INCLUSÃO E CORPOREIDADE NO COTIDIANO DA PRATICA DOCENTE
Por Juliane de Fátima da Rosa Silva | 05/09/2010 | EducaçãoNo período histórico iniciado com as mais antigas civilizações que se estendeu até a queda do Império do Ocidente (século V), FERNANDES (2007) nos coloca que apenas as pessoas nobres detinham o poder social, político e econômico. Na época o que mais importava era o corpo perfeito e forte para guerrear, a beleza física, a capacidade retórica para proferir discursos filosóficos, entre outras habilidades, eram aspectos que valorizavam algumas pessoas e conferiam-lhes a cidadania nessa sociedade.
FERNANDES (2007) fala que,
"pessoas que nasciam com deficiências visíveis, como, por exemplo, a falta de deformação de membros ou a incapacidade de falar ou enxergar, eram relegadas ao abandono e, até mesmo exterminadas, por não terem valor social."
Mas na Idade Média essa situação de extermínio começa a ser questionada em decorrência do fortalecimento da Igreja Católica e do advento do cristianismo, os quais mudam o cenário político da sociedade, quando aliam-se à nobrezas, o clero passa a ter enorme influência na definição dos princípios de valores morais que regem a sociedade por meios religiosos.
A Igreja Católica por outro lado interpretava que as pessoas que nasciam com deficiências eram seres castigados por Deus, pelos pecados que cometeram, consideravam indivíduos demoníacos. A salvação , segundo se apontava, deveria ser objeto da punição divina para expiação dos pecados, por meio da perseguição ou do sacrifício. Por outros, a interpretação de que essas pessoas eram escolhidas por Cristo e predestinadas para o "dom da cura".
Decorrentes desta visão, segundo FERNANDES (2007),
"surgiram as primeiras iniciativas de proteção e compadecimento com a criação de asilos e abrigos onde eram doadas esmolas e prestada assistência as pessoas com deficiência, como um ato de caridade que conduzia a salvação da alma."
FERNANDES (2007) nos fala que o período chamado SEGREGAÇÃO iniciado, então, no século XVI, as pessoas com deficiências em Instituições, que tinham o objetivo de enclausurar aqueles que não se encaixavam nos padrões de normalidade, como leprosos, os paralíticos, os doentes venéreos, os doentes mentais e toda sorte de desajustados, a Igreja passa a dividir com a medicina o tratamento dos denominados ANORMAIS.
Neste período explicam-se a origem das deficiências em causas naturais, e não mais por fatores espirituais. Segundo BIANCHETTI in FERNANDES (2007), nesta época (século XVI) foram poucas as mudanças na concepção de atendimento às pessoas com deficiência.
No século XVIII e XIX, foram criadas centenas de instituições e em paises colonizados por europeus, quase todas com caráter assistencial e filantrópico, nas quais se destacava o trabalho manual para o treinamento industrial. As instituições funcionavam como asilo, já que abrigavam e alimentavam os internos; como escolas, oferecendo instrução básica na leitura e cálculos; oficinas de produção, pois as pessoas com deficiências constituíam mão-de-obra barata no processo inicial de industrialização. Nesta época também são criadas no Brasil as primeiras instituições especializadas com objetivo e práticas semelhantes ao contexto europeu como forte apelo assistencial.
Segundo FERNANDES (2007), em 1800, o médico francês Jean Itard não poupou esforços para educar um menino selvagem encontrado em uma floresta convivendo com animais e considerado ineducável. O médico Jean Itard considerado o precursor da educação especial, pelo seu trabalho com o menino encontrado na floresta batizado de Victor Aveyron.
Victor como não teve qualquer contato com seres humanos, apresentava uma deficiência mental profunda. O médico Itard desenvolveu um programa baseado em procedimentos médicos e pedagógicos, que tinha por objetivo recuperar o potencial cognitivo do menino, oportunizando o desenvolvimento de suas capacidades humanas. Os procedimentos adotados por ele são baseados no treinamento e na exploração dos canais sensoriais para a aprendizagem, esses métodos alastraram-se pela Europa.
FERNANDES (2007) nos fala que,
"somente no século XX é que se inicia a mudança da concepção de atendimento às pessoas com deficiência. Foram muitos os fatores que contribuíram para isso, dentre os avanços científicos que permitiram uma análise mais abrangente da questão da deficiência e suas implicações."
Com vários estudos feitos na área da psicologia, nas ultimas décadas de 1800 e início de 1900, para conhecer a mente humana e seus desdobramentos, por meio de estudos experimentais, o conceito evoluiu para Deficiência Mental, como uma condição permanente que afeta o desenvolvimento intelectual do sujeito, diferente da doença mental, na qual a cognição está preservada, mas há a presença de distúrbios de ordem psiquiátrica, que interferem em aspectos do comportamento dos sujeitos.
Segundo FERNANDES (2007), a concepção da educação especial, tal como a conhecemos hoje, tem seu embrião na década de 1960. Na Dinamarca, inicia-se um movimento de pais, amigos e pessoas com deficiência que ganha força no mundo todo reivindicando, entre outras necessidades, o direito de acesso à educação ofertada em escolas regulares com as demais crianças e jovens.
Expande-se esse processo para o continente americano, ganha força nos estados Unidos e chega ao Brasil, na década de 1980, sendo denominado de INTEGRAÇÃO.
Segundo a Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96, capítulo V ? Da Educação Especial, artigo 58, entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.
Segundo BERGAMO (2009), a Educação Especial constitui-se como uma proposta pedagógica que assegura recursos e serviços para apoiar, complementar, suplementar e/ou substituir serviços educacionais comuns. Realizam-se transversalmente em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino para assegurar aos alunos com necessidades educacionais especiais as condições para ter acesso à escola e permanecer nela assim como para desenvolver as suas potencialidades.
FERNANDES (2007) nos fala que Educação Especial como modalidade de educação, a sua ação estará voltada à QUALIDADE DA RELAÇÃO PEDAGÓGICA por meio dos recursos e dos serviços que disponibilizará e não apenas a um PÚBLICO-ALVO DELIMITADO.
O adjetivo "especial" significará um modo diferente de fazer educação direcionando àqueles que dela necessitarem para seu sucesso escolar, em qualquer etapa ou modalidade de educação básica.
Segundo BERGAMO (2009) Educação Inclusiva trata-se de um movimento que compreende a educação como um direito humano fundamental, é a base para uma sociedade mais justa, que se preocupa em atender todas as pessoas a despeito de suas características, desvantagens ou dificuldades e habitar todas as escolas para o atendimento da sua comunidade concentrando-se naqueles alunos que têm sido excluídos das oportunidades educacionais.
Também BERGAMO (2009) nos coloca que
"as escolas devem acolher TODAS AS CRIANÇAS, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. Devem acolher crianças com deficiência e crianças bem dotadas; crianças que vivem nas ruas e que trabalham; crianças de populações distantes ou nômades; crianças de minorias lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou zonas desfavorecidos ou marginalizados."
Segundo FARFUS a escola tem e sempre terá o seu papel como ator principal no processo pedagógico, mas faz-se necessário a busca de outros atores para auxiliarem na construção de um modelo que atenda as demandas sociais emergentes.
FARFUS nos fala sobre os espaços públicos e privados que não podem ser excludentes, mas devem prever a inclusão de todos em uma sociedade que se diz, democrática. E o pedagogo deverá rever sua atuação para acompanhar este cenário.
Baseando-se no processo de inclusão foi pesquisado na cidade de Florianópolis onde desenvolvemos o trabalho sobre serviços de inclusão existentes, para verificar se há profissionais de educação qualificados e preparados para desenvolver este trabalho nestes espaços. Foi pesquisado em dois lugares que oferecem serviços de inclusão na cidade.
A primeira instituição pesquisa foi a ACIC ? Associação Catarinense para Integração do Cego, foi fundada em 18/6/77 na cidade de Florianópolis e é uma organização não governamental sem fins lucrativos, criada e dirigida por cegos. Cresceu com a ajuda da comunidade, e hoje dispõe de prédio próprio.
Embora desenvolva com grande intensidade atividades de cunho profissionalizante e de habilitação/reabilitação, a ACIC se reconhece como instituição essencialmente educativa, sendo a educação o eixo básico no qual todos os demais se incluem e se subordinam. Para a ACIC reabilitar e profissionalizar são também formas de educar, pois as atividades promovem nos sujeitos a apropriação de determinadas práticas sociais por meio de trocas mediadas por diferentes tipos de saber.
O atendimento é gratuito e aberto a todas as pessoas cegas e de baixa visão, sendo necessário apenas submeter-se ao processo de triagem e avaliação multidisciplinar, que irão subsidiar a futura programação de atendimento. O referido atendimento, conta com o apoio de serviço social, psicologia (individual e em grupo) e pedagogia.
A segunda instituição pesquisada foi A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE - de Florianópolis, fundada na década de 60 que tem como objetivo a defesa de direitos do deficiente mental (desde a concepção até a velhice), prestação de serviços e apoio à família.
Objetivo principal da instituição é cumprir as funções básicas de escola, ensejando a apropriação e produção do conhecimento, com vistas à inclusão do aluno na rede regular de ensino e no mundo do trabalho. É composto por equipe interdisciplinar: professores, auxiliares, instrutores, assistentes sociais, psicólogos, pedagogas, fisioterapeutas, fonoaudióloga, terapeuta ocupacional, psiquiatra e enfermeira, que buscam refletir e redimensionar sua ação pedagógica, fundamentando-se nos pressupostos teóricos da concepção histórico-cultural.
O objetivo geral é desenvolver as múltiplas dimensões: física, intelectual e social, permitindo aos alunos a descoberta de si mesmos e do mundo, ampliando as suas ações e modificando a sua atuação. Também investigar e desenvolver estratégias pedagógicas que possibilitem a organização da estrutura do pensamento do educando com deficiência mental, possibilitando avanços significativos no processo de aprendizagem.
Para estimular o desenvolvimento cultural corporal, também ao psicomotor foi proposta uma atividade no contexto da disciplina de Educação Física para alunos do ensino fundamental para a Alfabetização. A atividade é a seguinte:
"O professor deverá confeccionar cartões com as letras do alfabeto. Dividem-se os alunos em dois grupos, distribuem-se os cartões alfabéticos para cada aluno dos grupos. À voz de comando, os alunos sairão correndo em várias direções, misturando-se dentro do espaço delimitado pelo professor. Ao sinal, cada grupo deverá montar a seqüência do alfabeto e o professor poderá determinar um vencedor" (BATISTA, 2003, p. 87). Uma sugestão para o professor é fazer os cartões com as letras em alto relevo para que os alunos com necessidades educativas especiais, como por exemplo, o cego ou o autista para que possam sentir a letra. Está atividade irá estimular o aluno para o jogo e também irá desenvolver o seu aprendizado alfabético das letras, além de estar trabalhando em grupo com os seus colegas, trabalho em grupo promove a socialização e participação do aluno.
Nos dias atuais, temos uma dificuldade muito grande quando tratamos do assunto "Educação Inclusiva". Há uma falta de informação sobre o que deve ser feito ou não quando se têm em sala de aula alunos portadores de necessidades especiais. É necessário o reconhecimento de que diversos professores, mesmo sem informações sobre como se comportar ou tratar esses alunos, os professores muitas vezes realizam verdadeiros milagres pedagógicos para desenvolver o seu ofício e ter sucesso no processo que lhes foi confiado de transferir conhecimento a esse aluno.
A lei que regulamenta a Educação não é suficiente para amparar o professor em sua jornada pedagógica. Ela exige rampas de acesso, elevadores, banheiros especiais, corrimão duplo, entre outros detalhes, mas não contempla o professor em como ele deve ser treinado, capacitado e informado sobre as variáveis que o aluno portador de necessidades especiais, necessita, do ponto de vista pedagógico, para poder compreender com clareza o conteúdo que lhe é oferecido.
Além das mudanças arquitetônicas que são necessárias nos edifícios escolares para acolher os alunos portadores de necessidades especiais, também à necessidade de desenvolver um conjunto de métodos e estratégias educativas (em nível curricular), é fundamental para o sucesso da inclusão desses alunos na escola.
Para que haja um processo de inclusão na escola é necessário desenvolver estratégias adequadas e devidamente planejadas, como a pesquisa desenvolvida por McNamara e Moreton (1993), apud Paula (2004) p. 178, evidencia os seguintes aspectos que devem ser levados em conta: "
"a planificação e o desenvolvimento de arranjos no ambiente físico e no ambiente social; a escolha dos materiais e equipamentos da sala de aula; a disposição e a adequação do espaço disponível para os alunos ("densidade social" e "densidade espacial"); a revisão do papel do professor como iniciador das interações sociais ou como mero gestor dessas interações; a maior ou menor estruturação das atividades propostas na sala de aula."
O professor que trabalha com alunos com necessidades educativas especiais requer de uma prática pedagógica dinâmica que contemple o desenvolvimento do aluno, mas também que nesse processo haja uma mediação entre alunos, professores e familiares, pois a inclusão desse na escola não é somente uma relação entre professor e aluno, mas que haja uma participação ativa de seus familiares contribuindo para o seu aprendizado.
REFERÊNCIAS
BATISTA, Luiz Carlos da Cruz. Alfabetizando com a Educação Física: Educação Física no Ensino Fundamenta. 2. ed., Rio de Janeiro: Sprint, p.87, 2003.
BERGAMO, Regiane. Pesquisa e Pratica Profissional: Educação Especial. Curitiba: IBPEX, 2009.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, DF: Senado Federal, 1988.; BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de junho de 1990. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 16 jul. 1990.; BRASIL. Lei n.9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 23 dez. 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB n. 2/2001. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 14 set. 2001.
BRASIL. Lei n.9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 23 dez. 1996.
FARFUS, Daniele. Organização pedagógica dos espaços educativos. Disciplina Organização Pedagógica Espaços Educativos do Curso de Pedagogia EaD da FACINTER. Curitiba, 2009.
FERNANDES, Sueli. Fundamentos da Educação Especial. Curitiba: IBPEX, 2007.
GONÇALVES, Nezilda Leci Godoy. Metodologia do Ensino da Educação. Curitiba: IBPEX, 2007.
PAULA, J. de (Org.). Inclusão: mais do que um desafio escolar, um desafio
social. São Paulo: Editora Jairo de Paula, 2004.