INDIGAÇÕES DE DIREITO TRIBUTÁRIO FRENTE A CASO HIPOTÉTICO

Por Felipe Marto Soeiro Carneiro | 18/08/2016 | Direito

Felipe Marto Soeiro Carneiro 

Antonio de Moraes Rego Gaspar

  1. DESCRIÇÃO DO CASO

Parte basilar do procedimento para integrar em sociedade empresária é o chamado capital social, seja feito com integralização de bens ou do próprio valor monetário estipulado. Em 2015, Hetfield Participações S/A iniciou tal procedimento a fim de integrar na empresa Metalúrgica Heavy Metal Ltda, localizada em São Luís/MA.

Sua parcela no capital social consistia no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Para tanto, intentou realiza-la por meio de um imóvel no valor de R$ 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil reais). Porém, restou negada a isenção de pagamento do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) de forma total. A justificativa decorreu de o valor ser superior ao necessário para integralizar o capital social da empresa.

Nesse sentido, a Secretária da Fazenda do Munícipio de São Luís alegou impossibilidade da imunidade prevista no inciso I, §2º, Art. 156 da Constituição Federal. A empresa solicitou consultoria para fundamentação de parecer sobre o caso.

  1. IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

  2.1. Questões para análise

  1. a) Qual a regra-matriz de incidência tributária de ITBI?

Primeiramente, é necessário ressaltar que a análise da regra-matriz (de forma ampla) é de suma importância para a formulação da norma jurídica (com pertinência ao caso a norma-jurídica tributária), uma vez que parte do pressuposto da realização de um decurso lógico até a formulação da norma reste fundamentada em preceitos verificáveis e interligada ao fator gerador e às relações intersubjetivas. (CARVALHO, Aurora, 2009).

Nesse sentido a regra-matriz tem a primazia de delimitar aspectos antecedentes e consequentes, sendo de considerável importância para sopesar a norma tributária, uma vez que, segundo Paulo de Barros Carvalho (2007, p.285):

Ao conceituar o fato que dará ensejo ao nascimento da relação jurídica do tributo, o legislador também seleciona as propriedades que julgou importantes para caracteriza-lo. E desse conceito, podemos extrair critérios de identificação que nos permitam reconhecê-lo toda vez que, efetivamente, aconteça. No enunciado hipotético vamos concentrar três critérios identificadores do fato: a) critério material; b) critério espacial; c) critério temporal.

Para a delimitação da regra-matriz de incidência tributária do ITBI, é necessário ressaltar, primeiramente, seu respaldo constitucional através do inciso II do art. 156 da CF, sendo um tributo cobrado na transmissão de bens imóveis, com exceção ao inciso I, § 2º do supracitado artigo. Com tal delimitação, tem-se que o critério material seria “transmitir inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição” (CF, inciso II, art. 156).

Quanto ao critério espacial, território de localização bem imóvel. O critério temporal, por sua vez, reside na transmissão e no momento de ocorrência. Em se tratando dos subsídios de consequência, o sujeito ativo (faceta do critério pessoal), seria o próprio Munícipio (exemplificando com a lide em tela seria o Munícipio de São Luís). O sujeito passivo seria o aquele que dispõe do imóvel para realizar a transação, ou seja, o contribuinte. Por fim, o critério prestacional ou quantitativo seria de pagar valor venal do imóvel (R$ 250.000,00) e alíquota de 2%.

  1. b) Qual o conceito de imunidade tributária? Qual o limite da interpretação das normas tributárias imunizantes?

É imprescindível o estudo quanto à imunidade tributária para, posteriormente, o adentramento no cerne da problemática apresentada. Doutrinariamente, tem-se que “a imunidade significa a inadmissibilidade da instituição da hipótese de incidência do imposto”. (OLIVEIRA, Regis, 2008, p. 132).

Em especificas situações, ocorrerá a impossibilidade do Estado exercer o seu poder impositivo, representado pela cobrança de determinado tributo. Quanto se trata da natureza jurídica do instituto, pode-se afirmar que “se incluem no subdomínio das sobrenormas, metaproposições prescritivas que colaboram, positiva ou negativamente, para traçar a área de competência das pessoas titulares de poder politico, mencionando-lhes os limites materiais e formais da atividade legiferante”. (CARVALHO, Paulo, 2007, p. 203).

A exemplo de imunidade tributária, destacando que o respaldo de sua procedência é constitucional, podemos citar o patrimônio, a renda e os serviços dos partidos políticos (inciso IV do art. 150); a incidência de tributo sobre templos de qualquer culto (alínea b do inciso IV do art. 150) e jornais, livros e papel destinado a impressão (alínea d do inciso IV do art. 150).

Quanto à análise do limite da interpretação das normas tributárias imunizantes, admite-se que deverá ser uma interpretação extensiva, pautada na possibilidade de restringir direitos garantidos pela Constituição Federal caso sejam interpretados de forma restritiva. Além disso, há “necessidade permanente de que a situação esteja tipificada, de tal arte que nenhum outro expediente seja preciso para sua perfeita identificação no mundo factual” (CARVALHO, Paulo, 2007, p. 205). Dessa forma, prima-se por uma exegese ampla, mas atentando-se para a finalidade especifica de cada imunidade e termo utilizado na sua tipificação. 

  1. c) Incide a imunidade tributária prevista no artigo 156, § 2º, I, da CF/88 quando o imóvel superar o valor do capital social integralizado?

c.1) Não incide a imunidade tributária.

Primeiramente, é imprescindível que se faça uma análise quanto à intenção legislativa ao instituir a imunidade do ITBI no artigo supracitado. Tem-se que as relações econômicas pautam-se em complexidade e repto.

Em se tratando das atividades empresariais, a integralização do capital social é basilar para o início de uma sociedade econômica, seja qual seu fim. É nesse sentido que o legislador claramente age com o escopo de facilitar essa integralização, seja com o capital propriamente dito ou com os bens que o representam. Não sendo um instituto unicamente criando com a finalidade de imunizar tributos, mas sim uma forma do constituinte fornecer parâmetros para que viabilizem a integração do capital social imune de tributos, facilitando seu posterior andamento.

De forma cristalina, o constituinte, através do art. 36 do Código Tributário Nacional, remete ao capital subscrito, mas não amplia a possibilidade ao capital excedente, sendo essa uma interpretação extensiva contrária ao escopo legislativo.

Além disso, segundo decisão pelo Ministro Marco Aurélio em processo a qual será discutida a repercussão geral (posteriormente pacificando a causa), tem-se que:

TRIBUTÁRIO - ITBI - INCORPORAÇÃO DE IMÓVEIS PARA INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL DE PESSOA JURÍDICA - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA (ART. 156, § 2º, INCISO II, DA CF/1988) - VALOR DOS IMÓVEIS SUPERIOR AO DO CAPITAL SOCIAL INTEGRALIZADO E DAS COTAS DOS SÓCIOS RESPECTIVOS - IMUNIDADE QUE ALCANÇA APENAS O LIMITE DO CAPITAL E DAS COTAS INTEGRALIZADAS COM IMÓVEIS - EXCEDENTE SUJEITO À TRIBUTAÇÃO - SENTENÇA REFORMADA.

A imunidade tributária prevista na primeira parte do inciso II do § 2º do art. 156, da Constituição Federal de 1988 impede a incidência do imposto de transmissão de bens imóveis "inter vivos" somente sobre o valor do imóvel necessário à integralização da cota do capital social. Vale dizer, sobre o valor do imóvel incorporado que excede o limite do capital social a ser integralizado ou da própria cota do sócio respectivo, haverá incidência do tributo. (RE 796.376. 11/02/15).

Nesse sentido, denota-se que toda a análise quanto ao dispositivo, bem como o andamento pelo Supremo Tribunal Federal é desfavorável à imunidade de ITBI com capital social excedente, constituindo-se de uma interpretação extensiva do dispositivo legal e que invalida a intenção do constituinte.

c.2) Incide a imunidade tributária

Ainda que reste alegado o silêncio da legislação quanto tal possibilidade, denota-se que igualmente há qualquer proibição de incidência da imunidade tributária sobre o ITBI em caso de capital social incidente. Na ausência de proibição (que constaria, caso se tratasse de intenção legislativa), qualquer restrição tem caráter abusivo, concretizando clara ofensa ao princípio da legalidade.

Ressalta-se ainda que o capital social (em termos elevados) se torna quase que completamente inviabilizado se considerado apenas com a apresentação do valor em dinheiro. Consubstanciando-se com o princípio da livre iniciativa (CF, inciso IV, art. 1º), a possibilidade de integralizar mediante bem imóvel com a imunidade quanto ao imposto, resta uma cristalina ação em consonância com um estado de segurança jurídica e econômica.

Deve-se, portanto, admitir que a interpretação do dispositivo legal se perfaz extensivamente em benefício da livre iniciativa econômica e de um Estado que possibilita a atividade empresária privando-se de uma interferência tributária amplamente prejudicial.

REFERÊNCIAS

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito financeiro e de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1995

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 23 de março 2015.

BRASIL. STF. RE 796.376. Rel. Min. Marco Aurélio. Julgado em: 11 fev. 2015. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verPronunciamento.asp?pronunciamento=5455003 Acesso em: 23 de março 2015.

BRASIL. LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em: Acesso em: 23 de março 2015.

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Teoria Geral do Direito(o construtivismo lógico-semântico). São Paulo: PUC, 2009. 623 p. Tese de Doutorado em Filosofia do Direito – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 19a ediçãoSão Paulo: Saraiva, 2007.

ICHIHARA, Yoshiaki. Direito tributário. São Paulo: Atlas, 2002.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de direito financeiro. São Paulo: Saraiva, 2008.

[1]

[2] Aluno do 7° período, do curso de Direito, da UNDB.

[3] Professor, orientador.