Imagens que mentem; manipulação fotográfica em favor da mídia.

Por Lucas Antônio Morates | 29/01/2009 | História

Lucas Antônio Morates[1]

Resumo:
Este artigo contém resultados decorrentes da pesquisa realizada em torno da iconografia. A invenção da fotografia surge como parte de um grande processo de transformação econômica, cultural e social da Europa, assim como do resto do mundo. Tal procedimento viria influenciar completamente os rumos da história. Ocorre uma nova possibilidade de inovação, conhecimento e registro. Um instrumento de apoio à humanidade. Graças à fotografia, torna-se possível assimilarem-se cenários, eventos, fatos com muito mais precisão e abrangência. Fotografia essa que é apresentada como o real produzido. Porém com manipulações e possível transformar esse real em um ideal ideológico. O foco central é a fotografia digital cada vez mais popularizada e sob as manipulações aplicadas nessas icnografias.

Palavras chaves: Fotografia; memória; manipulação; mídia.

A visão é considerada um dos cinco sentidos que permitem inúmeros seres vivos aprimorarem as suas percepções do mundo, dentre eles o ser humano. Vivemos numa sociedade onde a informação e a cultura tem um tratamento predominantemente visual.

Hoje em dia existe uma máxima em relação às imagens e talvez todos já tenham ouvido pelo menos uma vez "uma imagem vale mais que mil palavras", assim acredita-se que na nossa sociedade as imagens falam por si só. Na maioria dos casos a imagem é considerada a representação fiel do real, mas na realidade carrega diversos significados e atributos acrescidos pelos meio em que são vinculadas e pelo meio a qual estão associadas.

A invenção da fotografia não é obra de um só autor, mas um processo de acúmulo de avanços por parte de muitas pessoas, trabalhando juntas ou em paralelo ao longo de muitos anos. Se por um lado os princípios fundamentais da fotografia se estabeleceram há décadas e, desde a introdução do filme fotográfico colorido, quase não sofreram mudanças, por outro, os avanços tecnológicos têm sistematicamente possibilitado melhorias na qualidade das imagens produzidas, agilização das etapas do processo de produção e a redução de custos, popularizando o uso da fotografia.

Mas o que é uma fotografia? Nada mas é uma imagem técnica de natureza híbrida, em parte produzida por processos físico-químicos e em parte produzida pela mão do homem com auxílio de um aparelho ótico[2].

Em sua produção entram as concepções técnicas, políticas, sociais, culturais e estéticas do fotógrafo e da sociedade à qual ele pertence. A fotografia é uma imagem ambígua e polissêmica, passível de múltiplas interpretações de acordo com o meio que a veicula, seu intérprete, os contextos e os tempos de sua produção e recepção.

Observando a história da fotografia é possível perceber que as câmeras ficaram cada vez menores, mais automáticas, simples e baratas, o que torna as pessoas potências fotográficas, desde o mais solene evento ao mais banal, instante tudo passa a ser fotografado.

A fotografia propiciou, assim como outros meios de comunicação, um grande processo de globalização. Monumentos, pessoas, costumes, mitos, cerimônias religiosas, fatos sociais e políticos foram documentados pelas máquinas fotográficas de todo o mundo. Os retratos se tornaram a maior febre do século XIX, dividindo-se em vários formatos e processos. O homem então pôde trocar figurinhas, isto é, conhecer outras realidades que não lhe eram comuns, até então transmitidas por quadros, livros e imprensa escrita. Logo uma gama infindável dedetalhes passaram a ser conhecidos através da apresentação fotográfica.

Com o advento das tecnologias digitais no tratamento da imagem, essa manipulação torna-se mais evidente, os meios de comunicação social, não são exceção a essa adoção de novas tecnologias, onde pode-se enviar fotos de um ponto ao outro sem perda de qualidade e de tempo, e eliminam o processo de revelação química do filme convencional.

Nem tudo são flores, as tecnologias digitais arrastam consigo um perigo, o aumento considerável da capacidade de modificação e deturpação da imagem. Na verdade, a possibilidade técnica de modificar elementos visuais presente na imagem fotográfica existe praticamente desde que a mesma foi criada no século XIX, através de processos químicos feitos em laboratórios, mas com o advento das técnicas digitais configura-se uma maior capacidade de manipulação, através de diversos programas informáticos, que permitem alterações de todas as espécies (ajuste de luminosidade, corrigindo imperfeições, inserindo ou retirando elementos da imagem, entre muitas outras possibilidades). Programas cada vez mais poderosos permitem falsificar qualquer imagem aparentemente real.

Com as atuais tecnologias, a modificação das imagens deixam de ser um privilegio dos fotógrafos experientes, e tornam-se acessíveis ao público leigo. Os resultados obtidos são por vezes tão eficazes que se tornam identectáveis mesmo ao olhar de profissionais da fotografia.

Algumas dessas fotografias são feitas com puro objetivo de brincadeira, outras delas são no entanto mais perigosas são feitas com objetivos militares ou políticos. Há outras no entanto que são construídas com o objetivo de conseguir uma imagem espetacular e de grande impacto de algo que não existiu dessa forma.

Algumas dessas imagens chegaram mesmo a ser publicadas na imprensa, levando mesmo ao despedimento de alguns repórteres fotográficos, com a justificação de manipulação de imagens.

A fotografia como forma de registro da imagem, tem assumido ao longo de sua existência um caráter essencialmente documental, servindo "antes de tudo para testemunhar uma realidade, depois, para recordar a existência dessa mesma realidade" [3]

Justifica-se assim a grande utilização por parte da mídia, pois a imagem assim registrada torna-se informação visual e contribui para o conhecimento e, também para a compreensão dos acontecimentos.

Porém a imagem fotográfica é inerentemente ambígua, transmite não apenas a imagem da "realidade literal", mas também uma "versão da realidade". Bauret sustenta que a fotografia não é uma produção de imagens inocentes, causal ou mecânica.

O problema que se coloca é que a imagem fotográfica pode ser modificada de forma a transformar a realidade inicialmente registrada. A fotografia é considerada uma falsificação quando se descobre que engana quem a vê quanto à cena que afirma representar. Esta deturpação pode ocorrer em momentos distintos, antes do registro da imagem (fotografias encenadas), no momento do registro (por exemplo, escolhendo um determinado enquadramento em detrimento de outros), e após a imagem ser sido registrada (alterando, de diversas formas possíveis, os elementos visuais existentes na imagem).

Nos últimos anos, têm chegado ao conhecimento público diversos casos em que as imagens foram de alguma forma modificadas

O poder que uma imagem possui, em muitos casos passa despercebido por nós. O historiador norte-americano Peter Burke (2001), em seu livro Testemunha Ocular, mostra que a imagem é uma fonte rica para investigar os acontecimentos. Porém o autor faz uma ressalva e alerta para como os fatos históricos e seus personagens construíram essas documentações, procurando ressaltar os aspectos que não necessariamente eram os fatos reais.

Exemplificando Burke mostra como pintores consagrados da história da arte como Ticiano, que modifica a aparência de determinado rei, papa ou príncipe no intuito de disfarçar possíveis deformidades daqueles que haviam encomendado o retrato. Desta forma as imagem contribuíram para criar uma outra imagem do real.

Na perspectiva de Burke, deveríamos voltar a ver as imagens, já que antes da utilização da escrita como forma de comunicação para todos, essa era a única maneira de difundir idéias e leis. A sociedade atual preocupa-se em produzir imagens e não em lê-las e descobrir o que seus enunciados simbólicos estão afirmando.

Autores como Guy Deborat (1997) trabalharam esse tipo de informação tento esse autor chamado de "Sociedade do espetáculo", onde tudo toma dimensões espetaculares, gerando falsa consciência. As imagens seriam para esse autor a concretização dessa alienação, na "Sociedade do espetáculo" , recebem novos atributos, além de se tornarem meio de propagação e construção de discursos ideológicos.

Nessa sociedade não importa o que é real, mais sim a imagem que foi criada. Existe uma preocupação com o que é apresentado como a realidade, mas não com o que é de fatoreal, passa a ser sempre uma realidade forjada. Cada imagem fotográfica a um discurso subentendido.

Na "sociedade do espetáculo", o excesso da produção imagética nos bombardeia diariamente, proporcionando um anestesiamento crítico dessa produção. Perde-se a capacidade de leitura e de percepções da imagem devido ao aumento na produção imagética, fixando somente os estereótipos simbólicos e retemo-nos somente a superfície.

"Na nossa época, quando as imagens ganham novamente preeminência sobra a palavra escrita, falta-nos esse vocabulário visual compartilhado. Temos permitido que a propaganda e a mídia eletrônica privilegiem a imagem para transmitir informações instantaneamente ao maior número de pessoas, esquecendo que a própria velocidade a converte em ferramenta ideal de comunicação para toda a sorte da propaganda, porque manipuladas pela mídia, essas imagens não nos dão tempo para a crítica ou reflexão pausada".[4]

Boris Kossoy, em seu livro Realidades e ficções na trama fotográfica, busca compreender a imagem fotográfica como possuidora de uma relação ambígua entre os papeis de representação e de prova de documentação.

Em outro texto de sua autoriaA construção nacional na fotografia brasileira: o espelho europeu, Kossoy produz uma análisesobre o uso da fotografia no Império de Dom Pedro II e pela elite brasileira, no intuito de reconstruir um imaginário de um Estado civilizado.

Kossoy afirma que "é a ideologia que irá sepultar certos fatos ou recuperar outros. A fotografia sempre teve e estará à disposição das ideologias, prestando-se aos mais diferentes usos".[5]

As imagens fotográficas acabam por ter um papel mercantil, alternado seu aspecto de registrar e congelar o instante para se tornarem produtos consumíveis, que têm, às vezes a função de contribuir para a cristalização e a banalização de indivíduos.

Exemplificando, as fotografias clássicas que carregam discursos ideológicos como a do rosto do Che, a fotografia da menina fugindo do bombardeio de sua cidade com o corpo queimado entre outras, se transformam em produtos, sendo estampas em camisetas ou vendidas em loja como souvenir, deixando de nos chocar e tranformando-se em meros clichês imagéticos"[6].

"Como acreditar em um novo regime de Controle e de Poder, com seus suportes de propaganda, suas mídias, seus vínculos audiovisuais e televisivos, atuem de modo a produzir clichês que circulem no exterior e no interior das pessoas, de tal modo que cada um só possua clichês psíquicos dentro de si, clichês que impedem de ver as imagens que vêm de fora ? Devemos nos perguntar se realmente se vivemos a civilização da imagem ou a civilização clichê. Os clichês são imagens que supõem um espaço de interioridade. Ou seja, territórioscapturados e imóveis, conjuntos e fronteiras estáveis, corpos orgânicos. O grande desafio para aquele que produz imagensé justamente saber em que sentido é possível extrair imagens dos clichês, imagens que nos permitam realmente "viajar". Se tudo não parece uma ficção, se tudo parece conspirar para uma desmaterialização do mundo, se temos dificuldades em viver a história, é porque tudo parece já ter sido programado, preestabelecido, construído, calculado"..[7]

Para Roland Barthes, a fotografia jornalística é uma mensagem constituída por:

"uma fonte emissora, um canal de transmissão e um meio receptor. A fonte emissora é a redação do jornal, seu grupo de técnicos, dos quais alguns fazem a foto, outros selecionam, a compõem e retocam e outros, enfim, a intitulam, a legendam, a comentam. O meio receptor é o público que lê o jornal. E o canal de transmissão é o próprio jornal, ou, mais exatamente, um complexo de mensagens concorrentes cujo centro é a fotografia; os complementos que a circundam são o texto, o título, a legenda, a diagramação e, de maneira mais abstrata não menos informante, o próprio nome do jornal...".[8]

 

 

Considerações Finais

Comesse breve artigo percebemos que a fotografia como qualquer outra fonte de registro, por si só não constitui uma fonte de informação precisa e completa; isoladamente é como um ínfimo fragmento da história, precisando interagir com outros complementos ou fontes, quer sejam escritas, quer sejam visuais ou de outras naturezas para uma verdadeira apreciação de seus registros. É sabido que "uma imagem vale por mil palavras", mas esta frase só faz sentido se de fato o intérprete conseguir extrair a maior quantidade de palavras (no sentido de significado)ocultadas na fotografia, não apenas as ligadas ao primeiro contato visual. A fotografia gravou com fidelidade uma parcela da realidade que se situava no campo da objetiva.

Quando observamos uma fotografia, devemos ter a consciência de que a interpretação do real será forçosamente influenciada por uma ou várias interpretações anteriores. Apesar da ampla potência de informações contidas em uma imagem (ela não substitui a realidade como um todo, tal como se deu no passado), ela apenas traz informações visuais de um fragmento do real selecionado.

Referencias:

BARTHES, Roland. A mensagem fotográfica. O óbvio e o obtuso.Ensaios críticos III. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

BAURET, Gabriel (2000)- A fotografia: História, estilos, tendências, aplicações. Lisboa: 70 Edição Original 1992.

BURKE, Peter. Testemunha Ocular: História e Imagem. Bauru, Edusc,2004.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro, Contraponto, 1997.

KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo, Ateliê Editoral, 1999.

MANGUEL, Alberto. Lendo Imagens. Uma história de Amor e Ódio. São Paulo, Companhia das Letras, 2001.

PARENTE, André. "Os paradoxos da Imagem-Máquina" a era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro, Editora 34, 1993.

Revista Brasileira de História Numero v.27 n.53 São Paulo jan/jun. 2007.



[1] Artigo produzido por Lucas Antônio Morates.

[2] Essa definição é próxima daquela oferecida por FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002.

[3] BAURET, 2000: 23.

[4]MANGUEL, 2001: 144.

[5] KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo, Ateliê Editoral, 1999 P.106

[6] SOTAG.2003

[7] PARENTE, André. "Os paradoxos da Imagem-Máquina" a era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro, Editora 34, 1993.P.18

[8]BARTHES, Roland. A mensagem fotográfica. In: BARTHES, R. O óbvio e o obtuso.Ensaios críticos III. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. p.11