Infância e Juventude e suas Concepções
Por Alexandrina Maria Pereira de Farias | 19/02/2015 | EducaçãoInfância e Juventude e suas Concepções
Ao lado da evolução da família e do desenvolvimento do sentimento de domesticidade que se verificou no período compreendido entre p final da Idade Média e o final do século XVIII, observam-se algumas formas de se perceber a criança, a infância e a juventude. Enquanto a família vivia em espaços abarrotados de gente, independente do tamanho da casa era difícil encontrar sentimentos de amor conjugal, amor filial ou a valorização de laços afetivos entre os membros da família. Isso se refletia na maneira de ver as crianças. Na verdade, se refletia no anonimato da criança: ela praticamente não existia, não era “vista”. A promiscuidade reinava naqueles tempos e a criança crescia nesse meio.
No momento em que se tem nova configuração espacial das casas, com áreas especializadas, como a sala de jantar e o quarto de dormir, são criadas as condições necessárias para o desenvolvimento de sentimentos como o aconchego e domesticidade que antes não existiam. A família começa a dispensar seus vários hóspedes e busca a privacidade do “lar”, conceito que também não existia. A organização da família conjugal demanda novos arranjos em termos de papeis sociais, bem como determina novas funções para essa família. Destaca-se a partir daqui o progresso da domesticidade e o surgimento da família conjugal, nuclear e doméstica que passa a ser o modelo predominante nas sociedades ocidentais até hoje.
O Sentimento de Infância
Infância é uma concepção ou representação que os adultos fazem sobre os primeiros anos da vida do homem, bem como a noção de criança diz respeito ao sujeito real que vive essa fase. Portanto, pode-se dizer que tem uma função analítica, isto é, para facilitar a discussão e a análise destas questões.
O trabalho de Philippe Ariès intitulado História Social da Criança e da Família trata a descoberta da infância na Renascença e do surgimento do que o autor chamou de sentimento de infância. Quando se analisa a iconografia da Idade Média e a compara com aquela produzida na Renascença, Ariès conclui que o sentimento de infância era desconhecido na Idade Média somente passando a ser expressivo no século XVII. Mas como o autor define o sentimento de infância? Após demonstrar como a existência da criança passava quase despercebida em função da sua brevidade do tempo em que ela interagia com a família, pois, a mortalidade infantil era muito alta e quantidade enorme de filhos o que fazia com que a crianças e a mulheres vivessem pouco. As pessoas procuram não se apegar às suas crianças porque sabiam que as perderiam de uma forma ou de outra, fosse porque iam para casa das amas de leite, fosse porque morreriam logo. Neste tempo havia apenas a paparicação, um sentimento superficial, ligado à criança nos seus primeiros anos de vida, quando era percebida como engraçada, inocente e frágil.
No final do século XVII é que se podem observar mudanças. Neste período tem inicio o que se convencionou com escolarização, quando a escola substitui a aprendizagem como meio de educação. Surgem os colégios, local para onde as crianças são mandadas, mais uma vez sendo separadas das famílias. Mas a família havia se tornado um lugar de afetividade e isso afetou as crianças na medida em que começou haver uma preocupação com seu bem-estar e com a sua sobrevivência. A família começou a se organizar e viver em torno da criança e das suas necessidades. Essa polarização em torno da família e da profissão será um traço das sociedades ocidentais no século XIX e que se estenderia até o século XX.
A ideia de adolescência e juventude é mais recente e remonta do século XVIII, a partir de toda a “descoberta” da criança. Mas o que é inegável é que a cada época corresponde a uma idade privilegiada. A juventude é a idade privilegiada do século XVII, a infância do século XIX e a adolescência do século XX. As mudanças podem ser observadas na forma em que as crianças e os jovens eram vestidos iguais e quais jogos e brincadeiras eram mais comuns.
Uma das mudanças mais importantes relaciona-se a maneira com que as crianças e os jovens eram tratados pelos adultos no que diz respeito à sexualidade. Elas deixam de se “brinquedos” dos adultos, os quais percebem sua inocência infantil e procuram então preservar, sobretudo a criança das “sujeiras da vida”. Assumem também maiores cuidados com a saúde da criança.
O Surgimento dos Colégios e as Visões da infância
Os colégios surgem a partir da ideia de que a criança precisava “ser formada” uma vez que nascia totalmente despreparada para a vida em sociedade. Segundo essa visão, faltava para as crianças condições de viver sozinha, faltavam valores e faltavam regras. Tudo precisava ser ensinado. E a partir, desse pensamento não será mais na família que acontecerá o processo de socialização. O local adequado será o colégio, que se transforma e deixa de ser uma comunidade democrática que acolhia a todos que necessitavam para constituir uma hierarquia autoritária, submetida a um regime disciplinar extremante severo. A própria necessidade de disciplina é explicada pela noção de fraqueza da infância, aliada ao sentimento de responsabilidade moral que os mestres assumem diante da família que lhes confiam seus filhos.
Tem-se uma nova percepção de idades, começando a haver então uma separação por classes e por faixa etária, procurando agrupar os alunos a partir desse critério. Com um sistema disciplinar cada vez mais rigoroso, os colégios assumem uma estrutura em que muito se aproxima da atual. Agora, a duração da infância equivale à duração da escolaridade, que no fim do século XVIII chega a quatro ou cinco anos. Os colégios passam a ser a moderna expressão de como se deve tratar as crianças. Ao seu lado se tem os chamados manuais de boas maneiras ou de civilidade voltados para o publico pueril e que visavam apresentar as normas de conduta que deveriam nortear os comportamentos das crianças no mundo. A universalização dos códigos ocidentais de conduta significa que esses passam a ser sinônimos de refinamento e o padrão a ser seguido por aqueles que almejavam ascender socialmente.
Mas não se pode deixar de trazer a contribuição de Jean Jacques Rousseau (1712-1778) para a discussão das concepções de infância e o surgimento dos colégios.
De modo geral, pode-se dizer que os humanistas do século XVI rejeitavam com rigor a alternativa escolar. Acreditavam que não se conhecia a criança direito, não se sabia exatamente como era ela, o que pensava e quais seus limites. Diante disso, consideram quase que uma violência impor-lhe qualquer tipo de educação formal. Seria uma agressão à sua natureza pura e àquilo que se comentou – a ideia de insuficiência ou de caráter incompleto da criança.
Rosseau ressalta as relações entre a natureza e a sociedade e a moral fundada na liberdade; destaca sobre tudo a primazia do sentimento sobre a razão e acredita na bondade natural do homem. Diante disso, a civilização é vista por ele como a grande responsável pela degradação da natureza humana e sua substituição pela cultura intelectual. Defende ardentemente a pureza infantil e vê o sentimento como o verdadeiro instrumento do conhecimento e o mundo interior (humano) é que deve ser buscado, e não o mundo da razão, sempre com o objetivo de transformar a criança num adulto bom.
Considerações Finais
Depois que a humanidade percorreu um longo caminho percebeu-se que a criança existia e exigia novas maneira de organização social, como existe nos dias atuais, tendo em mente certas representações de crianças e dos jovens que não diferem muito daquelas herdadas dos séculos XIX e XX.
A preocupação com a infância e a adolescência deve ser uma constante. Não se pode pensar mais a sociedade sem incorporar essa discussão. O próprio modelo dessa sociedade que se diz moderna está pautado na ideia de que a criança, a infância e a educação precisam ser cuidados. Saneamento e educação são os pilares que embasarão as propostas de modernização da sociedade.
Referências
ARBOUSE-BASTIDE, P., Machado L. G. Rousseau. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978
ARIÈS, P. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981