IMIGRANTES
Por Romano Dazzi | 05/10/2009 | CrônicasIMIGRANTES
de Romano Dazzi
Somos italianos; italianos do século 19.
Por todo este agitado século de oitocentos, estivemos aportando aqui, vindos de todas as partes da Itália: do Veneto, da Calabria, da Umbria, dos Abruzos, da Sicília.
Somos pobres, na maior parte iletrados, mas temos saúde e uma vontade de ferro.
Fomos forjados nas tantas guerras que a Itália faz, contra tudo e todos, para se libertar de austríacos, de espanhóis, de franceses...até do papa...
Muitos de nós são ainda garotos; procuram apenas um trabalho honrado, que Ihes é negado onde nasceram. Outros, - a maior parte na verdade - deixaram mulher e filhos, para vir ao novo mundo.
O novo mundo!
Um mundo com menos injustiças e miséria, um mundo onde não falta trabalho para quem o quer. Que maravilhoso Eldorado !
Muitos são despreparados, nada sabem, e foram iludidos pelas fábulas, que correm pelas ruelas das "contrade", na Itália toda. Só têm algumas ferramentas primitivas, mas uma vontade imensa e poderosa de recomeçar a vida, de fazer "tutto daccapo"
Na verdade a Itália, recém formada, não tem fôlego para sustentar todos os seus filhos e assim ajuda tacitamente a empurrá-Ios pelo mundo, onde quer que alguém os receba. E assim será por muitos anos ainda, por quase um século.
Estados Unidos, Argentina, Chile, Brasil, Canadá: estamos indo para qualquer lugar onde haja terra para desbravar, e arar e semear, onde haja a promessa daquelas colheitas fartas e generosas, que só a mão de Deus pode nos conceder; onde haja espaços e liberdade para todos, republicanos, anarquistas, socialistas, libertários, porque todos sonhamos com um mundo mais justo, capaz de dar-nos, a nós e aos nossos filhos, o pão que merecemos.
Para nós, que estamos chegando ao Brasil, a viagem foi mais longa, miserável para todos, trágica para muitos, em camarotes lotados, fétidos e escuros. Chegamos famintos, doentes, tristes.
Mas "Café" é uma palavra mágica. Sabemos que é a mola que nos dará trabalho a vontade - e salários suficientes para trazermos as famílias.
Café significa São Paulo. Do Vale do Paraiba à Mogiana, da Paulista à Sorocabana, vamos em frente, cada vez mais longe, entrando pelo mato adentro, desbravando e plantando, e colhendo e recomeçando.
A cidade de São Paulo está crescendo, explodindo, e exige mais e mais mão de obra para novas fábricas, para depósitos e armazéns e estações e pátios.
Assim, de repente uma grande parte de nós que éramos apenas pastores e agricultores, transforma-se em pedreiro, carpinteiro, encanador, mestre de obras.
Somos uma força imensa, firme, ousada, criadora; Somos nós que estamos criando novos bairros inteiros, casa por casa, pelo planalto todo; construímos a Mooca, o Brás, o Bom Retiro, o Belém, a Vila Romana, o Bexiga; nossos símbolos começam a surgir por toda a parte; são os Matarazzo, os Crespi, os Pignatari, os Martinelli, com seus prédios, suas fábricas, sua vontade, sua honra e inteligência.
Mas estes são só alguns nomes; atrás deles há milhares de nós, cada um com seu martelo, sua serra, e régua e nível e colher de pedreiro, formando uma cidade nova, um formigueiro imenso, com um novo estilo de vida e um novo modo de ser.
Claro que trouxemos a tarantella, a pizza e a pastasciutta: assim como os Santos das nossas Cidades, os bigodões e os chapéus de cõco, e sapatões solados com dois metros de laços cada um, para serem usados só aos domingos, para ir à igreja e para namorar.
Nossa língua, com seus cem dialetos, mistura-se ao português e forma uma maneira única de "falare" . Os italianos de lá, nem a entendem mais; estamos ficando italobrasileiros, e com muito orgulho.
Nós somos apenas a vanguarda desta invasão pacífica; mais tarde, outros virão, mais preparados e sabidos, para continuar a nossa obra.
Mais tarde, os filhos deles estudarão em escolas que nunca imaginamos, como o Dante Alighieri o Eugenio Montale; serão assistidos e encaminhados pelo Patronato, almoçarão no Circolo Italiano, no belo Edifício Itália; e os mais afortunados mandarão os filhos dos filhos para estudar na Itália, antes de receberem a herança das antigas fábricas.
Em breve - muito em breve - seremos só fantasmas, e poderemos finalmente descansar.
Mas mesmo depois que nossa geração tiver passado, e outra e outra e outra mais, quando São Paulo não tiver mais trezentos mil habitantes, mas quinze milhões, ainda estaremos por aqui; por muito tempo a nossa história, a saga que escrevemos e as lembranças doces ou amargas de nossas vidas, vão comover as gerações futuras; e pelos corredores da hospedaria dos imigrantes, erguida com as nossas mãos e pela nossa vontade, ecoarão por muito tempo as nossas vozes, as nossas canções e as nossas preces.