Importância Da Reversão Da Fibrilação Atrial Aguda Ao Ritmo Sinusal
Por Dalmo Antonio Ribeiro Moreira | 01/05/2007 | SaúdePorque a Reversão da Fibrilação Aguda ao Ritmo Sinusal ?
Um dos maiores dilemas da cardiologia atual e que desperta o maior interesse em
reuniões científicas é a indicação da reversão ou não da fibrilação atrial. Até
alguns anos atrás nenhum estudo controlado havia sido realizado para resolver
essa questão e, por essa razão, a conduta era tomada de maneira empírica. Para
a decisão da melhor forma de tratar, deve-se considerar além da segurança para
o paciente, o índice de sucesso do modo de reversão, a probabilidade de
manutenção do ritmo sinusal, a tolerância ao uso de medicamentos para a
prevenção de recorrências e também que benefícios o paciente poderia ter com o
ritmo sinusal. Parece não haver dúvidas de que a reversão seja um procedimento
atraente sob vários aspectos, visto que, se investe muito em tempo e dinheiro
na tentaiva de se descobrir novos fármacos para a terapêutica farmacológica ou
então cateteres e novas formas de energia para o tratamento não farmacológico,
além de marcapassos inteligentes e a própria abordagem cirúrgica dos átrios.
Essas observações sinalizam que a busca do ritmo sinusal é importante.
Estudos recentes têm demonstrado que a estratégia de se reverter a fibrilação
atrial com fármacos ou cardioversão elétrica não parece ser superior, quanto a
qualidade de vida ou até mesmo a sobrevida, em comparação com a estratégia de
apenas se realizar o controle da freqüência cardíaca acompanhada de
anticoagulação (Wyse DG, Waldo AL, DiMarco JP, et. Al. A comparison of rate control and rhthm
control in patients with atrial fibrillation. N Eng J Med 2002;
347:1825-1833). Estes resultados provavelmente se aplicam aos pacientes cujas
características clínicas sejam similares aos daqueles que fizeram parte do
estudo. É possível que em pacientes com idade acima de 65 anos e com fibrilação
atrial crônica ou recorrente, as propriedades eletrofisiológicas e as
características histológicas do tecido atrial estejam tão modificadas, que a
manutenção do ritmo sinusal não seja possível. Por esta razão, especificamente
nestes casos, o controle da freqüência cardíaca poderia ser a conduta ideal.
Mas o que seria dos outros casos nos quais as características clínicas dos
pacientes fossem diferentes ? A idéia de não se praticar a reversão acarretaria
um aumento do número de pacientes com fibrilação atrial nos ambulatórios e com
risco de suas complicações. Por outro lado, a não tentativa de reversão,
simplesmente por se achar que a arritmia não deverá reverter, não tem base
científica porque uma coisa é a reversão (química ou elétrica), a outra, a
manutenção do ritmo sinusal após a reversão. Só saberemos se um paciente
reverte ou não após esta ter sido tentada, pelo menos uma vez. Embora a
manifestação eletrocardiográfica da fibrilação atrial seja similar em qualquer
condição, suas causas são diversas e por esta razão não seria correto tratar
todos os pacientes da mesma maneira. O tratamento deve ser individualizado.
A reversão da fibrilação atrial é um processo relativamante simples e de baixo
risco se forem consideradas as situações nas quais está indicada. Os benefícios
advindos do restabelecimento do ritmo sinusal justificam a sua prática. O
objetivo dessa monografia é o de discutir as razões pelas quais a reversão da
fibrilação atrial ao ritmo sinusal deve ser tentada, sempre que possível.
Frequência Cardíaca Fisiológica
Uma das conseqüências mais comuns da fibrilação atrial é a freqüência
ventricular elevada, que surge, particularmente nos episódios agudos ou, em
casos crônicos, quando o paciente está descompensado hemodinamicamente. Em
ambos os casos, a súbita elevação da freqüência atrial associada à ausência da
contração atrial provoca queda da pressão arterial e do débito cardíaco,
seguidas de elevação do tônus simpático. A descarga adrenérgica causa
aceleração da condução nodal com o correspondente aumento da freqüência ventricular.
Esse estado perdura enquanto a descompensação hemodinâmica estiver presente.
Essa é uma resposta fisiológica de adaptação à nova situação, na qual a perda
de cerca de 30% do débito cardíaco é compensado com aumento de 30% ou mais da
freqüência ventricular.
Não importa quais sejam as causas ou os mecanismos envolvidos, na grande
maioria das vezes a freqüência ventricular pode estar elevada em pacientes com
fibrilação atrial. As conseqüências desse distúrbio são os sintomas, como as
palpitações e falta de ar, causadas pela resposta ventricular rápida, ciclos
irregulares com diferentes tempos de diástole que repercutirão na sístole
seguinte. O encurtamento do tempo de esvaziamento atrial nas taquicardias
rápidas, causa aumento da pressão pulmonar que culmina com a intolerância aos
esforços.
Em casos de fibrilação atrial de longa duração, com freqüências cardíacas
rápidas e irregulares, existe o risco do desenvolvimento da
taquicardiomiopatia, ou seja, o enfraquecimento da contração ventricular
causada pela taquicardia persistente. Esse processo esgota as fontes
energéticas dos átrios e ventrículos que logo se acompanha de danos à
contratilidade muscular. Deve-se ressaltar que a própria irregularidade dos
ciclos é uma importante causa de disfunção cardíaca. Assim, fica claro que na
fibrilação atrial dois fatores, a irregularidade dos ciclos e a freqüência
elevada, causam alterações da função miocárdíca.
A reversão da fibrilação atrial ao ritmo sinusal, restabelece a contração
atrial, normaliza a freqüência cardíaca, os tempos de sístole e diátole e as
condições hemodinâmicas, melhorando os sintomas e a qualidade de vida. Existem
vários estudos que demonstram que a regularização do ritmo cardíaco associada a
uma freqüência ventricular fisiológica, normaliza a função ventricular, previne
a disfunção miocárdica e reduz o risco de taquicardiomiopatia. Casos de
insuficiência cardíaca podem ser totalmente revertidos com a normalização da
fração de ejeção ventricular, quando se restabelece o ritmo sinusal normal.
A normalização da freqüência cardíaca após a reversão do ritmo sinusal se
traduz na clínica com a melhora inquestionável dos sintomas, além do estado de
segurança adquirido pelo paciente. A tolerância aos esforços melhora, o
desempenho no esforço físico aumenta e todos os questionários relacionados com
a avaliação da qualidade de vida apontam para o estado de melhor condição
física. Sem dúvida alguma esse é um dos grandes e mais preciosos benefícios
alcançados quando o ritmo cardíaco e a freqüência ventricular fisiológica são
obtidos nessa população.
Diminuição do Remodelamento Atrial
Um dos maiores avanços no conhecimento da fisiopatologia da fibrilação atrial,
foi a descoberta de que a fibrilação atrial perpetua a fibrilação atrial. Desse
modo, pode-se ousar afirmar que o restabelecimento precoce do ritmo sinusal
pode reverter esse processo. O que está por trás desse fenômeno é o que se
conhece hoje por remodelamento atrial. Numa fase inicial é possível que o
remodelamento se de por alterações funcionais relacionadas com as correntes de
cálcio intracelular. Essas alterações seriam transitórias, normalizando-se com
a volta do ritmo cardíaco normal. Entretanto, se a arritmia persiste as
alterações antes funcionais tornam-se já orgânicas, com influências sobre a
síntese de proteínas celulares e dos canais iônicos de membrana.
As modificações que se observam no remodelamento atrial são tanto relacionadas
com alterações dos padrões eletrofisiológicos atriais quanto aqueles
relacionados aos aspectos histológicos do miócito. Experimentalmente já se
demonstrou que episódios intermitentes de fibrilação atrial, mesmo que de
curtas durações, mas repetitivos, causam inversões dos padrões de resposta do
período refratário atrial. Há tendência progressiva de encurtamento da
refratariedade tecidual, fator esse que aumenta a probabilidade de manutenção
da arritmia. A vulnerabilidade elétrica atrial aumenta quando episódios
intermitentes de fibrilação atrial se instalam, o que tende a perpetuar a
arritmia. Do ponto de vista histológico o que se observa na fibrilação atrial
experimental e até mesmo a encontrada em humanos, é a degeneração dos miócitos,
com perdas das proteínas contráteis, desorganização das lamelas mitocondriais,
fatores esses que, se persistirem, causam enfraquecimento da força contrátil
atrial, tanto pela perda dos filamentos de actina e miosina, como pela falta de
energia causada pela insuficiência mitocondrial.
A reversão precoce da fibrilação atrial ao ritmo sinusal previne o
remodelamento atrial. Uma das mais fortes evidências para esse fato é a
observação de que os períodos entre recorrências se prolongam com a
normalização do ritmo cardíaco. Pode-se até afirmar que nessa nova condição, a
presença do ritmo sinusal tende a perpetuar o ritmo sinusal, graças à
normalização das alterações eletrofisiológicas e histológicas atriais que
estavam presentes durante a fibrilação atrial. Em alguns casos é possível que
as recorrências ainda surjam após a reversão bem sucedida, e isso pode ainda
estar acontecendo porque algum grau de remodelamento histológico ainda
persiste. Essa é uma das maiores razões pelas quais não só se devam prevenir as
recorrências com medicação antiarrítmica mas, também se revertam precocemente
as crises, com o objetivo final de se normalizar as características
histológicas celulares.
Evidência Atual para Reversão da Fibrilação Atrial Aguda
Conforme comentado em parágrafos anteriores, é sabido que episódios
intermitentes de fibrilação atrial predispõem à sua forma crônica, secundariamente
ao remodelamento histológico-eletrofisiológico dos átrios, por essa razão a
reversão precoce do episódio agudo e a prevenção das recorrências deve ser o
objetivo na abordagem terapêutica desses pacientes. Há fortes evidências na
literatura de que a reversão da fibrilação atrial aguda (com até 7 dias de
evolução) pode ser obtida em até 83% dos pacientes, num prazo de até 8 horas,
com administração oral de propafenona (600 mg ou dois comprimidos) (Boriani G
et al. Oral propafenone to
convert recent-onset atrial fibrillation in patients with and without
underlying heart disease. A randomised, controlled trial. Ann Intern Med
1997; 126:621-5). A vantagem desta conduta seria a rapidez de ação, além da
eficácia e segurança. Este agente estaria contra-indicado em pacientes com
disfunção ventricular (fração de ejeção < 45%) ou com insuficiência cardíaca
descompensada (grau funcional >2). Alguns estudos sugerem que a propafenona
via oral seja superior a amiodarona administrada por via venosa.
A eficácia e segurança da auto-administração de fármacos para a reversão de
fibrilação atrial aguda foi recentemente demonstrada com a utilização de
propafenona ou flecainida (Alboni P et al. Outpatient treatment of recent onset atrial fibrillation with the
“pill-on-the pocket” approach. NEJM 2004; 351:2384-91). Nesse estudo,
quando a fibrilação atrial surgia e não revertia num prazo de até 5 minutos, o
paciente fazia uso da medicação por conta própria (flecainida 100 mg ou
propafenona 600 mg via oral) de acordo com prévia orientação médica obtida
durante uma internação hospitalar, quando os efeitos do agente foram avaliados.
O que se destacou nesse estudo foi e segurança da conduta com baixos índices de
complicações causadas pelos fármacos, além da elevada eficácia (cerca de 94%)
num tempo médio de 113 minutos. Essa seria uma maneira rápida, eficaz e segura
de se normalizar o ritmo cardíaco, sem a necessidade de ir ao pronto socorro e
se internar, sem a necessidade de administração de medicação endovenosa,
causando assim uma melhora significativa do bem estar e da segurança do
paciente. Desse modo, mais uma opção terapêutica confortável surge no manuseio
da fibrilação atrial aguda, com todos os benefícios causados pelo
restabelecimento do ritmo sinusal sendo proporcionados aos pacientes que dela
fazem uso. Deve-se sempre avaliar o perfil clínico do paciente para que se
evite o uso incorreto do medicamento e se reduza, dessa maneira, o risco de
efeitos colaterais. Com essas medidas, a aderência ao tratamento aumenta e com
ela o sucesso da reversão química.
Baseando-se na observação clínica de que uma vez cronificada a fibrilação
atrial é um distúrbio de ritmo de difícil manuseio, parece que a sua prevenção
deve ser o principal objetivo na atualidade, e a administração de fármacos,
particularmente na fase aguda, deve ter um importante papel nesta situação.
Embora ainda não definitivamente comprovado, as evidências apontam para que a
reversão rápida e precoce da fibrilação atrial previne o remodelamento e
permita que o ritmo sinusal perpetue o ritmo sinusal.