INCIDE ITBI SOBRE A TRANSMISSÃO DE IMÓVEIS CUJOS VALORES ULTRAPASSEM O CAPITAL SOCIAL?

Por JULIANA FERNANDA MAFRA SOARES | 06/12/2016 | Direito

Juliana Fernanda Mafra Soares

Hetfield Participações S/A, querendo fazer parte da sociedade empresária Metalúrgica Heavy Metal Ltda, localizada na cidade de São Luís do Maranhão, no ano de 2015 oferece um imóvel de valor correspondente a R$750.000,00 (setecentos e cinqüenta mil reais) para integralizar sua parte no capital social da empresa cujo valor é de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), valor bem menor que o do imóvel.

Entretanto, em decorrência da grande disparidade entre o valor do bem e o valor do capital social surgiram problemas no que diz respeito ao ITBI. Inicialmente foi negada pela Secretaria da Fazenda de São Luís a emissão da guia de recolhimento do ITBI com imunidade total para o imóvel integralizado, tibutando, portanto, o valor do imóvel que excedeu o limite do capital social de Hetfield Participações S/A e tudo isso baseado no artigo 156, § 2°, inciso I da Constituição Federal. 

2 DESCRIÇÃO DAS DECISÕES POSSÍVEIS 

  • A imunidade tributária prevista no artigo 156, § 2°, inciso I da CF/88 incide quando o imóvel superar o valor do capital social integralizado, se restringindo ao valor do capital social.
  • A imunidade tributária prevista no artigo 156, § 2°, inciso I da CF/88 não incide quando o imóvel superar o valor do capital social integralizado, não devendo ser descontado em nada.

 

2.1 ANÁLISE DAS DECISÕES POSSÍVEIS 

  • A imunidade tributária prevista no artigo 156, § 2°, inciso I da CF/88 incide quando o imóvel superar o valor do capital social integralizado, não incidindo o ITBI

Através da análise do próprio artigo em debate é possível entender que ele determina claramente a não incidência de ITBI sobre o valor que superar o capital social integralizado, como exposto a seguir:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

  • 2º - O imposto previsto no inciso II:

I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil; (grifo nosso)

Ou seja, não há nem mesmo indícios de que a atividade preponderante do Hetfield Participações S/A fosse de compra e venda, de bens ou direitos, locação de imóveis ou arrendamento mercantil, então não é possível fazer uma análise por analogia a ponto de prejudicar o adquirente, além do mais, não podemos deixar de lado o Princípio da Legalidade Tributária que assegura que “o tributo depende de lei para ser instituído e majorado e nenhum tributo será instituído ou aumentado senão por intermédio de lei” (SABBAG, 2012, p. 65).

Há ainda outros artigos da CF/88 que devem ser observados nesse caso: art.5º Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei e o art. 150. Sem prejuízo de outras garantias, é vedado à União, aos Estados, Municípios e ao Distrito Federal: I- Exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Além do mais o próprio artigo 107 da CF/88 estabelece que a interpretação dos artigos que dispõe sobre leis tributárias devem ser interpretados de forma literal. 

  • A imunidade tributária prevista no artigo 156, § 2°, inciso I da CF/88 não incide no valor que superar a quantia do capital social integralizado, incidindo o ITBI

Para considerarmos a possibilidade da incidência do ITBI no valor que supera o capital social integralizado, devemos desenvolver uma análise não meramente restrita da letra da Lei, será demonstrado nas indagações abaixo a importância de se interpretar a CF/88 de maneira ampla. A jurisprudência a seguir assegura a possibilidade de incidência naquele valor que ultrapasse o capital social. Vejamos:

TRIBUTÁRIO - ITBI - INCORPORAÇÃO DE IMÓVEIS PARA INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL DE PESSOA JURÍDICA -IMUNIDADE TRIBUTÁRIA (ART. 156, § 2º, INCISO II, DA CF/1998)-VALOR DOS IMÓVEIS SUPERIOR AO DO CAPITAL SOCIAL INTEGRALIZADO E DAS COTAS DOS SÓCIOS RESPECTIVOS -IMUNIDADE QUE ALCANÇA - APENAS O LIMITE DO CAPITAL E DAS COTAS INTEGRALIZADAS COM IMÓVEIS - EXCEDENTE SUJEITO À TRIBUTAÇÃO - SENTENÇA REFORMADA.A imunidade tributária prevista na primeira parte do inciso IIdo § 2º do art. 156, da Constituição Federal de 1988 impede a incidência do imposto de transmissão de bens imóveis "inter vivos" somente sobre o valor do imóvel necessário à integralização da cota do capital social. Valer dizer, sobre o valor do imóvel incorporado que excede o limite do capital social a ser integralizado ou da própria cota do sócio respectivo, haverá incidência do tributo.

Segundo o entendimento jurisprudencial, a imunidade tributária deve incidir tão somente sobre o valor do imóvel a ser integralizado no capital social e não naquilo em que excede, pois sobre o valor excedente poderá sim haver incidência do ITBI , já que não possui a referida imunidade. 

3 ANÁLISE DAS QUESTÕES SECUNDÁRIAS

  • Qual a regra-matriz de incidência tributária do ITBI?

Regra-matriz de incidência são normas padrões de incidência que são produzidas com o intuito de serem aplicadas no caso concreto, se inscrevendo em regras gerais e abstratas  e servem como modelo padrão sintático-semântico na produção da linguagem jurídica concreta, Aurora de Carvalho, 2009.

Toda regra-matriz possui aspectos materiais (relacionado à ação ou comportamento), temporais (o tempo no qual ocorre a ação), espaciais (referente ao espaço no qual ocorre a ação), pessoais (os sujeitos da relação) e prestacionais (qualifica o objeto da prestação).

  • Qual o conceito de imunidade tributária?

Imunidade Tributária, segundo SABBAG, 2012, coloca a salvo da tributação determinadas situações e pessoas (físicas e jurídicas). A imunidade tributária pode ser definida como “uma forma qualificada ou especial de não incidência, por supressão, na CF/88, da competência impositiva ou do poder de tributar, quando se configuram certos pressupostos, situações ou circunstâncias previstas pelo estatuto supremo” (FALCÃO Apud. SABBAG, 2012, p.284). Pode ainda ser compreendida como “o obstáculo criado por uma norma da Constituição que impede a incidência da lei ordinária de tributação, sobre determinado fato, ou em detrimento de determinada pessoa, ou categoria de pessoas” (MACHADO Apud. SABBAG, 2012,p. 285).

  • Qual o limite de interpretação das normas tributárias imunizantes?

Em relação ao seu alcance, Willame Mazza classifica as interpretações jurídicas dessas imunidades em estrita (vale mais a letra da lei que a vontade do legislador), ampla (a norma abrange casos não previstos na lei) ou restritiva(apenas reproduz o texto legal, literalidade da lei). O entendimento jurisprudencial converge no sentido de que a interpretação das normas tributárias imunizantes deve ocorrer de maneira ampla, vejamos:

“A imunidade, sendo uma limitação constitucional ao poder de tributar, não deve sofrer leitura restritiva, tal como a isenção. Segundo a boa doutrina, a regra imunizatória, como todos os preceitos constitucionais, deve ser interpretada com largueza, atendendo, destarte, o propósito político perseguido pelo constituinte (Proc. DRT-1 n. 2.983/90. TITSP, 4ª C, Rel. Juíza Maria Malfada Tinti. Boletim TIT 17.06.95).”

Assim também é o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“A interpretação das normas constitucionais que outorgam imunidade tributária deve ser ampla (de modo a transparecerem os princípios e postulados nela consagrados), sem o caráter restritivo que a lei impõe para a exegese de leis outorgantes de isenção. – AC 229.232-2/6. TJSP, 13ª C Civ, Rel. Des. Aroldo Viotti. Jul. 14.06.94”

Quanto ao limite da interpretação, “por mais que seja ampla, não pode abrigar mais do que aquilo que a Constituição quis proteger. A interpretação tem que ter a exata medida do que a Constituição em toda sua extensão quis consignar” (GRECO Apud. MAZZA). Dito isto, tem-se que o limite à interpretação das normas tributárias imunizantes é a Constituição.

4  DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES

Interpretação ampla da lei; Análises sintáticas e semânticas da Lei; Princípio da Legalidade Tributária.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Tribunal de Justiça Santa Catarina. Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2011.073712-5. Apelante: Município de São João Batista. Apelado: Lusframa Participações Societárias LTDA. Relator: Des. Jaime Ramos. Data de Julgamento: 17/05/2012. São João Batista. Data de Pubilicação: 25/05/2012. Disponível em:file:///C:/Users/USUARIO/Downloads/apela%C3%83%C2%A7%C3%83%C2%A3o.pdf. Acesso em: 10 mar. 2015.

BRASIL. Constitução Federal. Vade Mecum Saraiva. Ed. Saraiva, 2014.

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Teoria Geral do Direito (o construtivismo lógico-semântico).  São Paulo: PUC, 2009. 623 p. Tese de Doutorado em Filosia do Direito –Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009;

MAZZA, Willame Parente. Interpretação das normas de imunidade tributária. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3054, 11 nov. ano 16, n. 3054, 11 nov. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/20403>. Acesso em: 26 mar. 2015

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário.4ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.