Imputabilidade Penal no Direito Brasileiro
Por Ruth Magalhães Castelo Branco Craveiro | 13/05/2014 | DireitoImputar é, em simples palavras, atribuir a alguém a responsabilidade por algo ou por um fato. Com base nesse significado, podemos afirmar que imputabilidade penal significa a capacidade que tem o agente (alguém que comete um fato típico e antijurídico) de ser responsável criminalmente por uma infração penal. E só tem essa capacidade a pessoa que sabe o que faz e que quer fazer de livre e espontânea vontade. Juridicamente corresponde a dizer que é imputável quem pode compreender que o fato praticado é ilícito e pode se determinar segundo este entendimento.
Faz-se mister observar que o imputável pode ser culpável, enquanto o inimputável não pode ser culpável, apenas socialmente perigoso, ficando o semi-imputável, na atual Código Penal, na condição de culpável e socialmente perigoso. Prosseguindo no raciocínio, verifica-se que o culpável recebe uma pena, enquanto o socialmente perigoso recebe uma medida de segurança, estando o culpável e socialmente perigoso recebe às mercê de uma pena ou de medida de segurança, sendo esta ultima paliçada somente se o culpável e socialmente perigoso necessitar de especial tratamento curativo (RAMOS; COHEN, 2001, p.222).
Há vários conceitos de crime aceitos pela doutrina, sendo o principal o analítico, que pode ser bipartido e tripartido. O conceito é analítico porque se forma pela análise de cada um dos elementos que estruturam o crime (fato típico, antijuridicidade ou ilicitude, culpabilidade e punibilidade). Se for bipartido, considera como elementos do crime apenas os dois primeiros, sendo os dois apenas pressupostos para a aplicação da pena. Segue esta corrente Damásio Evangelista de Jesus (2010). Se, de outro modo, for tripartido, os três primeiros elementos são estruturais do crime, enquanto a punibilidade é pressuposto para se aplicar a pena.
Fernandes (1995, p. 22) afirmou que “o homem, admitidas exceções, tem sua personalidade forjada no individualismo exacerbado e no egoísmo, sendo esta a principal raiz e origem da imensa maioria dos males que afligem a vida humana”.
Acerca desse “individualismo exacerbado e egoísmo”, pode-se concluir que, por mais que exista um senso de coletividade social voltada para o bem, os sentimentos individuais estarão sempre em conflito, pois cada ser humano busca o melhor para si, com consciência e vontade próprias. É o ter, em detrimento do ser, fruto de uma cultura consumista que, dia após dia, se prolifera mais intensamente no mundo moderno. Dessa feita, passam a predominar sentimentos como a ira, a inveja, a ambição desmedida, a vaidade, o orgulho, a prepotência, as paixões, que levam ao retrocesso moral e espiritual, gerando a malfadada criminalidade.
Fernandes (1995, p. 22) ainda deixa bem clara a diferença do estudo do crime para o Direito Penal e para a Criminologia, a saber:
O Direito Penal é um convênio fixado pelos legisladores para defender a sociedade dos comportamentos típicos e desviantes. A Criminologia busca o delito e Direito Penal, sem dúvida alguma, nada tem a ver com isso. O objeto do Direito Penal é a culpabilidade lato sensu. O objeto da Criminologia é o estudo da periculosidade, tendo por meta a pesquisa teórica da etiologia do crime.
Acerca do Direito Penal, tem-se que este se caracteriza por um conglomerado de normas estatais, que instituem condutas que são classificadas como crime, bem como institui a devida punição para as mesmas. Assim é o entendimento de Nucci (2009, p. 37): “[...] é o corpo de normas jurídicas, voltado à fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação”.
Com relação à Criminologia, o estudo do crime envolve caracteres bem mais específicos, haja vista que, além do delito em si, e suas circunstâncias geradoras, tem-se, ainda, ampla abordagem acerca da pessoa do delinquente, sua personalidade, aspectos biológicos, psicológicos e sociológicos envolvidos na prática da ação criminosa, o controle social e, por fim, a vítima.
Leal (2001) afirma que, ao longo dos séculos, o objeto de estudo da Criminologia foi se transformando e ampliando. Primeiramente, a ciência criminológica preocupava-se em analisar apenas o delito. Após algum tempo, houve uma espécie de substituição do objeto do estudo criminológico, que passou a ser o delinquente.
Em meados do século XX até os dias atuais, houve uma ampliação do foco de estudo da criminologia, que se prestou a abordar, ainda, a questão do controle social e a figura da vítima do crime. Assim é o entendimento do Calhau (2011, p. 34) em resumo de Criminologia:
Durante muito tempo, foram apenas o delito e o delinquente os objetos de estudo da Criminologia. Da metade do século XX até a atualidade, passamos a ter não mais uma substituição, mas também uma ampliação do objeto de estudo, porquanto são mantidos os interesses com o crime e o delinquente, e são adicionados mais dois pontos: a vítima e o controle social.
Calhau (2011, p. 37) corrobora tal entendimento acerca dos fatores que podem dar gênese ao fenômeno criminal, senão observa-se:
Não basta afirmar que crime é o conceito legal. Isso não explica tudo e não ajuda em quase nada na percepção da origem do crime. O crime é muito complexo, ele pode ter origens das mais diversas como o excessivo desnível social de uma localidade, defeitos hormonais no corpo de uma pessoa, problemas de ordem psíquica como traumas, fobias e transtornos de toda ordem emocional etc.
É nesse passo que a criminologia moderna vem buscando se antecipar ao Direito Penal. Enquanto este é acionado somente após a execução (ou consumação) do delito, aquela se mostra mais atenta à dinâmica e circunstâncias da infração, analisando desde a personalidade do criminoso, passando pela motivação que o levou à prática da infração e estudando, até mesmo, a figura da vítima.
A importância de se conhecer o conceito de crime está em saber onde se situa, dentro dele, a imputabilidade penal. E nesse ponto a doutrina mundial é uniforme em afirmar que a imputabilidade é um dos três elementos que formam a culpabilidade, seja esta ou não um elemento do crime.
Portanto, ausente a imputabilidade a culpabilidade resta afastada. A consequência jurídica é imediata, mas diverge segundo a corrente analítica bipartida ou tripartida do conceito de crime. Para a primeira, a bipartida, excluída a culpabilidade, o crime existe, mas a pena não será aplicada, pois a culpabilidade não é elemento estrutural do crime, mas acessório, apenas um pressuposto para a aplicação da pena. Já no conceito analítico tripartido, uma vez excluída a culpabilidade, por falta de imputabilidade penal, o próprio crime deixa de existir, pois aquela é elemento que forma este conceito.
1.1 Imputabilidade na Constituição Federal de 1988
A imputabilidade na Constituição Federal pode ser caracterizada pela afirmação contida no art. 228, que diz serem inimputáveis aqueles que sejam menores de 18 anos, sujeitos às normas de legislação especial, o que significa que as pessoas que tenham a partir de 18 anos se enquadram no rol de características da imputabilidade, portanto, imputáveis.
Na Constituição Federal podemos identificar alguns princípios que regem o instituto da imputabilidade penal, guiando o mesmo tanto para uma análise sob o ponto de vista científico, como sob o ponto de vista humanitário. São eles: a dignidade de pessoa humana, democracia, igualdade e liberdade, segurança.
O legislador constituinte originário tomou por decisão não constar na Carta Magna um espaço específico em relação aos requisitos que dessem fundamento ao instituto da imputabilidade, pois aderiu a ideia de se atribuir esses requisitos a lei posterior, pois lei complementar traria maiores explicações, e em pormenores, tanto os requisitos como os tipos de imputáveis, através, especialmente, do Código Civil e do Código Penal, pois o primeiro rege as anuências da vida civil de cada cidadão e o segundo a aplicação das severas normas dirigidas àqueles indivíduos que vem a transgredir as normas de convivência da sociedade e que visam proteger os bens mais importantes do cidadão e da sociedade, tema esse visto com mais detalhes posteriormente nesse trabalho.
1.2 Imputabilidade no Código Penal
A imputabilidade, por não aparecer por extenso no código penal, pensa-se não haver fundamento legal, porém, o legislador optou por não criar artigo para o instituto da imputabilidade já que esta se aplica ao geral. Porém há um artigo que trata da imputabilidade como consequência de causa, o artigo 13 do Código Penal brasileiro que diz: “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. Então, imputável é aquela pessoa que agiu por ação ou omissão e que deu causa ao crime.
Por se tratar de instituto penal usado pelo legislador, pois este procura apoio na teoria finalista, não há necessidade de se expor através de norma positivada.
Portanto, todas as normas penais tendem a uma finalidade, esta advinda do conhecimento sobre a vontade do homem, de imputar ao agente delituoso a ação ou omissão consequente de seus atos. Portanto, é a capacidade psíquica de entender e querer, e portar-se de acordo com esse entendimento e vontade.
É fácil entender por que a imputabilidade não aparece através de lei positivada, e é pelo simples fato da necessidade intrínseca de haver um agente que seja capaz de entender e querer, e agir de acordo com isso, portanto, a lei penal foi criada direcionada para pessoas que ao agir em desacordo com as normas de conduta que regram a sociedade e seu pacífico desenvolvimento, fossem tratadas de forma única, assegurando a sociedade o seu normal desenvolver.
1.3 Meios de aferição da imputabilidade
Quanto aos meios de aferição da imputabilidade m relação à quanto à saúde mental, Nucci (2009, p. 296) considera três método, quais sejam: biológico, psicológico e o biopsicológico.
Primeiramente, no método biológico, o agente portador de doença mental, sem a necessidade de considerações a respeito de sua possibilidade, na situação concreta, de conhecer a ilicitude do fato, bem como de se autodeterminar de acordo com esse entendimento (NUCCI, 2009).
O método psicológico, advém da deficiência mental do indivíduo, já que considera inimputável aquele que, por qualquer causa, no momento do fato, não tinha capacidade de apreender o caráter ilícito da ação e de determinar-se segundo essa compreensão (NUCCI, 2009).
Critério psicológico é a capacidade de agir com sã consciência dos atos na realidade, pois a imputabilidade é verificada neste momento, e se alguém comete crime sem essa noção de representação da realidade, então não há como aferir a este indivíduo ser agente imputável.
Será o agente inimputável, por não possuir capacidade de discernir a realidade, mesmo com consciência, já que esta é fruto de uma realidade que não existe, advinda de problemas originários do psicológico do agente.
O biopsicológico, escolhido pelo legislador, provem de requisitos de ambos os métodos descritos anteriormente, assimilando de forma mais completa o problema em questão, que seja o fato do inimputável ser o indivíduo portador de defeito mental, que por esta circunstância, não tem capacidade de conhecer a proibição legal ou de portar-se de acordo com esse conhecimento apreendido (NUCCI, 2009).
O legislador entornou a adotar o critério biopsicológico por ser mais completo e promoter mais base ao servir como identificador da capacidade mental do agente. Notou-se a necessidade dessa aplicação, já que é conhecido o fato de haver pessoas com problemas mentais derivados não apenas de seu sistema biológico em geral, mas também de seu psicológico.
O conhecimento adquirido sobre o agente, baseado nesse critério, dá uma maior abrangência no estudo sobre as pessoas, imputáveis ou inimputáveis, e com isso um melhor trabalho pode ser realizado, já que se procura entender o indivíduo tanto pelo lado de sua constituição biológica como sua percepção psicológica.
A correlação que há entre as ciências deu ao Direito um complemento essencial, e por isso, de vital necessidade, pois sem esses critérios advindos de estudos diversos, não seria possível uma construção com embasamento científico confiável para a lei.
1.4 Imputáveis
Imputável é aquele que a lei diz ser ciente de consciência e vontade, de acordo com nossa realidade, e portanto, responsável por suas ações ou omissões. Para que uma pessoa possa se enquadrar nessas características, de acordo com o Código Penal, deve ter mais de 18 anos completos (art. 27) e ter desenvolvimento mental completo ou se ao tempo do crime, estar no que se chama de “momento de lucidez”, denominado de semi-imputável (art.26).
O próprio código elenca aquelas situações em que o agente é inimputável: doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, menoridade, embriaguez acidental completa e embriaguez patológica completa. Um breve comentário sobre cada uma das situações citadas.
O doente mental é considerado inimputável por razões evidentes, já que mesmo um leigo, apenas ao encarar alguém com problemas mentais, consegue, por lógica, saber que aquela pessoa não possui capacidade mental para entender os fatos da realidade.
O desenvolvimento mental incompleto, como a oligrofrenia, há a falta de desenvolvimento das faculdades mentais, restringindo suas ações, pois tem como fato uma grave ausência de inteligência.
A menoridade, baseada no critério biológico da idade do agente, nada mais é do que o conhecimento que se tem em relação aqueles que por não terem vivido ainda o suficiente e participado de certos atos do cotidiano, não tem maturidade capaz de discernir determinadas ações, ou ainda, agir omissivamente, sem pensar nas consequências de seus feitos.
Contudo vale ressaltar que a emoção ou a paixão não são excludentes da imputabilidade penal, tornando os crimes passionais puníveis (art. 28, I). Nas palavras de Montovani, descritar por Rogério Greco, a emoção:
“é uma intensa perturbação afetiva, de breve duração e, em geral, de desencadeamento imprevisto, provocada como reação afetiva a determinados acontecimentos e que acaba por predominar sobre outras atividades psíquicas (ira, alegria, medo, espanto, aflição, surpresa, vergonha, prazer erótico, etc.). Paixão é um estado afetivo violento e mais ou menos duradouro, que tende a predominar sobre a atividade psíquica, de forma mais ou menos alastrante ou exclusiva, provocando algumas vezes alterações da conduta que pode tornar-se de todo irracional por falta de controle (certas formas de amor sexual, de ódio, de ciúme, de cupidez, de entusiasmo, de ideologia política)”.
Ainda que a emoção ou a paixão não excluam a imputabilidade penal, o Código Penal atribui esse valores para diminuição ou até para aumento da pena, como se vê na aplicação do art.65, III, c, última parte, que descreve como atenuante o fato do agente cometer crime sob influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima. (GRECO, p. 431).