um indivíduo sob ameaça de sanção e para o qual ele não se apresentou espontaneamente ou todo trabalho exgido de alguém sob ameaça de punição, após ele ter incorrido em vício de consentimento quanto à aceitação do serviço (...) ou mesmo após ter ajustado livrementeo serviço. ( 2009, p. 215)
A segunda vertente – trabalho degradante – não se caracteriza pela privação da liberdade. O trabalhador, neste caso, pode laborar voluntariamente, mas as condições em que trabalha são subumanas, não sendo respeitadas as normas mínimas de higiene e segurança do trabalho. Caracterizando-se “ (...) pela submissão dos trabalhadores a tratamentos cruéis, desumanos ou desrespeitosos, capazes de gerar assédio moral e/ou sexual sobre a pessoa do obreiro ou de seus familiares (...)” (SILVA, 2009, p. 218).
Enfim, em todas as suas acepções, vê-se que o trabalho degradante desrespeita o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Há condições degradantes quando houver o descumprimento generalizado das normas trabalhistas, quando não houver pagamentos de salários, quando a alimentação e a água fornecidas aos trabalhadores são inadequadas à saúde e quando for imposta ao empregado cobrança pelos equipamentos necessários ao desenvolvimento dos serviços prestados e a cobrança de suas despesas no local de trabalho. Nesse sentido afirma Capez:
Tal situação é muito comum no interior dos estados, onde indivíduos são contratados para prestar serviços como agricultores nas fazendas, tornando-se devedores de seus patrões em razão do que estes despendem com a sua contratação e manuntenção ( condução, moradia, alimentação etc.). Assim, até que quitem a dívida, esses indivíduos são forçados a prestar gratuitamente serviços aos proprietários de terras, sendo-lhes vedado o direito de abandonar o local de trabalho.(2009, p.346)
A fundamentação legal está no caput do art. 149 CP : “Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva de trabalho, quer sujeitando-o à condições degradantes de trabalho(...)”. Quando o legislador cita a jornada exaustiva de trabalho se refere tanto à quantidade (duração), quanto à intensidade do serviço prestado.
O art. 149 § 2°CP estabelece causas que majoram a pena se o crime é cometido: contra criança ou adolescente; por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. Critica-se esta majorante por não proteger, igualmente, o idoso, que merece o mesmo resguardo pelo ordenamento jurídico, tendo em vista se tratar de uma condição que também merece um tratamento legal específico, como é o caso dos portadores de necessidade especial, da mesma forma.
Outras críticas são formuladas pelos estudiosos sobre o crime de redução a condição análoga à de escravo, pois a pena é muito inferior à relevância do objeto jurídico violado. Defende-se, inclusive, que pela gravidade das ações dos criminosos – privar a liberdade de outro ou submetê-lo a condições degradantes de trabalho , geralmente, com o fulcro de vantagem econômica, deveria o crime está elencado na lei dos Crimes Hediondos.
Há divergência quanto à caracterização do delito quando o próprio obreiro consente em se submeter a este tipo de trabalho.
Para Fernando Capez, ainda neste caso, há crime, pois o bem jurídico (liberdade) é indisponível, não podendo ser relegado a discricionariedade da vítima. Explica ele: “(...) Não há que falar em consentimento do ofendido em tais crimes, pois princípios maiores de ordem constitucional (...) devem ser garantidos, os quais não podem ser disponibilizados pela simples vontade da vítima”. ( 2009, p. 347)
Felipe Fiedler bremer, em sentido contrário, salienta que: “ A jurisprudência assevera que quando o sujeito passivo coloca-se em sujeição total por livre e espontânia vontade, sem iniciativa por parte do réu, não estará tipificado o crime.” (2010, p. 13) Este entendimento tem por base a análise de que o crime em comento só admite modalidade dolosa, assim é necessário para a configuração do delito que o sujeito ativo tenha intenção de submeter outra pessoa ao seu poder, suprimindo a sua liberdade.
Importante salientar que não só o empregador responderá pelo delito, pois qualquer pessoa que de algum modo participe para a consecução do tipo será responsabilizada de acordo com a sua culpabilidade. Dessa forma, os funcionários do empregador que foram incumbidos de vigiar ostensivamente o trabalhador serão penalizados. Assim, como os chamados “gatos”, indivíduos que fazem o intermédio entre os trabalhadores e os empregadores – fazem promessas de condições salubres de trabalho, pagam a viagem para o local de trabalho e alimentação, fornecem adiantamentos salariais – tendo por finalidade ludibriar o trabalhador para que aceite o emprego. Mal sabe o obreiro de que todos os benefícios recebidos serão cobrados dele, de forma a não permitir que se desvincule de seus débitos. Assim, ele fica preso a esta coação econômica, geralmente, não recebendo nenhum tipo de remuneração, pois seu trabalho serve somente para compensar a sua dívida.
A previsão de punição penal como um instrumento de erradicar o trabalho escravo no Brasil – o art. 149 do Código Penal – é de suma importância, pois causa um temor maior nos empregadores para que não se utilizem de mão-de-obra escrava, pois, caso contrário, a consequência é a mais grave – a privação da liberdade.
3 DESAPROPRIAÇÃO: PEC 438/2001
O Projeto de Emenda à Constituição (PEC N°438) visa extinguir, definitivamente, o trabalho análogo à de escravo no Brasil. Para isso, impõe a desapropriação das terras dos proprietários que se utilizam de mão-de-obra escrava, não tendo este, direito à indenização.
A desapropriação é o procedimento pelo qual o Estado transfere para si a propriedadedo do particular, para fins de necessidade ou utilidade pública ou para fins de interesse social, geralmente, mediante justa e prévia indenização.
O fundamento legal da expropriação está no art. 5° XXIV CF, que estipula: ”A lei estabelecerá o procedimento para a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta constituição.”
A PEC, especificamente, propõe mudança ao art. 243 CF que trata da desapropriação confiscatória – esta é conceituada por Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo da seguinte maneira:
A desapropriação confiscatória tem por fim a expropriação, sem qualquer indenização ao proprietário, de glebas em que sejam localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas, as quais serão destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos. (2009, p.913)
A nova redação estabelece a pena de perdimento da gleba onde for constatada a exploração de trabalho escravo, revertendo a área ao assentamento de colonos que já trabalhavam na respectiva gleba. (PEC 438)
Neste caso, também, não caberia, ao proprietário, indenização. Seria um verdadeiro confisco, sancionando àqueles que sujeitam um ser humano à condições indignas e desumanas, tratando-o como se fosse um objeto material.
A PEC 438 tem como pressuposto o interesse social, pois a terra que explora mão-de-obra escrava não cumpre sua função social. Assim, a propriedade seria transferida para o Estado que efetivaria esta função, destinando-a à reforma agrária.
Este projeto de emenda tem três finalidades: extinguir o trabalho análogo ao de escravo; facilitar a obtenção de terras para a reforma agrária; e previnir crimes conexos com a exploração do ser humano, como os crimes ambientais – desmatamento – geralmente, cometidos por proprietários que usam este tipo de trabalho.
Para alguns, esta desapropriação é inconstitucional, pois fere o princípio da presunção de inocência – este é mitigado já que não só o proprietário, autor do crime, será responsabilizado, mas, também, a sua família perderá a propriedade sem, muitas vezes, ser, realmente, culpada.
Apesar de discrepâncias, caso a PEC seja aprovada – é importante lembrar que o projeto teve início em 2001 e até hoje está sendo esquecido pelos nossos parlamentares – será um remédio eficaz para diminuir a escravidão, para alguns estudiosos seria a segunda abolição da escravatura no Brasil. Já que o Código Penal estipula pena insignificante para quem mantém trabalho escravo, sendo esta, muitas vezes, substituída por penas alternativas, o que gera na mente dos criminosos a certeza da impunidade. Com a sansão imposta na PEC essa realidade mudaria, porque os proprietários seriam mais prudentes antes de delinquir, pelo temor de perder seu bem.
4 “ LISTA SUJA” DO TRABALHO ESCRAVO
A “lista suja” – como ficou conhecida por aqueles que têm seus nomes no cadastro de empregadores – consiste num meio encontrado pela Administração Pública de dirimir o trabalho escravo, inserindo em um cadastro oficial as empresas ou empresários que se utilizam do trabalho análogo ao de escravo, com a finalidade de dar ciência a toda a sociedade de quem são os infratores das normas trabalhistas e penais.
O Cadastro de Empregadores foi criado pelo Ministério do Trabalho e Emprego por meio da Portaria Nº 540, de 15 de outubro de 2004.
O empregador terá seu nome na lista quando não couber mais recursos na esfera administrativa acerca da sua vinculação com o trabalho escravo, ou seja, quando houver uma decisão administrativa final. Assim, preceitua o art. 2° da Portaria 540:
A inclusão do nome do infrator no Cadastro ocorrerá após decisão administrativa final relativa ao auto de infração lavrado em decorrência de ação fiscal em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo.
A “lista suja” tem como fundamento o princípio da publicidade (art. 37 CF) já que serve, apenas, para informar o Poder Público e a sociedade, em geral, sobre os empregadores delinquentes. Apesar disso, os efeitos práticos desta medida são muito mais abrangentes, pois os empregadores perdem o acesso a recursos financeiros das instituições públicas, benefícios fiscais e, a própria sociedade – defendendo a dignidade do trabalhador – deixa de consumir produtos que foram produzidos, direta ou indiretamente, pelo trabalho escravocrata. Destarte, há uma penalidade mediata de difícil reparação para o empregador.
Alguns defensores dos delinquentes que praticam o trabalho escravo no Brasil afirmam que o Cadastro de Empregadores seria inconstitucional, pois mitigaria o princípio do devido processo legal (art. 5º LIV e LV CF) e o princípio da presunção de inocência (art.5° LVII CF). À medida que a inserção do nome na lista se dar por meio de processo administrativo e não judicial fundamentando que para ser considerado culpado e sofrer as sanções da lei é necessário o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Estes argumentos não merecem respaldo. O princípio do devido processo legal é respeitado, já que terão o nome no cadastro, somente, os empregadores com sentença final administrativa, sendo resguardado o contraditório e a ampla defesa. Já o princípio da presunção de inocência é um instituto de Direito Penal e o Cadastro de empregadores se limita ao âmbito administrativo – é uma manifestação do poder de polícia administrativa. Assim, estes instrumentos de repressão do trabalho escravo têm o mesmo objeto, porém não se confundem, não podendo um instituto daquele ( presunção de inocência) servir de base para a inconstitucionalidade deste.
A constituição do cadastro de empregadores gera um controle efetivo do trabalho escravo, tanto pela sociedade, quanto pelo Poder Público. Assim, é um instrumento que não pode ficar esquecido ou relegado por argumentos contrários, argumentos estes que visam apenas legitimar uma ação contrária ao Direito e, consequentemente, deixar impunes os que praticam estes atos tão desumanos contra um semelhante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluímos que um país de imensa riqueza natural e de crescente ascensão econômica, social e jurídica não pode deixar de proteger, veementemente, o trabalhador de todas as crueldades infligidas por seus empregadores. E, para isso, são criados instrumentos jurídicos que buscam a repressão do trabalho escravo, os quais são de relevância extrema, pois tal prática fere os direitos mínimos do trabalhador, não podendo o Estado, nem a sociedade fechar os olhos para as injustas condições aviltantes pelas quais o obreiro é obrigado a suportar. Assim, deve àquele, através de leis mais severas e de medidas práticas que dificultem as ações delituosas e cabe, também, a esta, através de denúncias contra os infratores, abolir, definitivamente, esta vergonha para a sociedade brasileira.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 17. Ed. São Paulo: Método, 2009.
CAPEZ, fernando. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
BREMER, Felipe Fiedler. Análise didática do trabalho escravo no Brasil. Disponível em:< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12944&p=3>. Acesso em: 13 set. 2010.