Inconstitucionalidade da Lei de Abate

Por Sirlana Leal | 24/09/2009 | Direito

A chamada "Lei do abate" enseja sobre o regramento da possibilidade de serem derrubadas aeronaves consideradas hostis ao Estado Brasileiro, todavia essa regulamentação vem trazendo constantes indagações, uma vez que a Constituição Federal, notadamente preceitua em seu artigo 5º no caput, garantias como a vida e a liberdade, juntamente com outros princípios fundamentais.

Antes existia a lei a nº 9614, de 05.03.1998, que permitiu o tiro de abate, ou seja, a destruição de aeronaves suspeitas de estarem transportando drogas, no espaço aéreo brasileiro, introduziu, na prática, a pena de morte no Brasil. Essa Lei é considerada por parte da doutrina como inconstitucional, antes ainda não havia sido regulamentada, por esse motivo a lei passou praticamente despercebida, isso até o presidente atual, Luis Inácio assinar o Decreto, que hoje é alvo destas argumentações.

Isso nos leva a refletir também, uma vez que por um lado é protegido o direito a vida, e por outro e resguardado a pena de morte em caso de guerra declarada, essa é uma exceção a regra, são casos totalmente distintos, mas apesar de ambos os casos serem diferentes. Segundo o autor argentino Quiroga Lavié "os direitos fundamentais nascem para reduzir a ação do Estado aos limites impostos pela Constituição, sem, contudo, desconhecerem a subordinação do indivíduo ao Estado, como garantia de que eles operem dentro dos limites impostos pelo direito".[1]

Enfim a grande celeuma sobre a lei de abate, não é o fato de vedar a locomoção com drogas, uma vez que no inciso XLIII do artigo 5ºCF, considera tráfico ilícito de drogas e entorpecentes entre outros crimes, um ato inafiançável, o que se indaga é o direito a vida. Uma vez que a lei ao permitir o tiro de abate, ou melhor, a destruição de aeronaves suspeitas de estarem transportando drogas, no espaço aéreo brasileiro, introduziu, na prática, a pena de morte no Brasil. Que por sua vez como já falado anteriormente a pena de morte é aceita em caso de guerra declarada, já a lei de abate não será utilizada apenas em caso de guerra, podendo matar também civis que por algum motivo não param o avião quando foi pedido. Vale ressaltar que apesar de regulamentada nunca houve nenhum caso no Brasil.

"A Lei do Abate veio a ser uma dupla concessão: dos militares ao Poder Executivo, ao aceitarem cumprir esse papel no combate às drogas; e do governo brasileiro às demandas externas, principalmente norte-americanas." [2]

A diferença é que além da lei de abate ser inconstitucional acaba colocando em perigo a vida de pessoas inocentes, em tempo de paz e sem o devido processo legal, ou seja, existe certo procedimento para que a lei de abate seja utilizada, um deles é pedir para que a aeronave pare, todavia que fuga seria tão ruim, e que crime seria tão cruel, a ponto de punirmos com pena de morte o sujeito ativo do ato, vale lembrar que o ponto positivo e nem um pouco desprezível, é justamente o pretexto de combater os traficantes.

Mas, creio que princípios constitucionais como o direito a vida, devido processo legal, inafastabilidade ao poder judiciário, são relevantes para a declaração da inconstitucionalidade dessa lei que se equipara a fazer justiça com as próprias mãos, e nos faz lembrar até do código de Talião, combatendo os crimes com métodos criminosos.

Além dos argumentos morais para inconstitucionalização desta lei, tem-se também que levar em conta a incapacidade do sistema nacional de vigilância aérea, além da ineficácia no controle das rotas de tráfico de drogas.

Segundo MACHADO, "no caso do Brasil, as demandas internacionais de especialistas estrangeiros por um envolvimento direto dos militares brasileiros no combate às drogas já vinham sendo concertadas desde o início da década de 1990, mas a oposição interna das Forças Armadas brasileiras sempre prevaleceu" [3].


         Sirlana Leal Nogueira



[1] Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna" in Moraes. Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Atlas; p. 47. 3a. Ed.

[2] MACHADO, Lia O. Medidas institucionais para o controle do tráfico de drogas e da lavagem de dinheiro e seus efeitos geoestratégicos na região Amazônica brasileira. In: Cadernos IPPUR, Ano XXI, Nº 1 Jan-Jul, 2007. p.25.

[3] MACHADO, Lia O. Medidas institucionais para o controle do tráfico de drogas e da lavagem de dinheiro e seus efeitos geoestratégicos na região Amazônica brasileira. In: Cadernos IPPUR, Ano XXI, Nº 1 Jan-Jul, 2007. p. 11.