Insights: A Fluidez Do Ser

Por claudia flores | 25/02/2008 | Crônicas

Dos meus insights para o papel

Era início de outono. Batia um vento morno na varanda.As cortinas leves nas janelas azuis pareciam dançar suavemente ao sabor sonoro daquele fim de tarde.
Meus pés descalços tocavam o piso de madeira de um jeito delicado, como se ainda estivessem decidindo por espalhar a ponta dos dedos naquele que seria o início de muitos passos. Me espreguicei languidamente feito felina que acaba de descobrir a suavidade do despertar .Saio descalça pela estrada, vejo o sol indo lentamente, num vermelho acobreado apaixonante. Nele, a legitimidade de domínios de realidade é um convite à reflexão. No meio do caminho, uma alva senhora, de cabelos de algodão, colhe flores. Num aceno quase infantil lhe devolvo o olhar melancólico impresso num rosto marcado pela vida, cujo desenho do sorriso lhe iluminava os vincos do tempo com se lhe fosse adorno.
Continuo a caminhada. Meus pés sentem pequenos toques que não me incomodam, mas me desassossegam. São pedras minúsculas, soltas no caminho e que se confundem à vegetação muda diante do grito daqueles pedregulhos pontiagudos- pequeninos, mas marcantes. Já não os sinto depois de algum tempo. Devo ter me acostumado a eles durante a caminhada. Meus pés não doem, mas perderam a suavidade do início.
Meus olhos agora encontram diante de mim uma árvore imensa, cujos galhos parecem pedir abraços feito braços confusos, entrelaçados, grossos, finos, de todo tamanho. Me aproximo e experimento a entrega. Sinto meus pés ganharem lentamente a profundidade da terra como se fossem raízes. O cheiro próprio da clorofila me inunda o nariz e me misturo àquele cenário vivo. Minha linguagem agora é traduzida em risos soltos e um quê de euforia. Me sinto recarregada, integrada e me reconheço naquele entrelaçamento de galhos, folhas e flores.Me revigoro.
Saio correndo pelo campo macio que me leva a um pequeno rio, onde a água não me parece tão cristalina. Me aproximo, e numa atitude quase mitológica, reconheço aquele rosto refletido na água, que vai clareando à medida que dela me alimento. Minha imagem não é turva, como seria o lógico.É minha face. Lentamente vai se transformando num rosto ora jovem, ora mais velho, ora triste, ora alegre. Nesta sobreposição de imagens posso ver ao fundo as cenas que marcaram minha vida. E lá, do outro lado da margem, há um Senhor sentado sobre uma pedra, sorri e parece dizer algumas palavras. O vento aumenta... Sinto um gelo no ar envolvendo meu corpo, meus cabelos... Olho entorno e tudo parece ter parado no exato momento em que vi aquele homem.Tento abrir meus olhos -agora prejudicados pela areia fina que viaja no vento- e posso vê-lo, ainda ali, impassível. Seu rosto continua sereno e seus lábios pronunciam palavras estranhas, talvez em um idioma que eu desconheço. O vento vai parando paulatinamente, até que uma chuva fina começa a tomar meu rosto e me faz completamente encharcada; meus pés tocam aquele terreno que se suaviza com a presença d`água. Tomo posição de retorno. Procuro o caminho que me trouxe até ali e, por um momento, me sinto completamente perdida. Olho mais uma vez para o outro lado da margem-talvez a última- e misteriosamente agora posso ouvi-lo: " Esta é a sua vida. Seus pés tocam no solo daquilo que seu coração sente. Há caminhos, pedras e tempestades, mas haverá sempre o descanso, a água tranqüila que tudo limpo, que tudo remove. Ande, sinta a magia da vida, a simplicidade do andar com a alma desnuda, com o espírito livre."
Naquele momento, acordei. Havia adormecido escutando uma música qualquer, que tocava no rádio. Devo ter andado por aí,pensei.
A emoção daquela  viagem, foi mais valiosa que uma jóia. Aquela mulher era eu. Me vi, me reconheci: simples, descalça e feliz.





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