INCAPACITADAS DE TER FILHOS: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E EXPERIÊNCIAS DE MULHERES NA CIDADE DE QUELIMANE

Por Maria Teresa Jose Antonio | 23/09/2018 | Saúde

Resumo

O presente artigo analisa as representações sociais sobre a incapacidade da mulher ter filhos reconstituidas à partir de narrativas de mulheres residentes na cidade de Quelimane, província da Zambézia. Esta pesquisa exploratória surge da necessidade de compreender como as mulheres lidam com aspectos ligados a falta de filhos, o seu entendimento relativamente ao valor da reprodução biológica e social. Em termos específicos, o estudo centrou-se nas experiências das mulheres incapacitadas de ter filhos, na importância dos filhos e o valor da maternidade. Igualmente procuramos descrever as principais causas apontadas desta incapacidade bem como os nomes atribuídos a mulheres sem filhos e as respectivas implicações. Tendo em conta o tema em estudo procuramos olhar para as dimensões socioculturais e simbólicas que condicionam o comportamento das mulheres no exercício da sua sexualidade e o lugar que estas desempenham na sociedade em relação aos papéis reprodutivos. O mesmo procurou compreender como mulheres sem filhos são consideradas na sociedade tendo em conta as expectativas. Trata-se portanto, de um estudo de caso realizado na cidade de Quelimane, de carácter qualitativo que privilegiou como técnicas de pesquisa: conversais informais, entrevistas não estruturadas usando a língua portuguesa como principal meio de comunicação e com recurso mínimo a língua (Chuabo)

Palavras-chave: Incapacidade da mulher ter filhos, representações sociais.

I. Introdução

O artigo teve como objectivo principal a análise das representações sociais sobre a incapacidade da mulher ter filhos tendo em conta o valor da reprodução biológica e social, reconstituídas à partir de narrativas de mulheres residentes na Cidade de Quelimane. Em termos específicos, o estudo centrou-se nas experiências das mulheres incapacitadas de ter filhos, na importância dos filhos e o valor da maternidade. Procurou igualmente descrever as principais causas apontadas para esta incapacidade bem como os nomes atribuídos a mulheres que não conseguem ter filhos e as respectivas implicações individuais e sociais.

A análise da incapacidade da mulher ter filhos remete-nos a aspectos relativos à saúde sexual e reprodutiva incluindo a infertilidade. Numa perspectiva biomédica, Badaloti, Teloken e Petraco (1997) consideram que a Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a infertilidade em dois tipos: sendo o primeiro a Infertilidade Primária que se refere ao casal sem gravidez, com a vida sexual regular após dois anos sem contracepção; e o segundo a Infertilidade Secundária que se refere ao casal com gravidez prévia com ausência de gravidez após dois anos de relações sexuais normais sem contracepção (Badalotiet al 1997: 4).

Por um lado, numa perspectiva crítica, Sundby (1997) defende que a infertilidade não é apenas um assunto de saúde reprodutiva no sentido biomédico, mas é uma questão central, existencial, interpessoal e de conflito relacional que diz respeito à interacção social, com grande impacto para a saúde psicológica da mulher. Por outro lado, numa perspectiva antropológica, considera-se a definição de infertilidade abrangente, não somente percebida como a falta de filhos, mas também inclui a complexidade de situações nas quais as percepções sociais e individuais identificam problemas relacionados com a capacidade reprodutiva (Mariano 2008: 30).

Por essa razão, não se usou o termo infertilidade por se limitar apenas a esfera biomédica. Optou-se pelo uso da expressão “incapacidade da mulher ter filhos” buscando aspectos socioculturais que estão relacionados com a reprodução biológica e social.

Argumentos teóricos e práticos orientaram a escolha deste tema. Do ponto de vista teórico, propõe-se uma discussão aberta por se tratar de um assunto pouco abordado na esfera pública, raramente é debatido por se achar íntimo e por medo de estigma e ostracismo. Sob o ponto de vista prático, pretende-se, com a pesquisa, contribuir de forma significativa para uma melhor compreensão das questões socioculturais dos comportamentos, práticas, experiências, crenças, valores e interpretações sobre o referido fenómeno, alargando o debate sobre a incapacidade reprodutiva.

As pesquisas que focalizam a incapacidade da mulher ter filhos têm como enfoque os clientes de clínicas de reprodução humana, o que implica que seja entendida como um problema de saúde. Este debate que toma a incapacidade reprodutiva como um problema biomédico é trazido por autores como Enumo e Trindade (2001) e Mariano (2008).

De acordo com os autores supracitados, a incapacidade reprodutiva é vista principalmente como um problema na área da biomedicina que, por seu turno, olha para o corpo como uma máquina, descurando assim as consequências psicológicas e sociais resultantes da falta de filhos. Adoptando este ponto de vista, entendemos igualmente que a visão biomédica reduz a possibilidade de se compreender esta incapacidade de ter filhos como um fenómeno multidimensional, uma vez que segundo Andrade (2003), a concepção da racionalidade científica privilegia apenas aspectos biológicos excluindo os de ordem sociocultural.

Por essa razão, deve-se levar em conta que não se trata somente de um fenómeno clínico-biológico, mas também vivido culturalmente e, assim, importa tanto por seus efeitos no corpo, como por suas repercussões no quotidiano.

De referir que a teoria das representações sociais serviu para o enquadramento deste estudo. As representações sociais remetem-nos ao conhecimento do sentido comum, do pensamento natural, por oposição ao pensamento científico, são constituídas a partir de nossas experiências e também de informações, conhecimentos e modelos de pensamentos que recebemos e transmitimos através da tradição, educação e comunicação social (Jodolet1984: 7).

As representações sociais estão intrinsecamente relacionadas com o contexto em que são produzidas. No contexto social onde desenvolvemos o estudo procuramos entender como as diferentes mulheres interpretam a incapacidade de ter filhos, tendo em conta o seu significado e sua experiência.

Nesta ordem de ideias, com o intuito de ampliar a nossa compreensão sobre a incapacidade da mulher ter filhos, propusemo-nos a desenvolver este estudo à partir das mulheres buscando conhecer as suas interpretações e seus desdobramentos partindo de suas próprias experiências de vida e valores associados à reprodução biológica e social.

Em conformidade com as ideias acima expostas, a presente pesquisa questiona como é que as representações sociais inerentes a incapacidade reprodutiva são expressas pelas mulheres. [...]

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