Importar para produzir?
Por Felipe Vieira Ferreira de Moura | 18/10/2016 | EconomiaResumo:
Este artigo analisou o impacto do crescimento industrial sobre os níveis de exportação e importação da economia brasileira - para tal, tomou-se como base a indústria de transformação, por ser a principal categoria que se utiliza de bens de produção da pauta importadora. Nesse sentido, no contexto da Lei de Thirwall, pôde-se identificar como a atividade interna é restringida pelas contas externas do balanço de pagamentos. Para tal, utilizou-se um modelo de regressão linear simples, com base no Método dos Mínimos Quadrados Ordinários. Assim, concluiu-se que o estímulo à indústria de transformação estimula o crescimento das importações em maior medida que as exportações, o que constitui um entrave ao crescimento econômico brasileiro no longo prazo.
1 Introdução
Ao final da década de 1970, ganhou destaque na escola keynesiana a abordagem do balanço de pagamentos como restrição ao crescimento econômico no longo prazo. Entre os principais expoentes dessa linha de pensamento, Thirlwall (1979) associou as limitações ao crescimento econômico às questões de demanda, sobretudo àquelas advindas de desequilíbrios no comércio exterior. Segundo a Lei de Thirlwall em versão simplificada, há uma taxa de crescimento do produto que é compatível com o equilíbrio do balanço de pagamento, dada pela relação entre a elasticidade-renda das exportações sobre a elasticidade-renda das importações.
A despeito da simplicidade dessa teorização, a Lei de Thirlwall tem potencial analítico para explicar os hiatos de desenvolvimento existentes entre as diferentes economias. A ideia por trás dessa lei é de que aumentos na renda interna elevam o nível de importações que, não supridos pelas exportações, incidem em déficits na conta corrente do balanço de pagamentos, o que não se sustenta no longo prazo. Para manter os déficits correntes, o país deve incentivar a entrada de capitais, por meio de taxas de juros mais elevadas, o que, por sua vez, desestimula o nível de atividade interna. Dessa maneira, quanto mais alta a elasticidade-renda das importações e mais baixa a elasticidade-renda das exportações, maior a tendência de desequilíbrios no balanço de pagamentos e menor a taxa de crescimento potencial de determinada economia – e vice-versa.
Para economia brasileira, diversos autores se dedicaram ao estudo das elasticidades [1]. De maneira geral, chegou-se a conclusão que o Brasil apresenta alta elasticidade-renda das importações e baixa elasticidade-renda das exportações, o que representa um entrave ao crescimento de longo prazo do país. Mais profundamente, o presente trabalho buscou identificar o perfil das exportações e, principalmente, das importações brasileiras, entendendo que a composição das atividades muito pode acrescentar à abordagem do balanço de pagamentos. Os gráficos 1 e 2 indicam a composição setorial das exportações e importações.
Analisando a composição das exportações e importações brasileiras, é possível identificar alguns aspectos e levantar questionamentos. Em primeiro lugar, constata-se que a composição dos setores que exportam e importam basicamente não se alterou de 1996 para cá, mantendo certa estrutura nos indicadores externos. Em segundo, os setores intermediário e de bens de capital, em conjunto com o setor alimentício e agricultura e pecuária, respondem por parcela relevante das exportações. E por fim, chama atenção o fato de que os principais produtos de importação não se referem a bens de consumo finais, duráveis ou não-duráveis e outros, mas a bens de produção, principalmente intermediários, bens de capital, máquinas e equipamentos e combustíveis. Em conjunto, esses quatro setores são responsáveis, em média, por quase 50% das importações brasileiras.
Desse modo, observa-se que a maior parcela das importações brasileiras é composta por insumos, isto é, bens a serem utilizados no processo de produção. Nesse sentido, seguindo a linha de pensamento proposta por Thirlwall e considerando a alta elasticidade-renda das importações e a baixa elasticidade-renda das exportações na economia brasileira, a questão imposta pelo presente trabalho relaciona-se aos efeitos da atividade econômica interna sobre os indicadores externos: ao estimular a produção, considerando as elasticidades-renda, qual efeito sobre as exportações e importações brasileiras?
Para analisar a questão proposta, tomou-se como medida, além dos valores de exportação e importação, o setor industrial de transformação, por entender que suas atividades são as que mais se utilizam de bens intermediários, bens de capital, máquinas e equipamentos.
2 Metodologia
A estimativa do modelo será baseada no princípio dos mínimos quadrados que, segundo Griffiths, Hill e Judge (2003), afirma que “para ajustar uma reta aos valores dos dados, devemos procurar a reta (y1 = b1 + b2 x1) tal que a soma dos quadrados das distâncias verticais de cada ponta à reta seja a menor possível” (GRIFFITHS; HILL; JUDGE, 2003, p.57). O modelo de regressão linear simples estabelecido neste trabalho – de modo a determinar o impacto das variações da produção industrial de transformação nas exportações e importações - portanto, é:
em que corresponde ao regressando (exportações e importações), ao coeficiente linear ou intercepto, ao parâmetro da regressão e ao regressor (produção industrial de transformação).
As séries temporais foram construídas a partir da base de dados do Ipeadata, em variações mensais que contemplaram o período de 01/1980 a 02/2014 – portanto, 410 observações. Para os indicadores de exportação e importação, os dados se encontram em valores correntes (em milhões de US$) e a fonte utilizada foi a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (FUNCEX). Na produção da indústria de transformação, por sua vez, tem-se o quantum da produção, com ano base (=100) em 2002, em que a fonte utilizada foi o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). [1]
Montada a tabela com as séries, o seguinte passo metodológico foi torná-las estacionárias, utilizando-se do método do teste de raiz unitária. Segundo Cazarotto (2006), uma série é estacionária se “a sua média e variância forem constantes ao longo do tempo e a covariância entre dois períodos de tempo depender apenas da defasagem entre eles, e não do período de tempo em que a covariância é calculada...” (CAZAROTTO, 2006, p. 14). Ainda segundo o autor, a estimação de um modelo com série não estacionária – ou seja, que tem raiz unitária – pode levar ao problema que se convencionou chamar de regressão espúria, ou seja, que apresenta um alto valor de R2 sem que haja qualquer relação significativa entre as variáveis. Por isso, para que a regressão seja válida é necessário tornar as séries estacionárias, eliminando a raiz unitária. O teste utilizado foi o “Dickey – Fuller” e os resultados se encontram no Anexo A do presente trabalho.
As três séries (exportações, importações e produção industrial) se mostraram não estacionárias em nível. Assim, a regressão foi realizada em primeira diferença – isto é, em termos de variações – na qual as séries foram estacionárias. Nesse ponto, deve-se destacar que, ao realizar a regressão em primeira diferença, perdeu-se uma observação, referente ao primeiro mês da amostra (01/1980). Eliminada a raiz unitária, não foram constatados problemas de colinearidade e heterocedasticidade.
3 Resultados
No sentido de avaliar e comparar a relação entre o produto da indústria da transformação e os indicadores de exportação e importação, realizou-se a rodagem do modelo para cada regressando em particular. Para o cruzamento entre produto industrial e exportações, o resultado obtido foi: Como pode-se observar nas tabelas do “E-Views” anexadas nesse trabalho, ambos os parâmetros – coeficientes linear e angular - são válidos ao nível de 5% de significância. Ademais, a amplitude do “teste F” indica a validade global do modelo, enquanto R² e R² ajustado indicam que o produto da indústria de transformação explica em torno de 19% das variações médias no valor das exportações. Como o modelo apresentou apenas uma variável explicativa, considera-se, aqui, que os valores de R² são satisfatórios, considerando que um conjunto de outras variáveis contribui para explicar as variações nas exportações.
Na interpretação dos resultados, o modelo aponta que diante de uma variação de 1% no produto industrial de transformação, o valor médio das exportações é impactado positivamente em 0, 734% - a análise em primeira diferença permite a interpretação percentual dos resultados.No caso das importações, por sua vez:
Nesse caso, apenas o coeficiente angular é válido para análise ao nível de 5% de significância. Similarmente ao caso das exportações, o modelo global é válido e, no caso das importações, a produção industrial de transformação explica em torno de 22% das variações médias no valor do regressando. Na interpretação do resultado, o modelo aponta que diante de uma variação em 1% no produto industrial de transformação, o valor médio das importações é impactado positivamente em 0,883%.
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