In vino veritas
Por Paulo Melo | 20/08/2010 | CrônicasIN VINO VERITAS
No vinho está a verdade, In Vino Veritas, afirmavam os antigos romanos. Com isso, queriam dizer que a embriaguez soltava a língua e fazia a verdade vir à tona, no que eles tinham inteira razão, ou seja, no popular: o bêbado só fala a verdade. Tenho lido e visto alguma coisa sobre vinhos e percebo que o mundo dos enófilos é bastante vasto e vago, há os apreciadores do suco de uva etílico com classe, aqueles que antes de degustar pegam a taça com dois dedos, olham para a taça com olhar de perito no assunto, sacodem a taça, cheiram, tomam um gole do vinho, alguns até bochecham com o vinho, engolem e balançam a cabeça afirmativamente para o maitre. Este ritual eu também já aprendi: o garçom traz o vinho e lhe entrega a rolha, você aperta e olha afirmativamente para o maitre que coloca um pouco de vinho na sua taça, você bebe e sorri aprovando a bebida.
Outro dia fui jantar num desses restaurantes da moda, onde se come pouco e paga-se muito, com varanda em frente ao mar, e conversando com o maitre local, que tem mais de 20 anos de somelier, perguntei sobre este ritual todo pra servir e beber vinho e ele me confidenciou que a rolha é entregue ao cliente para que verifique a consistência e teor de umidade do vinho, coloca-se um pouco de vinho na taça para o cliente ver a cor e sentir o bouqet das uvas, no primeiro gole se distingue um bom vinho do vinagre, nos seus vinte anos de profissão nunca um cliente recusou uma garrafa de vinho, apenas uma única vez depois do vinho ter sido aprovado por uma cliente, ele mesmo teve uma crise de consciência e pediu pra trocar a garrafa que estava mais para vinagre do que para vinho.
Com relação aos amantes de Baco a degustação de vinhos, assim como nas religiões e no judiciário, parece que o rito é mais importante que o fato, eu confesso que tenho o pecado de gostar de vinho tinto doce, já sofri olhares de reprovação em alguns lugares pela minha preferência, alias o melhor vinho para mim é aquele barato e doce de supermercado, meu amigo Guima de Itacimirim concorda comigo e lembra o tempo do garrafão de vinho Raposa Moseli de cinco litros, excelente por sinal, outro amigo, Carlos Zoião, estudioso e grande consumidor do etílico diz que detesta beber, que o bom mesmo é o efeito do álcool e que seria melhor injetar na veia para o efeito ser mais rápido, exageros a parte, tenho dois bons exemplos de como se comportar a mesa com relação à carta de vinhos, o primeiro foi comigo mesmo em outro restaurante de comida italiano famoso a época, feito os pedidos das massas, chamei o maitre:
- Por favor, me indique um bom vinho tinto doce e que esteja gelado.
Discreto e em voz pausada, respondeu:
- Senhor, não se toma vinho tinto com massas e muito menos gelado.
Tal qual o nosso presidente Lula sigo os exemplos de minha mãe, que, aliás, não é analfabeta e sempre me disse ouça a todos com paciência e então tire suas próprias conclusões.
- Nesse caso qual o vinho aconselhável, perguntei.
Muito cortês, respondeu o maitre:
- Sugiro este Cabernet do sul da Itália safra de 1998.
Segui a indicação e tomei resignado o vinho caro, branco, azedo e travoso.
Em outra ocasião estávamos num almoço de confraternização do trabalho e um colega pediu ao garçom:
- por favor, me traga um vinho tinto gelado.
Não tão discreto o garçom dispara:
- Senhor, não se toma vinho gelado, vinho deve ser servido à temperatura ambiente.
Com a educação costumeira e aos berros, responde o colega
- Quem vai beber essa merda sou eu ou você? Traga logo bem gelado e se não tiver traga gelo!
Percebe-se então que para a degustação de vinhos é preciso toda uma formação educacional, eu mesmo já estive numa famosa Delicatessen da cidade para me inscrever num curso de vinhos, mas tinha jogo do meu Bahêa (quando vão devolver o meu?) no dia, então não pude comparecer.
Apesar de hoje saber diferenciar um bom Cabernet Sauvignon de um Merlot, pois aprendi com o engenheiro Márcio, colega do Tribunal de Contas, que é o maior estudioso de vinhos que conheço, sugiro que se crie o curso de graduação plena de Enófilo com duração de quatro anos, talvez em uma dessas 1.345 faculdades particulares de Salvador, serei então o primeiro a fazer o vestibular, para ver se aprendo a gostar de vinho branco seco a temperatura ambiente de 30 graus.