INFLUÊNCIA DA MITOLOGIA NAS CIÊNCIAS MÉDICAS

Por Andressa S. Silva | 10/11/2010 | Filosofia


"A vida é curta, a ciência é vasta, a oportunidade esquiva,
a intervenção perigosa e o julgamento difícil. Não basta que o médico
faça o que é necessário, mas o doente e seus assistentes
devem fazer o que lhes compete. E as circunstâncias devem ser favoráveis."
(Hipócrates)

SILVA, AS.

Este estudo tem o objetivo de analisar a influência do conhecimento mitológico, bem como da mitologia em si, na origem e estrutura das ciências da saúde, desde a Grécia antiga.

1. MITOLOGIA
Mito é um modo fantasioso de conhecimento, anterior à reflexão crítica, que estabelece verdades que explicam partes dos fenômenos naturais ou culturais. A verdade do mito não obedece à lógica das verdades empírica nem científica. É uma verdade dogmática, independente de provas para a sua aceitação.
O mito primitivo é sempre coletivo. Só através da existência dos outros que o mito se afirma, e é sempre intuído.
Atualmente percebemos que negar a influência do mito é o mesmo que negar as formas fundamentais da existência humana. O mito foi a primeira forma de atribuir significado ao mundo. Mito e razão se complementam em nossas vidas, entretanto, o mito de hoje, mesmo ainda podendo inflamar paixões, não se apresenta mais com o caráter existencial que tinha o mito primitivo.

2. OS DEUSES
Na Grécia antiga, em sua era mitológica, a arte da cura era relacionada a três entidades: os deuses Apolo e Asclépio, e Hipócrates.
2.1 APOLO
Filho de Zeus e irmão gêmeo de Artemis, considerado o mais amável e formoso dos deuses. Era o deus da poesia, música, artes e medicina.
Casou-se com a filha de Flegias (rei dos Lapitas), Coronis. Deste relacionamento nasceu Asclépio, em um mito trágico.
2.2 ASCLÉPIO
Ocorreu que Coronis traiu Apolo com Isquias. Um corvo denunciou a traição a Apolo. Este, guiado pelo ódio, mata Coronis traspassando seu coração.
Antes de Coronis morrer, relata que gera em seu ventre um filho de Apolo, e implora clemência à criança, que não tem culpa de sua traição.
Apolo deposita o corpo da infiel amada numa pira mortuária e de lá retira o filho, ao qual dá o nome de Asclépio. Deste evento tira-se o simbolismo que o transformou no deus da medicina, pois seu nascimento simboliza a vitória da vida contra a morte.
2.3 HIPÓCRATES
Discípulo do deus Asclépio, seria da 17ª geração de Asclépiade (seguidores de Asclépio). Heráclide, seu pai, foi seu tutor, e o ensinou a arte da cura da maneira do deus da medicina. Com a contribuição de Hipócrates, a medicina praticada na Grécia passa a ser mais racional, sem abdicar da crença mitológica.
Deixou seus escritos, denominados Coleção Hipocrática.

3. O MITO DE ASCLÉPIO
Conta a mitologia que Asclépio foi levado à região da Magnésia por Apolo, e lá foi confiado ao centauro Quiron (filho de Cronos e de Filira). Quiron introduziu o jovem Asclépio aos mistérios da arte da cura. Brevemente o mestre foi superado pelo discípulo, quando este aprendeu a ressuscitar os mortos, lição aprendida com uma serpente.
Quando houve a busca pelo velocino de ouro, Jasão, Hércules, Orfeu, Lice, Calais, Zethe, Thide, Nestor, Castor e Polux levaram consigo Asclépio, a fim de atuar como médico, sendo responsável pelo alívio das dores e cura de feridas dos seus companheiros. Retornaram vitoriosos da empreitada.
Asclépio soube do infortúnio vivido por Hipólito. Filho de Teseu e Antíope, rainha das Amazonas, Hipólito possuía beleza e princípios morais. Diante das tentativas de sedução de sua madrasta Fedra, ele repele-a. Ofendida, Fedra busca vingar-se e conta a Teseu que seu filho a tentou seduzir. Teseu, por sua vez ofendido, pede a Netuno que mate Hipólito.
Contrariando as ordens de Zeus, que proibia a ressurreição dos mortos que acarretaria em despovoamento do reino de Hades- Asclépio ressuscita Hipólito.
Zeus, ao perceber a desobediência, fulmina Asclépio, mas, ao apiedar-se dos motivos dele, transforma Asclépio na constelação Ophiuchus "a serpente" símbolo da vida que se renova continuamente.
Os santuários dedicados a Asclépio eram locais para o restabelecimento da saúde, por meio da prescrição de práticas terapêuticas, dietas e exercícios. Das prescrições, a mais comum era a da incubação, que consistia em deixar o doente adormecer dentro de um templo e aguardar que o deus viesse e lhe curasse. Pedras votivas indicam que a crença no seu culto era difundida e persistente.
Era representado como um homem de olhar dócil e calmo, com o braço apoiado em um bastão onde se enrosca uma serpente (daí o símbolo da medicina).
Do seu relacionamento com Epione, seus filhos mais influentes na medicina foram Panaceia e Higeia, evocadas no juramento de Hipócrates.

4. UMA SOLUÇÃO NATURAL
A filosofia grega, em sua origem, influenciou a medicina, buscando uma explicação para o processo de saúde e doença que não fosse baseada em informações sobrenaturais.
Alcmeão de Cróton foi um dos primeiros a associar a saúde como equilíbrio entre qualidades opostas, e associou a doença pela supremacia de uma das qualidades (frio/quente; seco/úmido). Associou também o cérebro aos sentidos e aos pensamentos.
Empédocles de Agrigento, ao desenvolver a teoria dos quatro elementos "terra, ar, água, fogo" defendeu que a combinação destes elementos definiria as coisas existentes. Corroborando com Alcmeão, Empédocles afirmou que a doença decorre do desequilíbrio dos elementos constituintes do corpo.

5. HIPÓCRATES
A escola da ilha de Kos tinha um templo destinado a Asclépio e tinham incorporadas as doutrinas de Alcmeão e Empédocles, entre outras. Nesta escola estudou Hipócrates. Foi contemporâneo de Empédocles e Platão.
Escreveu o Corpus Hippocratiun, elaborado em 53 livros, entretanto, atualmente, sabe-se que nem todos foram escritos por Hipócrates mesmo. Nesta obra encontram-se descrições clínicas que possibilitam o diagnóstico de doenças como Tuberculose, Pneumonia, Gota e Malária, entre outras. Muitas das doenças eram associadas a fatores climáticos, raciais ou culturais (derivados dos meios de vida).
A relevância de Hipócrates foi o direcionamento do conhecimento da arte da cura do conhecimento mitológico para o caminho científico, aproximadamente paralelo ao início das reflexões filosóficas. Nesta tentativa de direcionamento elaborou a Teoria Humoral, segundo a qual há quatro humores corporais: sangue (coração), fleuma (cérebro), bílis amarela (fígado) e bílis negra (baço). Um desequilíbrio destes humores se tornaria uma doença. Para a cura, orientava os gregos a buscar seu equilíbrio, por isso a importânica de dietas e exercícios físicos. Como recursos secundários, Hipócrates prescrevia medicamentos.

6. CONSIDERAÇÕES
Os mitos constituíram uma forma de conhecimento dogmático e anterior ao filosófico. Foram muito importantes para o conhecimento da antiguidade e, apesar do advento das demais formas de conhecimento, não deixaram de ser pesquisados e renovados.
Segundo a mitologia grega, o deus da medicina era Apolo, mas ao retirar da pira funerária de sua amada o seu filho Asclépio, este passou a ser o deus da medicina. Asclépio era representado apoiado em uma serpente envolta em um bastão, que originou o símbolo da medicina.
O conhecimento derivado do mito de Asclépio fundava as escolas de ciências médicas da Grécia antiga. Na escola de Kos estudou Hipócrates.
Hipócrates deixou uma coletânea de livros (Corpus Hippocratun) e nestes pode-se encontrar o juramento médico, até hoje repetido. Buscou fundamentar racionalmente a arte da cura, influenciando as pesquisas médicas até a atualidade.

7. REFERÊNCIAS
ARANHA, MLA E MARTINS, MHP. Temas de Filosofia. São Paulo: Moderna, 1992.
BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.
SILVA, MJA. Um galo a Asclépio. Ciênica e Vida: Filosofia especial. Ano II, v. 7. São Paulo: Escala Ed., 2010.
HIPÓCRATES.Conhecer, cuidar, amar: o juramento e outros textos. São Paulo: landy ed, 2002.