IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES (Felipe Genovez)
Por Felipe Genovez | 22/02/2018 | DireitoIMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:
O art. 37, parágrafo 4°., da CF, determina que "os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível". O Código Penal prevê no Título XI, Capítulo I, os crimes praticados por funcionário contra a Administração Pública: a) peculato; b) peculato culposo; c) peculato mediante erro de outrem; d) extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento; e) emprego irregular de verbas ou rendas públicas; f) concussão; g) excesso de exação; h) corrupção passiva; i) advocacia administrativa; m) violência arbitrária; n) abandono de função; o) exercício funcional ilegalmente antecipado ou prolongado; p) violação de sigilo funcional; q) violação de sigilo de proposta de concorrência.
O art. 9°., da Lei Federal n. 8.429, de 2 de junho de 1992 que trata das sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública, definiu como ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir "qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1°., desta Lei e notadamente (...)".
Segundo dicção do art. 10, da mesma legislação federal, também constitui "ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa ou culposa, que emerge perda patrimonial, desvio, apropriação ...dos bens ou haveres das entidade referidas no art. 1°., desta Lei e notadamente (...)".
Por fim, o art. 11, da Lei Federal n. 8.429/92 estabelece que: “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - Praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; II - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; III - Revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo; IV - Negar publicidade aos atos oficiais; V - Frustrar a licitude de concurso público; VI - Deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; VII - Revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço”.
O conceito de improbidade – para efeito disciplinar – deve ser tido na sua acepção jurídica, tal como conceitua Plácito e Silva em seu Vocabulário Jurídico: “Ato de improbidade, dá-se quando o empregado revela desonestidade ou no desempenho do seu trabalho, lesando patrimônio da empresa ou de terceiros”. "Improbo" é o policial civil desonesto, mau caráter ou que age com maldade ou perversidade (Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Brasileiro, 1ª. edição, Ed. Nova Fronteira RJ, 1990).
Mariano Pazzaglini Filho e outros, sobre o art. 11, II, da Lei 8.429/92, doutrinam: “(...) Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, significa prevaricar. O agente público que, sem relevante razão de direito, protrai ou se abstém de praticar ato que se lhe impõe por dever inserto em sua esfera de atribuições realiza a figura do inciso II, desnecessária a intenção de obter vantagem pessoal ou proporcioná-la a outrem. É a letra da lei, embora, na prática, tal complemento ilícito se apresenta com freqüência. Exemplo típico é o do agente público encarregado de sindicar atos de outro servidor, mas que retarda a investigação, ou deixa de apurar a denúncia que sabe procedente ou contém fundada suspeita de irregularidade, embora consciente de que é seu dever apurar. Outro exemplo é o do agente público que deixa de comunicar ou, se for o caso, de punir a ilegalidade administrativa praticada por subordinado. Tanto na forma de retardar como na de deixar de praticar, a lei acrescenta o advérbio ‘indevidamente’, elemento normativo a denotar que o agente público deve ter conhecimento de que está agindo irregularmente (...)” (Improbidade Administrativa, Atlas, 3a Ed., 1998, SP, p. 122).
Sobre o dever de probidade, ensina Diógenes Gasparini que "...esse dever impõe ao agente público o desempenho de suas atribuições sob pautas que indicam atitudes retas, leais, justas e honestas, nota marcante da integridade do caráter do homem. É nesse sentido do reto, do leal, do justo e do honesto que deve orientar o desempenho do cargo, função ou emprego justo ao Estado ou entidade por ele criada, sob pena de ilegitimidade de suas ações. O administrador, em obediência a essa orientação, deve buscar o melhor para a Administração Pública. Assim, entre duas opções permitidas pela Lei, deve o agente público escolher a mais vantajosa, a melhor. Do mesmo modo pensam Lúcia Valle Figueiredo e Sérgio Ferraz (...). Para esses renomados autores 'a probidade administrativa exige que a Administração procure fazer o melhor negócio para o erário" (in Direito Administrativo, 3a. Ed. Saraiva, 1993, p. 54).
O legislador não fez prever a hipótese da prática do ato ilegal ou com abuso de poder. No primeiro caso, a ilegalidade diz respeito ao ato em si mesmo, eis que o policial civil ao praticar um ato, o pratica em desconformidade com a lei ou sem previsão legal. No caso do abuso de poder, muito embora amparado na lei, o policial pratica o ato com excesso na sua execução. O conteúdo do ato vai além dos limites legais. Independentemente do fato de ser ou não ilegal o ato praticado pelo policial, para efeito punitivo é importante verificar-se se o servidor agiu com dolo ou se se houve com culpa. No primeiro caso, poderá estar caracterizado a manifesta improbidade. No segundo, poderá verificar-se a figura prevista no art. 208, inciso VIII, desta Lei.
Ensina Diógenes Gasparini que: "...assim, se para o desligamento de um titular de cargo de provimento em comissão for alegada a prática de atos de improbidade administrativa, a validade do ato de despedimento estará vinculada à existência real dessa improbidade. Desse modo, provado que os atos de improbidade nunca existiram, não se tem como legítimos a despedida" (in Direito Administrativo, Saraiva, 3a. Ed., SP, 1993, p. 71).
Sobre improbidade administrativa, ensina Miguel Reale Júnior que: "(...) Esses poderes têm redundado, sem dúvida, em resultados positivos na maioria das Comissões Parlamentares de Inquérito, o que já sucede com esta inicialmente insossa comissão dos títulos precatórios, que trouxe à tona as mazelas do sistema financeiro brasileiro, as deficiências de controle dos órgãos de fiscalização, do Banco Central e do próprio Senado, a 'lavagem de dinheiro', processada em poucas horas, a improbidade de agentes públicos. Não há, contudo, tranqüilidade no estudo das provas, sendo relevantes, a meu ver, antes as documentais do que as testemunhais, e que devem ser analisadas com menos exposição e mais afinco, contando com assistência de especialistas, medida que, parece, se vem agora a adotar. Mas se há um resultado positivo que se antecipa é o da revelação de atos de improbidade administrativa, figuras de infração ético-política previstas na esquecida Lei n. 8.429 de 1992, que consagra, de forma salutar, como ato de improbidade o recebimento de vantagens, gratificações e presentes ofertados por quem tenha interesse junto à administração pública ou a esta se encontre submetido (...)" ( in Folha de São Paulo, domingo, 23 de março de 1997, 'opinião 1-3).
Os casos de improbidade já são previstos tanto na Constituição Federal como em legislação infraconstitucional. Diante dessas considerações, às penas disciplinares administrativas deve corresponder fato típico descrito nos diplomas estatutários que regem os servidores públicos federais, estaduais e municipais, podendo se aplicar subsidiariamente estatutos gerais no âmbito da respectiva esfera de Poder e unidade federada, também, os Códigos Penal e de Processo Penal (nos casos de omissão ou dúvida, havendo ou não disposição expressa, respeitado o princípio da autonomia do ente federado).
Lafaytette Pondé, sobre a extensão do enquadramento disciplinar, doutrina: “Os fatos suscetíveis de punição são relativos ao exercício da função. Mas algumas vezes a repressão pode estender-se a atos da vida privada do funcionário, quando eles possam repercutir contra a dignidade pessoal dele e com isso refletir contra o exercício mesmo das funções e em prejuízo do serviço público” (PONDÉ, Lafayette. RDA, Vol. 35/20-21).
JURISPRUDÊNCIA:
“STJ, terceira seção, MS n. 7.019, DF, data da dec.: 13.12.00: “O art. 169 da Lei n. 8.112/90 permite que o julgamento discorde do relatório da comissão, quando contrário à prova dos autos. Tal relatório constata toda a omissão e irregularidades praticadas pelo impetrante,mas conclui, tão-somente, pela aplicação da pena de advertência, motivo pelo qual o parecer ministerial, ao propor a pena de demissão,por improbidade administrativa, em observância ao preceito supra, não violou direito líquido e certo do impetrante.
“Necessidade de prova da má-fé para a configuração do tipo “Improbidade Administrativa”, constante do art. 132, IV, da Lei n. 8.112/90 como causa de demissão. Há divergência aceitando a culpa, com suporte no art. 10 da Lei n. 8.429/92 (atos que causam prejuízo ao Erário). Melhor entendimento parece ser o contido no MS 16.385, que estabelece que a Improbidade Administrativa culposa só é admitida nas hipóteses do art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa – LIA (Lei 8.429/92), que cuida de atos de improbidade que causam prejuízo ao erário. Nos casos enquadráveis nos arts. 9 (enriquecimento ilícito) e 11 (ofensa a princípios) da LIA, é indispensável a prova do dolo. Ademais, é preciso atentar que os casos do art. 11 da LIA (atos ímprobos ofensivos a princípios da Administração Pública) devem ser interpretados com elevado bom senso em virtude de sua redação bem aberta, de modo que meras irregularidades formais não devem receber a pesada classificação de ato de improbidade administrativa. - Observações: oportuna esta advertência do Ministro Luiz Fux, do STJ: “A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo (...). O elemento subjetivo é essencial à caracterização da improbidade administrativa” (Edcl no REsp 716991/SP).- Precedentes: STJ, EDcl no REsp 716991/SP, 1ª Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe 23/06/2010 (precedente em sede de ação civil pública). Divergência (aceita culpa para improbidade administrativa): AgRg no REsp 929.629/RS, 5ª Turma, Rel. Ministro Felix Fischer, DJe 02/02/2009 (precedente em caso de PAD).
Consoante doutrina de Mauro Roberto Gomes de MATTOS (In "O Limite da Improbidade Administrativa - Comentários à Lei nº 8.429/92", 5ª ed., rev.e atul., Rio de Janeiro: Forense, 2010, pp. 365-6), o disposto no art. 11, caput, da Lei 8.429/92 deve ser interpretado com temperamentos, "pois o seu caráter é muito aberto, devendo, por esta razão, sofrer a devida dosagem de bom senso para que mera irregularidade formal, que não se subsume como devassidão ou ato ímprobo, não seja enquadrado na presente lei, com severas punições".
"As condutas típicas que configuram improbidade administrativa estão descritas nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, sendo que apenas para as do art. 10 a lei prevê a forma culposa. Considerando que, em atenção ao princípio da culpabilidade e ao da responsabilidade subjetiva, não se tolera responsabilização objetiva e nem, salvo quando houver lei expressa, a penalização por condutas meramente culposas, conclui-se que o silêncio da Lei tem o sentido eloqüente de desqualificar as condutas culposas nos tipos previstos nos arts. 9.º e 11" (REsp 940.629/DF, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, Primeira Turma, DJe 4/9/08). Caso em que, não bastasse o fato de o impetrante não ter atuado como gestor público, também não foi demonstrado que seu silêncio e, por conseguinte, o recebimento indevido do benefício decorreu da existência de dolo ou má-fé, que não podem ser presumidos.Mandado de segurança concedido para determinar a reintegração do impetrante ao cargo público. Agravo regimental da UNIÃO prejudicado.” (STJ, MS 16.385/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/06/2012, DJe 26/06/2012).
TRF da 4ª região, terceira turma, Rel. Desembargadora Federal marga Inge Barth Tessler, Apel. Cível n. 429.764, RS, data da dec.: 26.11.02: “(...) e estas foram as transgressões apuradas e acolhidas pelo eminente reitor, de forma que foram descritos sim os fatos concretos que ensejaram a demissão, muito embora os tivesse tipificado como conduta desidiosa prevista no art. 117, XV, da Lei 8.112/90 e a comissão os tipificasse como ato de improbidade administrativa, previsto no art. 11 da Lei 8.429/92. Tanto a proibição constante no art. 117, XV, da Lei 8.112/90 (proceder de forma desidiosa), quanto à prática de improbidade administrativa, de acordo com o art. 132 da mesma lei, ensejam a aplicação da pena de demissão. Ambas as conclusões do relatório, indicando que o apelado, em mais de uma oportunidade, furtou-se ao dever de prestar atendimento a pacientes no SP: do HU, bem como omitiu socorro à paciente e agiu de má-fé, faltando ao serviço sob a alegação de enfermidade em diversas datas nas quais desempenhava atividades profissionais em outro hospital, tanto podem ser enquadradas como ‘proceder de forma desidiosa’ (art. 117, SV, da mesma lei), quanto ‘ato de improbidade administrativa’, (art. 11 da Lei 8.429/92), que qualifica como tal, ato que atente contra os princípios da administração pública, qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições (...)”.
“(...) Ação cível pública. Lei de combate à improbidade administrativa – n. 8.492/92. Seqüestro. Bens adquiridos anteriormente a data dos fatos. Possibilidade. Garantia de ressarcimento do erário. Sendo o fim da norma garantir o ressarcimento do erário, não é razoável que se proceda a uma distinção do patrimônio bom e patrimônio mau, este correspondendo àqueles que teria adquirido com verbas públicas irregularmente obtidas. É preciso que se deixe de lado construções teóricas que beneficiem possíveis agentes nocivos à sociedade de que é a espécie mais ignóbil o usurpador de bens públicos constituídos sob o suor de toda a população. De fato, para o ressarcimento ao erário, podem ser alcançados bens adquiridos inclusive em período anterior à prática de improbidade administrativa, ou em tempo anterior à vigência da Lei 8.492/92, pois o que importa, aqui é o efetivo ressarcimento ao erário, ou seja, ressarcimento integral de o dano, independentemente da origem lícita ou incomprovada dos bens em si mesmos. Ação cível pública. Improbidade administrativa. Legitimidade passiva. Terceiro. Inteligência do art. 3o, da Lei 8.429/92. Pela dicção do artigo 3o, da Lei n. 8.429/92 percebe-se que o legislador não exige efetiva participação na prática material dos atos de improbidade ou mesmo que fique comprovado o liame subjetivo com o funcionário responsável pelos atos. Basta que tenha auferido benefícios decorrentes de atos de improbidade administrativa para que tenha legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo da ação civil pública de ressarcimento (...)” (Agravo de Instrumento n. 98.007557-2, Capital, Rel. Des. Carlos Prudêncio, DJ n. 10.279, de 18.08.99, pág. 25).
“Administrativo. Policiais Federais. Peculato e improbidade administrativa. Ação penal e processo disciplinar. Independência das instâncias. Demissão. Mandado de segurança. 1. Doutrina e jurisprudência são unânimes quanto à independência das esferas penal e administrativa; a punição não depende de processo civil ou criminal a que se sujeite o servidor pela mesma falta, nem obriga a administração pública a aguardar o desfecho dos mesmos. 2. Segurança denegada” (MS 7.138, DF, Rel. Min. Edson Vidigal, in DJ 19.03.2001).
“(...) Não fere o princípio da proporcionalidade a imposição de pena de demissão ao servidor se, ao final do processo, restou demonstrada a prática de conduta tipificada como improbidade administrativa (art. 11, I, da Lei 8.429/92), nos termos do art. 132, IV, da Lei 8.112/90 (...)”(STJ, MS n. 7.081, DF, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 04.06.2001, pág. 58).
"(...) Caso o agente público se utilize do seu cargo, mandato, emprego ou função para pressionar a comissão processante, ou de alguma forma tente encobrir ou fazer desaparecer as provas, poderá a autoridade judicial ou administrativa competente determinar o seu imediato afastamento, sem prejuízo da remuneração, até o final dos trabalhos da referida comissão. Entendemos que a autoridade judicial ou administrativa deverá ter muito cuidado no exame do afastamento do agente público. A cautela deverá ser a tônica, e as autoridades referidas somente deverão tomar tal atitude se plenamente convencidos de que a presença do agente poderá, de alguma forma, prejudicar as investigações acerca das irregularidades por ele praticadas ( Paulo Mascarenhas, in Improbidade Administrativa e Crime de Responsabilidade de Prefeito) (...)”( MC 2299/SP, rel. Min. Franciulli Netto, 2ª T. DJ de 08.05.2000)" ( AI 00.014066-0 de Mafra, rel. Des. Torres Marques, DJ nº 10.513, de 03.08.2000).