Incompetência De Foro Para Distribuir Ações Que Versem Sobre O Questionamento Da Tarifa De Assinatura E Dos Pulsos Além De Franquia No Telefone Fixo
Por Philipe Lomes | 19/12/2007 | DireitoINCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA PROCESSAR E JULGAR ESTE TIPO DE AÇÃO
Conforme já exposto, estas ações viraram "febre" no Judiciário, principalmente nos Juizados Especiais Cíveis e de Defesa do Consumidor. Contudo estas cobranças são autorizadas por normas editadas pela Agência Reguladora, o que faz sua presença necessária à lide, inviabilizando a distribuição destas ações na Justiça Estadual.
A concessionária do Serviço de Telefonia Fixa Comutado – STFC, Local e de Longa Distância, em regime público, que explora mediante outorga do Poder Público Federal, nos termos do contrato de concessão que celebrou com a ANATEL, agência reguladora do setor.E a relação jurídica entre concedente e concessionária é regulada, fundamentalmente, pelo contrato de concessão e pela Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472, de 16.07.97).
De fato, como se sabe, toda e qualquer obrigação que vincule a empresa prestadora dos serviços concedidos tem sua fonte indiretamente na Lei e, diretamente, no contrato administrativo firmado entre o Poder Concedente e a Concessionária, não se admitindo qualquer ingerência externa, estatal ou privada, seja na estipulação de obrigações, seja nos procedimentos executórios e fiscalizadores relativos aos serviços concedidos - a não ser, óbvio, os previstos normativamente.
De início, necessário esclarecer que a competência da ANATEL, deriva de atribuição normativa delegada diretamente pela União, ex vi o art. 21, inciso XI da Constituição Federal, que prevê expressamente que:
"Compete à União, explorar, diretamente ou mediante Autorização, Concessão ou Permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da Lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais."
Concretizando a norma constitucional, o art. 1º da Lei 9.472/97 (Lei Geral das Telecomunicações – "LGT"), ao dispor sobre a organização dos serviços de telecomunicações e a criação de Órgão Regulador, confere a este – Anatel – nos termos das políticas estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, a prerrogativa de organizar a exploração dos serviços de telecomunicações. Além disso, o art. 19 do mesmo diploma estabelece que é competência da Agência expedir normas sobre a prestação e fruição dos serviços de telecomunicações em regime público, in casu, o Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC.
"Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:
(...)
IV – expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público;" (grifou-se)
A Lei Geral de Telecomunicações estipula, ainda, em seu artigo 214, que:
"Art. 214 – Na aplicação desta Lei, serão observadas as seguintes disposições:
I – os regulamentos, normas e demais regras em vigor serão gradativamente substituídos por regulamentação a ser editada pela Agência, em cumprimento a esta Lei;
II – enquanto não for editada a nova regulamentação, as concessões, permissões e autorizações continuarão regidas pelos atuais regulamentos, normas e regras;"
Diante da norma constitucional acima disposta e da respectiva Lei que a concretiza, à ANATEL foi assegurada competência para regular os serviços de telecomunicações, dando cumprimento ao disposto na Constituição Federal, estando investida de autoridade para expedir resoluções de aplicabilidade geral, assim como de amplos poderes para policiar o setor e solucionar conflitos por meio de processos administrativos.
Pelo exposto, resta claro que a Anatel, enquanto órgão fiscalizador e regulador do serviço de telefonia, deve integrar a relação processual destas ações, vez que se o pedido for julgado procedente, importará na ineficácia de uma série de resoluções e normas elaboradas pela agência reguladora, bem como desrespeito aos próprios termos do contrato de concessão celebrado entre ela e a concessionária do Serviço de Telefonia Fixa Comutado – STFC, em manifesto desrespeito ao art. 21, XI da CRFB/88 e ao art. 1º da Lei 9472/97.
Trata-se, assim, de litisconsórcio necessário em que se apresenta imprescindível a presença da Anatel em decorrência da natureza da relação jurídica e diante da imperiosa necessidade do Magistrado decidir a lide de modo uniforme para todas as partes, sob pena de ineficácia da decisão, nos termos do art. 47 do Código de Processo Civil. Solidificando este entendimento do litisconsórcio necessário, é necessário expor:
"Há litisconsórcio passivo necessário quando existe comunhão de interesse do réu e do terceiro chamado à lide" (STF – 2ª Turma, Ag 107.489-2-AgRg-SP, Rel Min. Carlos Madeira, j. 28.2.86, negaram provimento, v.u., DJU 21.3.86, p. 3962)
Conseqüência do litisconsórcio passivo necessário é a incompetência absoluta da Justiça Estadual para conhecer e julgar estas demandas, pois sendo a Anatel uma autarquia federal, incide à hipótese artigo 109, inciso I, da Constituição Federal. É necessário ainda atentar que a Justiça Estadual não é sequer competente para analisar o interesse da Anatel no feito, nos termos da Súmula 150 do STJ:
"Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas".
Necessário então trazer aos autos amostra jurisprudencial que acolhe tal entendimento:
"A Justiça Estadual é competente para dirimir controvérsia sobre relação contratual travada entre consumidor e companhia telefônica, quando não haja interesse da ANATEL" (TJ/PB – Apel. Cív. 200.2004.039388-2/002).
Por todo o exposto, entende-se que, há incompetência absoluta da Justiça Estadual para processar e julgar as demandas que versem sobra a legalidade das cobrança da tarifa de assinatura e dos pulsos excedentes, visto que a Agência Reguladora deve necessariamente ser incluída no pólo passivo da lide.
INCOMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS
Conforme já explicitado, estas ações são distribuídas no Judiciário, principalmente nos Juizados Especiais. Para exaurir por completo o tema, ainda que não defendesse a incompetência da Justiça Estadual devido ao litisconsórcio necessário da ANATEL, os Juizados Especiais também não seriam competentes para processar e julgar este tipo de ação.
O sistema de cobrança dos serviços telefônicos por pulsos, objeto da presente lide, advém do Sistema Telebrás e é devidamente regulamentado pela Anatel, único órgão competente para tal, conforme demonstrado no tópico anterior. Certo então que o objeto da demanda traz, intrinsecamente, possível falta de idoneidade da concessionária do Serviço de Telefonia Fixa Comutado – STFC, quando da aferição dos pulsos cobrados.
Contudo existe um Certificado de Conformidade nº 66.001/02, no qual a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) - órgão idôneo e imparcial - atesta que a forma de coleta, registro, tarifação e faturamento do serviço telefônico fixo comutado prestado pela concessionária do Serviço de Telefonia Fixa Comutado – STFC, satisfaz as exigências da Anatel.
Desta sorte, havendo qualquer pretensão que vá de encontro ao sistema de aferição dos pulsos, tornar-se-á impreterível a produção de prova pericial, para que, em última análise se coloque em debate o próprio atestado de conformidade emitido pela ABNT, órgão de notória competência e imparcialidade, em observância ao princípio da ampla defesa.
Ocorre que a Constituição Federal, em seu art. 98, inciso I, limita a competência dos Juizados Especiais a matérias cíveis de menor complexidade. O Juizado Especial Cível, portanto, é o foro destinado ao julgamento das causas de menor complexidade, o que permite maior celeridade no trâmite das ações, com o exame pelos julgadores de matérias de mais fácil compreensão e que afastam a necessidade de produção de prova pericial.
A competência dos Juizados Especiais Cíveis também é limitada por previsão do artigo 3º da Lei nº 9099/95, haja vista que a simplificação do procedimento do Juizado não se compatibiliza com a complexidade de certos conflitos que exigem maior aprofundamento, com produção de outras provas além daquelas que a simplificação e a celeridade permitem. Em outras palavras, os Juizados Especiais Cíveis são incompetentes para processar e julgar causas cíveis de maior complexidade, que dependam, para o seu julgamento, de dilação probatória, incompatível com o rito sumário e simplificado dos processos que perante eles tramitam.
Nos casos em tela, as ações são propostas somente em face da concessionária, com a finalidade de a parte se valer das restrições que a Lei nº 9.099/95 impõe ao exercício do direito de defesa proporcionais à simplicidade das causas as quais ela se aplica. Com efeito, o ajuizamento desta demanda perante o Juizado Especial Cível configura expediente ilegal, abusivo e inadequado porque esta ação jamais poderia ser caracterizada como causa de "menor complexidade".
Nesse contexto, impende ressaltar que a competência dos Juizados Especiais é exaustiva, e a interpretação das normas que a balizam tem de ser restritiva. Na dúvida, deve ser afastada essa competência especial. Na espécie, apresenta-se irretorquível a total e absoluta incompetência do Juizado Especial para conhecer e julgar estas causas, sendo certo que o seu prosseguimento importará em violação do princípio constitucional do devido processo legal e da norma prevista no art. 98, I, da Carta Política, do que decorre a inafastável nulidade do processo.
E há, exatamente quanto à matéria ventilada – reclamação quanto aos pulsos excedentes – entendimento já manifestado pela Turma Recursal da Capital deste Estado, por ocasião do julgamento do Recurso 2001.700.008060, no qual figuraram as partes TELEMAR e, como Recorrente, José da Silva Conceição, no sentido da maior complexidade da causa. Restou decidido naquele julgamento, o seguinte:
"Concessionária de serviço telefônico. Assinante que discorda da média de pulsos. Falta de elementos concludentes nos autos. Necessidade de Perícia Técnica. Incompetência do Juizado Especial Cível, art. 3º caput da lei 9.099/95. Causa de maior complexidade. Sentença que se reforma para julgar extinto o processo sem apreciação de mérito, com fulcro no art. 51, II, da lei 9.099/95". (Decisão Unânime. Julgamento em 19/09/01 - Relator Juiz Cleber Ghelfenstein, grifou-se).
Não há dúvida, pois, da complexidade do feito, que torna impositiva a realização de prova pericial, excludente da competência do Juizado Especial. Considerando o já referido Certificado de Conformidade nº 66.001/02 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT),conclui-se que para que se possa apurar algum pretenso desajuste ou interferência específica, faz-se impositiva a realização de prova pericial, que exclui a competência dos Juizados Especiais.
Pelo exposto, para que não haja cerceamento de defesa e violação ao devido processo legal, princípios constitucionais consagrados no artigo 5º, incisos LIV e LV, nem transgressão aos limites constitucionais impostos à competência dos Juizados Especiais, balizada pelo art. 98, I, da Carta Política, estes processos deverão ser julgados extintos, sem resolução do mérito, de acordo com o art. 51, inciso II, da Lei nº 9.099/95, quando distribuídos em sede dos Juizados Especiais.